Mãe de seis filhos, fruto de três casamentos, avó de oito netos e bisavó de quatro bisnetos, foi quando deu o nó pela terceira vez que se converteu ao islamismo, uma paixão que a fez mudar de religião por um determinado tempo, tendo mais tarde regressado ao catolicismo. Mas o que nunca mudou foi a sua fé.
Viveu tudo o que queria e acredita que teria feito as mesmas escolhas caso lhe dessem uma nova oportunidade, descrevendo-se como “uma mulher igual a milhões”, apenas alguém a quem lhe foi concedida a dádiva de ter vocação para aquilo que gosta de fazer.
Nesta segunda parte da entrevista ao Vozes ao Minuto, Eunice Muñoz dá a conhecer um pouco mais de si,falando nas lições que a vida lhe foi ensinado ao longo dos 88 anos de vida, bem como do que ainda recorda da sua “infância feliz”.
Quais são as melhores recordações de retém da infância?
Tive uma infância muito engraçada porque foi passada na província. Por exemplo, lembro-me perfeitamente de uma criança – na altura da minha idade – que me levava a casa da mãe. Ela perguntava ‘quem é essa menina que trazes aí?’ e ela dizia-lhe que eu era ‘uma palhaceira’ [nome antigamente dado aos filhos de pais que trabalhavam no circo]. Ficava com pena e dizia ‘Oh, uma palhaceira, coitadinha… queres um bocado de água?’.
Outra imagem que tenho sempre na cabeça era dos tempos que passava com o meu irmão. Lembro-me de que nós corríamos e corríamos no campo para ver passar o comboio, porque o comboio tinha amagia deir para a cidade. Pensávamos sempre como é que seria a cidade. Ficava sempre embevecidacom aquele comboio que passava e que levava gente diferente.
Se fosse preciso apresentar-se ao público, como é que o faria?
Eu sou uma mulher igual a milhões. A única diferença que posso ter é porque, enfim, Deus concedeu-me essa graça de me vocacionar para esta profissão. De resto, sou igual a todas as mulheres. Gosto de cozinha, de fazer os trabalhos de casa, de ler e ao mesmo tempo de escrevinhar umas coisas que depois paro e nunca mais toco e, quando toco, divirto-me a ver aqueles gatafunhos.
Afirma-se como uma pessoa de fé. Foi a fé que a trouxe até tão longe a nível pessoal e profissional?
Foi. Sou realmente uma mulher de fé e isso dá-me uma grande satisfação.
A dada altura converteu-se ao islamismo. O que a fez mudar e por que razão voltou ao catolicismo?
Foi um ato feito por paixão pelo meu terceiro marido. Continuamos de pedra e cal com a nossa amizade. Já tem mais quatro filhos, mas esse amor e essa amizade mantém-se na mesma. É muito profunda a ligação que eu tenho com o meu terceiro marido e foi por isso mesmo, por essa paixão que nós tivemos um pelo outro. Mas isso foi um tempo que já passou.
É preciso cuidado com o orgulho. Às vezes, pode cegar. Não é um bom conselheiro
Qual foi o melhor conselho que deu aos seus filhos?
[Eunice olha para o filho António, que a acompanhava na entrevista, e é ele quem responde por ela]. Uma das coisas que prevalece é que a vida, independentemente de como esteja a correr, é que vale a pena ser sempre vivida. É uma coisa que sempre nos foi passando, ora na teoria, ora na prática.
De que é que mais se orgulha na vida?
É preciso cuidado com o orgulho. O orgulho, às vezes, pode cegar. O orgulho não é um bom conselheiro.
Não sou uma pessoa boazinha nem má
Há alguém que lhe deva um pedido de desculpa? É uma pessoa de guardar rancor?
Não. Não sou uma pessoa boazinha nem má. Antigamente, questionava-me ‘porque é que eu não falo com esta pessoa?’, mas já não me lembrava porquê. Acontecia, às vezes [risos].
Com tantos anos de vida e de carreira, sente que ainda existe alguma coisa por aprender?
Há sempre coisas para aprender. Esta é uma profissão riquíssima, em que há sempre muito por aprender e por isso é que é tão difícil. Penso nisso muitas vezes.
Estou a ficar com muita idade, e isso está a preocupar-me.Entrego a Deus o que tiver de ser, não posso fazer nada, mas gostava de pelo menos mais dois anos
Até aqui, viveu com a intensidade que queria? Realizou tudo o que desejava?
Estou a ficar com muita idade, e isso está a preocupar-me, porque nesta minha idade, nunca se sabe o que pode acontecer. E eu tenho consciência disso, mas entrego a Deus o que tiver de ser, não posso fazer nada, mas gostava de pelo menos mais dois anos [chegar aos 90].
Como é que quer ser recordada pelo público?
Ser bem recordada. Quero que tenham uma boa lembrança de mim, que lhes tenha dado prazer e que tenham rido e chorado comigo.
Disse já numa entrevista que queria que as suas cinzas fossem depositadas num poço na Amareleja [Alentejo]. Porquê?
Porque eu era criança quando lá estava. O meu pai e o meu avô tinham uma grande paixão pelo Alentejo - apesar de não serem alentejanos – e o meu avô quis sempre comprar uma pequena casa lá e conseguiu. E foi aí que eu nasci. Essa casa tinha um poço que está sempre na minha memória.
Se pudesse escolher, mudava alguma coisa no seu percurso? Tomava as mesmas decisões.
Não faço ideia, mas acho que deixava ficar.
*Pode ler a primeira parte desta entrevista aqui.
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