Aos 24 anos, Surma, nascida em Leiria, é uma cantora emergente. Apesar de muitos portugueses só a terem descoberto em março, quando interpretou "Pugna" no Festival da Canção da RTP, Débora Umbelino, o nome que a menina dos óculos redondos loura, como lhe chamaram, exibe no cartão de cidadão, tem uma carreira internacional que fala por si. Só em 2018 fez mais de 50 concertos no estrangeiro, em 13 países.

"Antwerpen", o seu álbum de estreia, lançado no final de 2017, foi nomeado para disco do ano europeu, pela IMPALA - Associação de Empresas de Música Independente, logo no ano seguinte. Em entrevista ao Modern Life, Surma, que também assina a banda sonora do filme "Snu", o filme português mais visto este ano, fala da carreira, do processo criativo, do amigo Conan Osíris, da vergonha que (ainda) sente em palco.

É um dos novos nomes do panorama musical português. O Festival da Canção da RTP deu-a a conhecer a pessoas que nunca tinham ouvido falar na Surma, a menina dos óculos redondos loura que foi ao festival. Para as pessoas que ainda não a conhecem bem e que ficaram com essa imagem, quem é que é, afinal, a Surma?

Eu costumo dizer que a Surma é a Débora na sua verdadeira essência. Acho que é uma pessoa misteriosa, um bocado mais introvertida, que tenta mostrar às pessoas um universo fora da caixa. O meu principal objetivo é levá-las a fechar os olhos e acompanharem-me na minha viagem. Eu quero que as pessoas me ouçam e apaguem as coisas más que têm na cabeça.

Como é que é o seu processo criativo?

De onde é que me vêm as inspirações e essas coisas todas? É muito à base do isolamento e do silêncio... É um bocado estranho porque muitas pessoas inspiram-se em bandas e nos barulhos. Eu é no silêncio! Vêm-me coisas muito estranhas à cabeça no sono. Eu durmo um ciclo de quatro horas seguidas e, depois, acordo com coisas na cabeça todos os dias, o que é muito estranho...

E é o isolamento também. Estar isolada de tudo e todos inspira-me muito. Isto até pode parecer um bocado depressivo dito assim desta forma mas a verdade é que o isolamento me inspira muito.

2019 está a ser um ano de grande visibilidade pública para a Surma, um nome que há menos de um ano poucos conheciam. Como é que foi, por exemplo, fazer a banda sonora do filme "Snu" uma vez que a sua música, progressiva, futurista e eletrónica, não tem nada a ver com o tempo da narrativa, que se passa essencialmente na década de 1970?

Não tem nada a ver, como a Patrícia [Sequeira, a realizadora do filme] disse. Ela tinha pensado inicialmente noutra coisa em termos de banda sonora até que alguém lhe indicou o meu nome, que ela não conhecia. Passado uma semana, ligou-me para uma reunião e disse-me que queria ligar a parte nórdica da coisa [Snu Abecassis era dinamarquesa] à parte histórica do filme e que achava que eu era essencial para o fazer.

Eu fui contactada para ligar as duas vertentes numa só e acho que resultou bastante bem a forma como a parte moderna convive com a parte antiga. Foi uma junção incrível e eu, na altura da estreia, estava nervosíssima. Foi a primeira banda sonora que fiz mesmo à séria e foi mesmo brutal. Estou felicíssima!

Na altura, durante o processo criativo, onde é que foi buscar inspiração para fazer essa ligação com a história do filme?

Tive acesso a muitas partes do filme. Tinha o guião escrito, tinha que imaginar um bocado a história na cabeça... Na cena do sonho da Inês [Inês Castel-Branco, a protagonista feminina],  havia uma parte meio melancólica meio filme de terror.

Idealizei na minha cabeça que iria ser assim e a Patrícia disse-me, depois, que era mesmo aquilo que estava à procura. Acabámos por resultar bastante bem como equipa. Eu mostrava-lhe as minhas ideias e foi logo tudo à primeira. Foi uma junção mesmo brutal das coisas...

A banda sonora do filme está disponível?

Eu acho que sim. Pelo menos, as ambiências que fiz vão estar disponíveis no Spotify, mais cedo ou mais tarde. Prometo!

Está realmente a viver uma fase fantástica. Este ano, já lançou a banda sonora de um filme e viveu também em março uma experiência que deve ter sido muito desafiante e entusiasmante, que foi o Festival da Canção da RTP...

Foi incrível! Tive a possibilidade de idealizar um staging [apresentação em palco] na minha cabeça, tive oportunidade de fazer uma coisa à grande, tive oportunidade de trabalhar com bailarinos, com coro, com produção... A uma dimensão de outro nível, a que não estava habituada a trabalhar. Estive a trabalhar com malta amiga tão talentosa. Acho que foi das melhores experiências que tive até hoje. Foi mesmo incrível!

O resultado foi o que estava à espera? Ficou em quinto lugar...

Era. No fim de tudo, acho que tive uma adesão ainda mais positiva do que aquela que estava à espera. Tive malta da Grécia a dar-me os parabéns, malta do Chipre... Nunca pensei vir a ter mensagens de pessoas destes países no Instagram e foi uma experiência muito positiva para mim...

Portugal é bem representado com o Conan Osíris?

Eu acho que sim, sem sombra de dúvida, mas eu sou suspeita. Eu sou team Conan! É um amigo já de alguns anos, por isso sou suspeita...

Os óculos são uma das suas imagens de marca mas as atuações no Festival da Canção da RTP foram sem eles. Porquê?

As pessoas perguntaram-me muito isso. Foi para não ver as pessoas que estavam à frente, vou ser sincera! Estava muito nervosa. Foi uma coisa muito grande na qual participei e tirei os óculos para não ver as pessoas. Não foi nada estético!

A minha imagem são os óculos grandes na minha cara pequena mas, neste caso, foi mesmo para não ver as pessoas à minha frente e estar só na minha. Foi mesmo uma questão de estar na minha bolhinha...

Porquê? Por vergonha? Por timidez? Por insegurança?

Acho que é a junção disso tudo. Timidez, insegurança... Ter as câmaras ali à minha frente, muito agressivas... Acho que foi um bocado isso! Tentei fechar os olhos e estar na bolha da Surma, do universo da Surma e foi isso que quis mostrar às pessoas...

Algumas pessoas que a conhecem bem afirmam que o fez porque não queria ver ninguém. Também por algum receio?

Exato. Não mentiram, foi exatamente isso... Estava com muito medo!

Em Portugal, ainda não é reconhecida por todos mas, nos países nórdicos, onde atua muito, a Surma é famosa. Há quem diga que está quase ao nível da Björk, enchendo muitas salas...

Tenho uma adesão muito grande lá fora, é verdade... As pessoas gostam e têm interesse em saber o porquê de me chamar Surma, o porquê daquela sonoridade, o porquê de eu ser assim... Têm um interesse fora da Surma, têm interesse na minha pessoa e no caráter de tudo aquilo que eu sou...

Tenho tido muita sorte! As pessoas estão interessadas em conhecer coisas que vêm de Portugal, não sou só eu, a maior parte da malta que vai tocar lá fora tem uma adesão muito grande... Eu falo por mim! Tenho tido muita sorte lá fora, tem sido um sonho...

Uma vez que há essa curiosidade e essa adesão tão grande lá fora, sendo o Festival Eurovisão da Canção um palco para o mundo muito grande, foi um sonho que acabou com aquela primeira participação ou, de hoje para amanhã, poderemos voltar a ter outra canção da Surma na corrida para a Eurovisão?

Não sei. Não gosto muito de pensar no futuro. É um vortex um bocado agressivo para mim! O festival da canção abriu-me imensas portas, permitiu-me dar a conhecer a minha música a Portugal inteiro e a um outro público que não está habituado a ouvir esta coisa mais estranha e freak que eu faço.

Foi uma oportunidade incrível. Não sei... Acho que é caso para dizer nunca digas nunca. Talvez seja júri para o ano... [risos]. Talvez vá com outra música... Era fixe! Gostava muito...