A escrita é uma necessidade orgânica, uma forma de sobrevivência da qual Sara Rodi não prescinde.

Depois de «A Sombra dos Anjos» e «Frio», reeditado em 2011, a escritora e guionista, que participou na criação de telenovelas como «Queridas Feras», «Mundo Meu» ou «Vingança» e séries para televisão como «Maternidade», volta ao romance em 2012 com «D. Estefânia - Um trágico amor».

Em entrevista à Saber Viver, a autora do livre, editado por A Esfera dos Livros, revela as razões que a levaram a interessar-se pela mulher que cativou D. Pedro V e conquistou os portugueses, recorda o passado da princesa alemã que morreria em Portugal e fala das suas preferências literárias enquanto manipuladora de palavras e conceitos. Só não desvenda as histórias que farão parte dos seus próximos livros.

Portugal teve muitas rainhas. Porque escolheu D. Estefânia Hohenzollern-Sigmaringen e não uma outra para este seu regresso aos romances?

O Hospital D. Estefânia é uma referência para as mães e pais deste país, sobretudo para aqueles que vivem na Grande Lisboa, como é o meu caso. No entanto, a maioria de nós não conhece, ou não conhecia, a história da mulher que um dia sonhou este hospital e que ofereceu o seu dote para a sua construção.

No ano em que se celebram 175 anos do nascimento de D. Estefânia, achei importante que a nossa História voltasse a falar desta rainha e de tudo o que ela foi e fez, ainda que em tão poucos anos de vida. Morreu aos 22 anos mas deixou-nos a sua marca e o seu exemplo de altruísmo.

Quem foi D. Estefânia Hohenzollern-Sigmaringen e o que é que a sua vida tem de inspirador?

D. Estefânia era uma princesa alemã muito amada pelo seu povo, sobretudo pelas obras de caridade que praticava. Autores da época relatam que a jovem Estefânia saía do seu palácio em Dusseldorf vestida de forma simples, escondendo a sua condição, para ajudar quem mais precisava. O povo alemão chamava-lhe anjo. E o povo português viria a chamar-lhe o mesmo.

Em Portugal, Estefânia era também incansável na forma como se dedicava aos outros, sobretudo às crianças, preocupando-se em particular com as órfãs e as enfermas. As suas ideias sobre educação, cultura, saúde, política e até economia revelam a sua grande maturidade, humanidade e retidão e são uma boa fonte de inspiração para os dias que correm.

Como foi a história de amor de D. Estefânia com D. Pedro?

Foi o encontro de duas almas gémeas. A rainha Vitória de Inglaterra e o seu marido, o príncipe Alberto, tinham uma grande estima por D. Pedro V, mas conheciam-lhe também a sua exigência. Foram eles que sugeriram D. Estefânia para sua esposa, pelas inúmeras qualidades que lhe reconheciam.

E, de facto, D. Pedro, que achava a maioria das mulheres fútil e desinteressante, descobriu em Estefânia a companheira ideal, com qualidades morais que a tornavam a mais bela das mulheres aos seus olhos. Durante 14 meses partilharam o seu dia a dia, incansáveis a visitar hospitais, a fundar escolas e instituições, a ouvir o povo e a discutir o futuro de Portugal.

Veja na página seguinte: D. Pedro cumpriu totalmente o último desejo da mulher?

D. Pedro cumpriu totalmente o último desejo da sua mulher?

A sua morte também precoce, dois anos depois de D. Estefânia, não permitiu que assistisse à inauguração do Hospital da Bemposta, nome inicialmente dado ao hospital pediátrico, inaugurado já no reinado do seu irmão D. Luís.

Mas D. Pedro foi incansável no lançamento do projeto,
fazendo-se para o efeito rodear dos melhores técnicos da Europa disponíveis à época para criar em Lisboa um hospital de referência.

Os custos foram avultados e superiores ao dinheiro que havia disponível, mas o pai de Estefânia, também para cumprir o sonho da filha, enviou o remanescente e o hospital nasceu e cresceu na medida dos desejos desta. Reconhecendo-o, foi o povo que pediu que o hospital se chamasse de D. Estefânia, em homenagem à sua rainha muito amada.

Numa carta à mãe, D. Estefânia disse que «os portugueses têm o sentido do luxo e da pompa mas não o da dignidade». Porque julga que ela pensaria assim?

Portugal vivia dias complicados. Passara por duas epidemias graves e o povo sofria grandes dificuldades. Ainda assim, a nobreza deleitava-se em festas, exibindo um luxo a que Estefânia não estava acostumada. Apesar da posição social da sua família, os Hohenzollern-Sigmaringen levavam uma vida simples, sem a ostentação que Estefânia viria a encontrar em Portugal.


Para além disso, havia questões morais a resolver no país. D. Pedro V era implacável em relação à corrupção, à mentira, à infidelidade... Era um homem de uma retidão inabalável e D. Estefânia comungava dela, entendendo que o grau de civilização de um povo dependia também dos princípios morais que o norteavam.

Essa crítica mantém-se atual na sua opinião?

Infelizmente há problemas que se mantêm atuais, como a questão de vivermos acima das nossas posses, com uma excessiva preocupação com aquilo que aparentamos. A verdadeira superioridade vem de dentro, mas é difícil fazê-lo valer numa altura em que tudo parece ser aferido em números e valores. Outra questão por resolver é a da falta de seriedade e de compromisso.

O que antes era a honra e a palavra, deu lugar a uma desconfiança permanente sobre o outro e as suas intenções. Parte-se sempre do princípio de que o outro, mais cedo ou mais tarde, nos vai tentar enganar e, pior do que isso, vai sair impune. Não se acredita no compromisso nem na justiça. E, em clima de desconfiança, é muito difícil construir algo sólido.

D. Estefânea faleceu aos 22 anos vítima de difteria. A autópsia revelou que D. Estefânea, apesar de casada há 14 meses, morreu virgem. É também essa a sua crença?

Tudo indica que sim e não me custa acreditar nessa hipótese, pela natureza de D. Estefânia e sobretudo da de D. Pedro V. Chegou a falar-se, mais tarde, que o rei português sofreria de anafrodisia (ausência de libido) ou que porventura seria homossexual. No meu livro, Estefânia deseja muito ser mãe e, por isso, deseja consumar o casamento.

Custa-lhe muito partir sem deixar um herdeiro a Portugal. Mas procura entender D. Pedro e desculpa-o, porque também ela, fruto da tenra idade e da inexperiência naquele campo, receava a sua primeira vez. Só o tempo diria se eles chegariam a ser felizes também na sua sexualidade. Mas não houve tempo.

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Além de vários livros publicados, incluindo romances e livros infantojuvenis, tem também uma carreira ligada ao guionismo e à escrita de telenovelas e séries de televisão. Prefere a escrita para o pequeno ecrã ou gosta mais dos métodos de trabalho e das estruturas a que pode recorrer para escrever romances ou outro tipo de histórias?

Os romances permitem-me outra liberdade. Não tenho que me preocupar com orçamentos, percentagens de exteriores, que atores irão interpretar aquilo que escrevo, quem vai ser o realizador...

Sou livre na construção da minha história e de a imaginar como um filme hollywoodesco de orçamento ilimitado, sem quaisquer entraves à minha criatividade. Agora, o guionismo é a grande escola da estrutura e do respeito pelo nosso público. E também uma grande lição de trabalho em equipa. Se hoje entendo um livro como o trabalho de um conjunto de pessoas foi também porque o guionismo me fez ver as coisas dessa forma.

Depois de D. Estefânia, pensa já noutra figura histórica para protagonizar o seu próximo livro ou os seus planos passam por outro tipo de temas ou narrativas?

Escrevo muito, sempre, sobre muitas coisas. É uma necessidade orgânica, uma forma de sobrevivência. Mas não posso publicar tudo. Existe um mercado que não acolhe tudo aquilo que me apetece escrever. Nesse sentido é fundamental o trabalho da editora, que conhece o mercado melhor do que eu e ajuda-me a definir o que posso publicar e para quem, porque em última instância os livros só fazem sentido se forem lidos.


Sobre o futuro ainda não posso falar. Tenho muitas ideias que me perseguem, várias já rabiscadas, algumas que passam pelas História e outras que não. Mas ainda não tenho um plano definido. Só sei que, independentemente disso, me espera muito trabalho a fazer o que mais gosto. E isso já é muito bom.