A entrevista no 'Alta Definição', da SIC, começou com Clemente a recordar o problema de saúde que sofreu quando tinha quatro anos. "Um problema na garganta e podia ter morrido nessa altura. Não me lembro, mas acho que fui lancetado no pescoço a sangue frio. Acho que dei muitos gritos, mas não me lembro de absolutamente nada", contou.

Entre as várias recordações da infância e das vivências com a família, o cantor acabou por fazer uma partilha sobre a morte.

"A morte para mim é uma coisa adquirida. A morte esteve sempre presente na minha vida. Talvez, como também não tenho família, não estou preso a laços. Percebo que quem tem filhos, quem tem uma família, que é diferente. No meu caso não. Aceito a morte com muita tranquilidade e não me faz impressão. Sei que nasci e tenho que morrer. Aquilo que peço a Deus, porque sou católico, é que passe para o outro estado sem muito sofrimento. Tenho visto pessoas partirem com muito sofrimento e gostaria de não ter esse sofrimento. Mas há de ser como Deus quiser", destacou.

Clemente lamentou também a fase em que aos 20 anos ficou "deslumbrado". "Começo a ganhar muito dinheiro a cantar, começo a ser conhecido a nível nacional e dos portugueses pelo mundo", recordou.

"Comecei a sentir-me o dono disto tudo. Acho que é a pior altura da minha vida. Perdi um pouco a noção dos valores que me norteavam, porque lá em casa houve sempre fé e até isso perdi", acrescentou, enumerando algumas da extravagâncias da altura, como "carros de luxo e férias em destinos onde os portugueses não chegavam".

E foi quando começou a relacionar-se com Herman José que olhou para a vida com outros olhos. "O Herman é um mestre e começou-me a chamar a atenção para outro tipo de coisas, e aí comecei a acalmar. Hoje sou uma pessoa que vive com muito pouco. Há pessoas que acham que sou muito sofisticado. Sou sofisticado qb, mas a nível de casa sou o mais simples possível", comentou.

Em conversa com Daniel Oliveira, Clemente falou sobre o momento em que foi diagnosticado com cancro de pele há mais de 20 anos. Nessa altura foi aconselhado a não contar à mãe sobre a doença, o que cumpriu. "Ela já estava doente e percebeu que havia alguma coisa, mas eu nunca lhe disse".

"Houve alguém – as pessoas são muito cruéis - que lhe telefonou a dizer que eu tinha cancro. […] Naquele tempo, não se sabia de onde é que as pessoas telefonavam. No início quando comecei a cantar, telefonaram muitas vezes a dizer as coisas mais incríveis sobre a minha homossexualidade, se era homossexual ou não, que eu era isto e aquilo… Às vezes, inclusive, estava lá em casa e com pessoas a dizer que estava com este e com aquela. Assisti a vários telefonemas", partilhou ainda.

Ainda sobre a doença, revelou que na altura houve quem pensasse que o cantor tinha SIDA. "Se tivesse, era mais um que a tinha, mas não. Era um outro diagnóstico e também grave mas que, felizmente, a forma como atuaram fez com que hoje chegue aqui passados 24 anos", frisou.

Clemente perdeu o pai há 30 anos e a mãe há mais de 20. Da família, confessa, permanecem as saudades dos pais e da avó materna (que foi a única que conheceu).

"Não há um dia que acorde e não pense neles. E ultimamente tenho muitas recordações da minha avó materna, que era uma senhora extremamente bondosa. Ela teve uma vida muito difícil. Engravidou de um homem que não pertencia à sua condição social, foi deserdada totalmente pelo meu bisavô, posta na rua quando ficou grávida da minha mãe e não baixou os braços. Foi à luta e isso é um exemplo para mim", contou. Quando a avó partiu, o artista tinha 13 anos.

Sobre a morte da mãe, lembrou: "Ela quando estava a morrer, o que me disse foi: 'O que é que vai ser feito de ti?'. Isso é aquilo que me acompanha. Foram as últimas palavras".

Recordando também a partida do pai, relatou que este morreu na sequência de um acidente, tendo sido atropelado por uma mota quando estava a andar de bicicleta. Na altura, lembra, o pai ficou oito dias em coma e depois acabou por morrer.

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