"Gosto dessa sensação de acordar e estar tudo bem à minha volta”. Esta é a realidade que vive nos dias de hoje e espera que continue assim. Depois de todos os episódios que marcaram a sua vida, um dos desejos de Diogo Carmona estar rodeado de arte, a sua grande paixão.

Em entrevista ao Fama ao Minuto, o jovem ator viajou ao passado e lembrou o menino que se estreou na representação com apenas cinco anos. Além disso, não escondeu a emoção do regresso à televisão no ano passado, na série ‘Golpe de Sorte’, para uma pequena participação. Um momento que fica também marcado pelo carinho que recebeu de Maria João Abreu.

O acidente que sofreu no dia 26 de outubro de 2019, quando foi atropelado por um comboio e viu o pé ser amputado, não ficou esquecido. Mas antes falou sobre o livro que acaba de lançar, ‘Contra Todas as Probabilidades – Vítima ou vilão? Culpado ou inocente?’, onde transcreve a sua história que já deu tanto que falar.

Para quem tem curiosidade e ainda não leu o livro, o que mais destaca da obra?

A veracidade que foi, provavelmente, a palavra que mais queria transparecer da minha história. E tentar levar a crueza que senti em todos esses episódios. Acho que foram coisas muito cruas e verdadeiras. Tentei pôr isso no livro.

Diz que hoje escreveria o livro de uma forma diferente, com uma abordagem diferente. Consegue dar um exemplo de um excerto, por exemplo, que escreveu e que mudaria?

Acho que, se calhar, tem que ver com a maneira como escreveria as frases, que seria diferente. Não propriamente algumas ideias, porque acho que as ideias estão lá e estão consolidadas. Mas uso algumas palavras, como por exemplo progenitora… Não sei, acho que seria diferente, mas não seria muito diferente.

Qual foi o ponto de mudança na relação com a sua mãe?

Foi em dezembro de 2020 que tomei a iniciativa de voltar a falar com a minha mãe e fizemos as pazes.

Quando esteve à conversa com Manuel Luís Goucha disse: “A grande mudança foi de mim próprio. Eu mudei”. O que é que mudou?

Nós estamos sempre em transformação e provavelmente foi uma coisa pequena. Sinto todos os dias que sou uma pessoa diferente, e foi alguma mudança minha interior que fez espoletar essa mudança. Não sei o quê, mas são coisas pequenas. Acho que todos os dias somos melhores.

Não conseguia distinguir quem é que gostava de mim e quem não gostava. Precisei mesmo de me afastar de toda a gente

Depois do acidente reaproximou-se do seu pai… Que conselhos recebeu dele?

Depois acabei por me afastar outra vez por precisar do meu espaço. Mas ele é uma pessoa que tem o seu trabalho, a sua história de vida também complicada, e acho que tentei aprender com isso e retirar isso das lições dele.

Desde o momento em que sofreu o acidente até ao doloroso processo de recuperação em Alcoitão, o que leva desta fase?

Muita confusão. Estava muito confuso com o que tinha acabado de acontecer, com o acidente, com as pessoas, com mensagens. É complicado! Não sabia o que pensar em relação às pessoas. Não conseguia distinguir quem é que gostava de mim e quem não gostava. Precisei mesmo de me afastar de toda a gente, e refleti muito sobre o meu círculo de amigos, sobre o meu passado, o meu futuro…

Esse período acabou por fazer com que se afastasse de pessoas que achava que não contribuíam da melhor maneira para a sua vida, como de algumas amizades, por exemplo?

Acho que não. Afastei-me de pessoas, não que elas fossem prejudiciais, mas nós temos o problema de sermos muito facilmente influenciáveis. Acho que me deixava influenciar demasiado pelos meus amigos, apesar de gostar deles e de não me influenciarem em coisas más. Precisava da minha influência, descobrir que gostava disto ou daquilo. Não gosto só de hip hop, também gosto e posso ouvir música clássica, mas os meus amigos não vão gostar de música clássica… Esse tipo de conflitos que todos nós temos.

Também em conversa com Manuel Luís Goucha, a sua mãe referiu que neste momento é “gozado” pela condição física. Como é que lida com estes comentários?

Primeiro denuncio no Instagram ou na rede social [em que isso acontece]. Mas eles muitas vezes não o fazem, não compreendo as pessoas que lá trabalham porque muitas vezes acabam por não retirar os comentários.

Acredito muito que quando alguém fala de outra pessoa está a refletir-se a ela própria. Vejo muitas vezes isso. As pessoas estão a gozar comigo, mas, se calhar, elas têm alguns problemas também com elas próprias

Qual a melhor resposta a tais provocações?

Já fiz um bocado de tudo. Já falei diretamente, já entrei em conflito, já tentei ter calma... Mas na verdade a melhor maneira é denunciar. E se for muito grave, obviamente, denunciar às autoridades.

Isso já aconteceu, ter de denunciar às autoridades?

Não recentemente, felizmente.

E qual foi o comentário que mais o marcou desses negativos?

Nenhum! Acredito muito que quando alguém fala de outra pessoa está a refletir-se a ela própria. Vejo muitas vezes isso. As pessoas estão a gozar comigo, mas, se calhar, elas têm alguns problemas também com elas próprias. Se falar, digo: resolve-te a ti e depois falas sobre mim.

Todos os problemas que aconteceram nos últimos anos, sente que já os conseguiu resolver na sua cabeça?

Sim, na minha cabeça sim. O problema é precisamente concretizá-los. Acaba por ser difícil quando existem burocracias, é mais complicado.

Não sou uma pessoa violenta, muito menos sou um agressor doméstico. Eu não sou isso

Neste momento está impedido de estar perto da sua avó [materna] por causa da sentença que recebeu em tribunal. Mas a relação está a começar a reconstruir-se?

Supostamente não posso ter uma relação, mas ela acaba por me dar os parabéns através da minha mãe, envia-me mensagem através de outra pessoa. Não foi um filme assim tão grande como pintaram. Não foi uma coisa assim tão grave, acho eu.

Acha que agora, aos poucos, vai conseguir resolver esses problemas que acabaram por afetar a sua vida e atormentá-lo? Sente que está no caminho certo para haver essa mudança completa?

Sim, daqui a algum tempo, se houver vontade da parte da minha avó e quando acabarem os não sei quantos anos [em que tem de manter a distância definida pela sentença do tribunal]. Mas não sou uma pessoa violenta, muito menos sou um agressor doméstico. Eu não sou isso. Tive azar num episódio em que acabei por me chatear e vou apelar para as pessoas terem sempre calma. Às vezes uma coisa que pode parecer pequena, no momento acaba por tomar proporções demasiado grandes. Não estava à espera que tomassem as proporções que tomaram e que fosse condenado a quatro anos.

E qual foi para si o dia mais feliz até agora?

Entendo que sejam todos os dias, portanto, todos os dias tento ser o mais feliz possível.

Skate é outra das suas grandes paixões, mas hoje já não pratica este desporto. Lamenta ou conseguiu ultrapassar?

Consegui ultrapassar. Se não consigo praticar este desporto, acabo por ter de me afastar e interessar por outras coisas. Agora gosto, por exemplo, de ver Fórmula 1 na televisão… Acabo por desenvolver outros gostos. O Skate vai estar sempre muito intrínseco em mim porque o vivi muito intensamente, vai sempre fazer parte do meu mundo.

Fiquei estupefacto de ver a Maria João Abreu a falar comigo, e não sei o que dizer, sinceramente

E como foi participar em ‘Golpe de Sorte’, já depois do acidente e de tantos anos afastado do pequeno ecrã?

Foi demasiado rápido. Sinto que foi uma bênção quando recebi aquela notícia, um momento de muita felicidade por ser o projeto que era, por serem as pessoas que eram… Depois foi tão bom, empenhei-me tanto e passou tão rapidamente. Mas isso acaba por ser como tudo na vida. Gostava de voltar atrás e de voltar a fazer, mas é complicado.

Na altura quem foi a pessoa que lhe deu um maior apoio entre os atores?

Foi a Maria João Abreu… No primeiro dia de gravação foi, curiosamente, também o primeiro dia em que tive a prótese. Foi um dia importante para o resto da minha vida porque estava a gravar, estava a fazer a coisa que mais gostava, e tinha a minha prótese. Toda a gente me cumprimentou, mas a Maria João Abreu – que não conhecia e por quem guardava o maior respeito – viu-me e disse: ‘Diogo, bem-vindo!’. E disse-me ali algumas palavras… Não a conhecia [pessoalmente] e fiquei estupefacto de ver a Maria João Abreu a falar comigo, e não sei o que dizer, sinceramente. Acho que vai para além das palavras o afeto que aquele anjo tem.

Como é que recebeu a notícia da morte da Maria João Abreu?

Foi muito complicado. Acho que é uma perda grande para todos…

Que memórias guarda do menino de cinco anos a estrear-se como ator?

Lembro-me de ver muito teatro de revista, eu cresci a ver Revista à Portuguesa e a ver teatro amador – até hoje gosto muito de ambos. É uma pena que a revista esteja a desaparecer, era uma marca muito portuguesa e não deveria desaparecer. Em pequeno era o que mais via, teatro e televisão.

E alguém na família já tinha esta paixão pelo teatro que passou para si?

Não. Eu ia ao teatro com a minha mãe e gostava. Para a idade que tinha, era uma criança que gostava de ficar lá sentado a ver, ria-me… Acho que isso [a paixão pelo teatro] acabou por aparecer naturalmente na minha vida.

Adorava ir à América, a Los Angeles, e poder viver um bocado o sonho americano… Tenho esse fascínio

Se hoje pudesse falar com aquele menino quando se estreou como ator, o que diria?

Acho que tentava guiar-me da melhor maneira para ter um futuro, para não ter tantos problemas e para tentar pôr-me no caminho certo. Não que hoje esteja no caminho errado, mas poderia estar, se calhar, num caminho mais certo para mim.

Quais são as maiores inspirações na representação?

Em Portugal tenho vários atores que admiro, e também americanos… Acabo por admirar sempre tudo o que vejo, mesmo que seja mau eu admiro. Mas uma pessoa que me motivou bastante foi o Raul Solnado. Quando era pequeno gostava muito do Raul Solnado, achava-lhe muita piada e tentava imitá-lo. Vejo muitos filmes americanos e gosto muito, também gosto dos espanhóis, como os atores de ‘La Casa de Papel’...

Já disse que gostava de ter oportunidades internacionais na representação. Quais são os maiores sonhos? Que tipo de trabalho gostava de realizar?

Se calhar ser ator numa grande série na América. Gosto das produções americanas e espanholas… Adorava ir à América, a Los Angeles, e poder viver um bocado o sonho americano… Tenho esse fascínio.

E alguma vez pensou num outro caminho profissional sem ser o mundo das artes, na ausência de oportunidades?

Não! Teria de estar sempre relacionado com as artes. Acho que não conseguiria fazer outra coisa. Nós não conseguimos, é uma coisa tão intrínseca… Se tenho talento para algo não posso ignorar, e eu sinto isso. Por mais que queira ignorar a arte, ela vai estar lá. E mesmo que agora decida ser o melhor a jogar futebol, por exemplo, não vou conseguir porque há pessoas que naturalmente são melhores do que eu.

Mas acha que há poucas oportunidades? Sente que há muita procura para pouca oferta?

Sim! Isso não é um problema dos teatros, das televisões ou das produções de cinema. Isso tem que ver com o sistema em si porque existem demasiados alunos a saírem de escolas de teatro e de cinema e não existem produções suficientes [para dar para toda a gente]. Há uma falha de que ninguém tem culpa e que ninguém consegue colmatar. A única maneira seria nós alunos criarmos as nossas próprias empresas e produções. Isso acaba por ser complicado.

Acha que há uns dez anos existiam mais produções, mais oportunidades do que agora?

Provavelmente sim! Sem dúvida! Acho que com o tempo as coisas acabam por afunilar e um ator tem de ir trabalhar para a televisão para ser bem sucedido. E, se calhar, há dez anos não era assim e conseguíamos ser bem sucedidos no teatro.

O que pode ter falhado?

É um problema da sociedade porque nós estamos cada vez mais ignorantes, sem dúvida. Não vamos ao teatro, e o teatro é das artes mais antigas.

Precisamos de pisar o risco para saber que não podemos lá estar

Depois do confinamento, na fase de desconfinamento por causa da pandemia, apesar dos espetáculos não estarem a funcionar a 100%, tem havido salas 'cheias'. Podemos estar num ponto de mudança?

Sim, é capaz de mudar. Sinto que nós com a pandemia fomos à procura do mais essencial para nós, e a pandemia acabou por nos trazer um lado menos superficial e menos consumista. Todos tivemos de estar sentados em casa sem fazer rigorosamente nada e isso traz o melhor de nós, acho. Acredito que as pessoas agora vão ser mais atenciosas.

Como é que lidou com a pandemia?

Refleti bastante sobre o mundo, sobre tudo, e acabei por mudar as minhas atitudes e decisões. Por exemplo, não vou comer a uma cadeia de fast-food porque eles não precisam tanto dos meus cinco euros, se calhar o restaurante da esquina precisa mais desse dinheiro...

Em termos pessoais, acabou por ter tempo para pensar bem em tudo e daí ter resultado a reaproximação com a sua mãe?

Sem dúvida. Acho que essa foi uma das razões, precisamente estar a pensar e acabámos por chegar a conclusões.

Gosto dessa sensação de acordar e estar tudo bem à minha volta, e tentar que pessoas também estejam bem. E estar rodeado de arte

No livro também fala do passado com as drogas e em conversa com Manuel Luís Goucha referiu: “As drogas estiveram lá, foi algo por que eu passei e que tirei uma grande lição também”. Qual foi a lição que tirou?

Foi precisamente não usá-las. Precisamos de pisar o risco para saber que não podemos lá estar, e foi um bocado por aí. Acabei por experimentar como a maioria das pessoas da minha idade, que é uma coisa completamente errada. Não exagerei, só tive a minha fase e percebi que não é, de todo, o caminho que queria levar.

E que conselhos deixaria a outros jovens?

Sejam felizes e sejam responsáveis, melhores cidadãos…

Neste momento está com algum projeto em mãos, alguma proposta…?

Não. Tenho muitas ideias e espero que as consiga concretizar.

E que tipo de ideias são essas?

Arte! Tenho de fazer arte!

Em que patamar é que gostava de se ver daqui a uns cinco ou dez anos?

Não sei, não vou falar em patamar. Quero ser a pessoa que sou hoje, ter os mesmos valores, não haver nenhuma mudança, acreditar nas mesmas coisas. Se calhar vou mudar, mas [quero] ser um bom cidadão. Gosto dessa sensação de acordar e estar tudo bem à minha volta, e tentar que pessoas também estejam bem. E estar rodeado de arte.

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