Marco Paulo: Chegar aqui foi uma luta que valeu a pena
Marco Paulo: Chegar aqui foi uma luta que valeu a pena créditos: Alexandre Vaz

Revista Saúda - Está a celebrar 50 anos de carreira e continua imparável.

Marco Paulo - Foi um ano cheio de concertos. É verdade. Nunca pensei chegar aqui, continuar a gravar e a fazer concertos tão grandiosos, com tanta gente a assistir. Chegar aqui foi uma luta, mas valeu a pena. Achei que era uma data bonita para comemorar e, por isso, decidi fazer concertos nas salas onde nunca tinha feito: Coliseu do Porto, Portimão Arena, Multiusos de Guimarães, Coliseu de Lisboa e, por último, Campo Pequeno.

RS - Qual foi a sensação?

MP - Nunca imaginei esgotar essas salas todas! Tenho trabalhado tanto, tenho-me dedicado de corpo e alma, mas nunca imaginei que, fazendo essas salas em poucos meses, tivesse tanto público. Foram concertos emocionantes. No Coliseu de Lisboa estava tão feliz que me esqueci do tempo. Só quando acabou é que o meu editor me disse: «Marco, o que aconteceu? Só podia fazer duas horas e fez duas horas e meia. O que é que se passou?». (risos)

RS - É no palco que mais gosta de estar?

MP - O palco é a minha vida! Em Tondela, após um concerto, uma família foi ao camarim cumprimentar-me e uma menina, pequenita, disse: «O Marco está sempre a sorrir!» (risos). No dia-a-dia sou mais reservado, mais tímido, no trabalho sinto-me no meu mundo. As pessoas mais próximas notam e dizem: «Tu devias cantar todos os dias, estarias sempre feliz». E é verdade.

RS - Mesmo depois de ser operado a um rim, em Junho, continuou a dar concertos.

MP - Sim! Só cancelei três porque, realmente, não conseguia actuar. É muito engraçado sentir a preocupação das pessoas que, durante os espectáculos, gritam: «Água, beba água!». Sabem que fui operado porque, durante anos, não bebi água. Não gostava do sabor. Essa preocupação, esse cuidado, são maravilhosos.

RS - O que mudou por causa da doença?

MP - Bebo água. É fundamental. Antes só bebia água de manhã e nada mais. Não gosto e, além disso, achava que depois dos concertos, com a garganta quente, não me iria fazer bem. Agora sei que isso não faz sentido.

RS - O que aprendeu com as doenças?

MP - Que somos muito pequenos. E que, de repente, tudo muda. A ganância, a vaidade, a hipocrisia ou a arrogância não valem a pena. Lembro-me que quando estava no hospital quis levantar-me e não consegui. E pensei: «Como é possível que eu, que estou sempre de um lado para o outro, já dei tantos concertos, fiz tanta gente feliz com as minhas músicas, agora nem me consiga mexer?». O importante é agirmos com dignidade e respeito pelos outros e saber que tudo pode mudar a qualquer momento.

RS - Com o cancro, deram-lhe pouco tempo de vida. Vinte anos depois aqui está, saudável e a trabalhar. Como conseguiu?

MP - O Dr. Bento Jesus e a sua equipa foram impecáveis, incansáveis, e deram-me esperança para recuperar e voltar a trabalhar. Os portugueses apoiaram-me muito. Essa demonstração de generosidade foi fundamental para a minha recuperação. Só quando tive o cancro é que percebi que as pessoas gostavam realmente de mim. Sabia que compravam os meus discos, ouviam as minhas músicas, namoraram e casaram ao som da minha voz. Mas não tinha a certeza de que uma quantidade tão grande de pessoas simpatizava comigo e me considerava uma pertença sua.

RS - Costuma ser abordado na rua?

MP - Sou muito caseiro. Preciso do meu espaço, de tempo para estar comigo. Mas vou a Fátima, gosto muito, e ao meu Alentejo, onde nasci. Já sair de casa para ir a um restaurante, não faço. Quando saio, as pessoas respeitam a minha privacidade. Algumas acenam ou mandam beijinhos e sou eu, muitas vezes, que as chamo e cumprimento ou tiro uma foto.

RS - Sei que todos os anos faz um almoço com as suas fãs…

MP - Sim, há 10 anos. E sempre em Fátima, porque muitas vêm do Norte e ali acaba por ser o meio termo. Estamos todos juntos e quem está ali não é o cantor mas sim o amigo. O amigo das fãs.

RS - E agora, qual é o próximo passo?

MP - Não quero parar, não quero reformar-me e dizer: «Pronto, já cantei 50 anos, não quero cantar mais». Não! Estou a preparar um disco novo de originais, que vai sair no próximo ano, e a dedicar-me ao concerto no Altice Arena, a 2 de Dezembro, para o qual estou a preparar algumas surpresas. Por exemplo, vou cantar um fado, em homenagem à minha cantora preferida, a Amália, vou ter uma orquestra grande e levar duas músicas novas que gravei para a caixa especial dos 50 anos.

RS - Acha que estava destinado a ser cantor?

MP - Acredito muito no destino. Tive tantos trabalhos... Trabalho desde os 14 anos. Como não queria estudar mais, o meu pai arranjou-me um trabalho, que era uma maneira de estar ocupado. Fui trabalhar para uma farmácia, porque o meu pai era farmacêutico antes de ser funcionário do Estado. Mas passava os dias a cantar. Na farmácia, como não estava ao balcão, cantarolava as canções que aprendia. Podia haver uma festa e precisava de ter umas músicas para cantar (risos). Foi assim que comecei.

RS - Na sua família há mais artistas?

MP - O meu pai tocava numa banda quando era novo e a minha avó materna, segundo dizem, tocava numa igreja. Talvez venha daí. Mas nenhum dos meus irmãos sabe cantar. Eu canto naturalmente, sem nunca ter tido aulas. Só estudei acompanhamento musical, que era piano. Ninguém me ensinou a cantar.

RS - O que mudou nestes 50 anos no mercado da música portuguesa?

MP - Antigamente, vendia discos em catadupa. Lançava um disco e vendia aos 100 mil, 150 mil. Nunca fui um cantor de cassete. Vendeu-se muito os “Dois Amores”, mas foi uma excepção. Comecei nos singles, LP e depois entrei logo nos CD. Agora já não se vendem tantos discos.

RS - Nos concertos, costuma tocar com o seu afilhado.

MP - Sim, ele é o filho que não tive. Tenho uma paixão e admiração por ele do tamanho do mundo. E sei que sou correspondido. Ele faz parte da minha banda, toca viola baixo, e já é um grande músico. Neste momento, está em Amesterdão, a estudar jazz, que é o que mais gosta, para se aperfeiçoar. Mas sempre que tenho um concerto ou actuação na televisão e​le vem de propósito.

Texto de Rita Leça