Durante anos, circulou por corredores de hospitais. Como jornalista habituada a trabalhar na área da saúde, como visitante e como familiar a acompanhar doentes.

Dessas horas passadas em ambientes por vezes pesados, convivendo com pessoas que, apesar da adversidade da doença, se agarravam à esperança da cura, nasceu o livro
«No intervalo da vida», publicado pela Chiado Editora.

«Não são meras reportagens: são testemunhos que o vão fazer chorar, rir, mas acima de tudo acreditar», escreve a apresentadora de televisão Fernanda Freitas na contracapa da obra, a terceira da jornalista, que colabora habitualmente com as revistas Prevenir, Saber Viver e Ultimate Beauty, parceiras do Sapo Mulher.

Como é que surge este livro? De onde lhe veio a ideia?

Este livro é um projeto muito especial que já ambicionava realizar há pelo menos dois anos. No entanto, acabou por surgir a oportunidade de escrever dois livros muito específicos neste período de tempo, o que acabou por adiar esta obra. O facto de ser jornalista na área da saúde e de me ter cruzado com várias histórias de vida através de testemunhos que recolhia para algumas publicações para onde colaboro, como por exemplo, a revista Prevenir, foi decisivo para começar a delinear este livro.

Considero que as pessoas entrevistadas no livro passam autênticas lições de vida, provas de coragem, determinação e resiliência, pelo que são, por si só, inspiradoras. Chegou o momento em que não quis esperar mais e optei por convidar algumas pessoas que já conhecia e sobre quem já tinha escrito a nível profissional mas com quem não perdi o contacto, outras que convidei propositadamente para este objectivo e cujas histórias ouvi pela primeira vez e ainda outras que fazem parte do meu quotidiano, do núcleo de amigos ou familiar.

Digamos que estou rodeada de histórias de vida, quase todas com um final feliz (infelizmente, nem todas) que reforçaram o meu desejo de as perpetuar no livro, passando uma mensagem muito forte a leitores que se identifiquem por estarem a viver uma situação de doença idêntica (enquanto doentes ou cuidadores) ou não mas que se revejam nesta forma de estar na vida. São 20 capítulos de esperança e de autênticos heróis dos nossos dias.

O livro relata 20 histórias/testemunhos de vida de pessoas que passaram por situações de saúde mais ou menos graves, mais ou menos intensas mas sempre marcantes, procurando mostrar que, mesmo na adversidade, se consegue dar a volta por cima. Como é que essas pessoas o conseguiram?

Não existe propriamente uma regra para se lidar com situações tão diferentes. Mas alguns dos entrevistados que passaram por uma história de cancro, por uma depressão, pelo nascimento de um filho prematuro, pela morte de um ente querido, por um transplante de órgãos, por uma anorexia, por uma infertilidade, ou viveram a imprevisibilidade do dia seguinte por terem um filho com uma doença rara, entre outros, têm modos muito semelhantes de ver a vida.

Nas entrevistas realizadas, houve sentimentos partilhados e respostas muito parecidas dadas por pessoas que não se conheciam mas que defendem que são hoje melhores pessoas, que a vida as obrigou a enfrentar a situação, que vivem o presente tentando não antecipar o futuro… Julgo que os entrevistados perceberam que o único caminho possível era não desistir e foram-se adaptando a diagnósticos que não quiseram ouvir e que vieram modificar completamente os dias.

Por outro lado, optaram por lutar, por não baixar os braços, por aderir às terapêuticas e por transformar os dias cinzentos em dias mais coloridos. São muitas as estratégias e, curiosamente, a maioria dos entrevistados que dão voz a estes capítulos não precisou de recorrer a apoio psicológico e conseguiu superar a adversidade com o apoio incondicional dos familiares, dos amigos, dos médicos ou profissionais de saúde e de forças que desconheciam.


Veja na página seguinte: Os dramas que mais impressionaram a jornalista

Como é que foi feita essa seleção de histórias e de testemunhos?

 

Algumas destas histórias foram contadas por mim em algumas das revistas em que colaboro ou colaborei. Por outro lado, optei por homenagear pessoas próximas que passaram por situações de saúde muito complexas e que acompanhei de perto e intensamente. Por último, havia temas que gostaria mesmo de ter no livro e pedi a uma psicóloga que conheço se teria casos que me pudesse aconselhar. Foi uma ajuda preciosa pois gostaria muito de abordar a área de saúde mental e acabei por conseguir.

Quais desses casos é que a impressionaram mais?

Vivi algumas das histórias enquanto amiga, familiar, namorada. Em certos momentos, fui cuidadora e passei alguns meses perto dessas pessoas. Obviamente que essas situações me tocam de maneira particular mas sempre fui positiva e nunca as vivi como se de um drama se tratasse.

Todos os entrevistados me tocaram de alguma forma pelas mensagens que passaram, pela genuinidade da partilha das suas emoções, por responderem a perguntas difíceis e serem como que obrigados a relembrar situações que representaram ou ainda representam dor ou algo que foi difícil de superar. E posso confessar que foi impossível conter as lágrimas em algumas das entrevistas porque torna-se difícil dissociar a jornalista da pessoa que sou.

De um modo geral, todas as histórias que envolvem crianças doentes tocam-me de maneira particular. É o caso da Carolina Brito Lucas, uma menina de oito anos que, devido a uma paralisia cerebral provocada por um nascimento prematuro, está numa cadeira de rodas e o seu sonho é um dia vir poder a andar. Apesar da doença, ao nível cognitivo, é uma menina muito inteligente, com excelentes notas na escola e com imensas atividades diárias.

Ainda nos capítulos de histórias que envolvem crianças, temos dois grandes contrastes no livro. Por um lado, o nascimento do Tomás Maria, com apenas 25 semanas de vida e 628 gramas. O relato emocionante dos pais não deixa ninguém indiferente. Por outro, a história da Sara Melo, mãe de quadrigémeas, uma autêntica super mãe que teve de enfrentar uma gravidez inesperada de quatro meninas quando tentava engravidar de um menino e sem recorrer a qualquer tratamento de fertilidade.

Se tivesse vivido algumas dessas histórias ou passado por algumas das situações que relata, teria conseguido dar a volta por cima com a mesma força?

É difícil colocar-me nessa posição mas, como vivi algumas histórias enquanto cuidadora, aprendi com todos os exemplos e com a coragem dessas pessoas. Como sou otimista por natureza, e conhecendo a forma de reagir às situações, tentaria enfrentar da melhor forma. Poderia reagir mal a um diagnóstico que não esperasse e que modificasse os meus dias, mas penso que tentaria vê-lo como um intervalo necessário para que a vida voltasse à normalidade.

Penso que, por mim, pelos que gostam de mim, pelo amor que tenho à vida, tentaria agarrar-me à luta contra a doença. Não digo que fosse fácil mas julgo que desistir não seria equacionado. Vivo um dia de cada vez e não antecipo muito os momentos pelo que é difícil imaginar-me a passar por uma doença grave mas quando faço este tipo de entrevistas penso como reagiria se me acontecesse a mim. Certamente que tentaria dar a volta por cima.

Porque é que o livro se chama «No intervalo da vida»?

«No intervalo da vida» foi um título que me apaixonou à primeira. A ideia surgiu de um profissional da Chiado Editora, o Florival Gonçalves, que sugeriu alguns títulos, segundo uma sinopse inicial de algumas histórias que lhe contei. Ainda pensámos noutras sugestões mas este foi o que sempre imaginei como ideal para associar aos capítulos escolhidos.

Porque de uma forma ou de outra, estas pessoas passaram por um intervalo na vida, mais ou menos curto, mais ou menos prolongado, para ultrapassar as suas doenças ou problemas de saúde e voltarem a ser protagonistas do filme que é a vida, aproveitando a oportunidade de voltar a trabalhar, a ter tempo para pensarem em si próprios, para estarem com os amigos, para fazerem o que mais gostam...

Felizmente, já com o livro publicado, percebi que o título soa bem, que acabou por inspirar o autor do prefácio, o António Sala, e da contra capa, a jornalista Fernanda Freitas, na redação dos seus artigos. A questão do intervalo foi várias vezes focada no livro precisamente porque, inevitavelmente, enquanto se passa por uma fase destas, os tempos redefinem-se, as prioridades mudam e há paragens que surgem na vida para serem enfrentadas.
 


Veja na página seguinte: Os outros livros da jornalista

Esta não é a sua estreia literária...

Este é o terceiro livro que escrevo. O primeiro livro sobre cirurgia estética foi publicado em setembro de 2011, em coautoria com um cirurgião plástico.

O segundo foi publicado em maio de 2012. Chama-se «Ariadne no labirinto da nutrição».

As suas vendas tiveram o intuito de apoiar uma bolsa de investigação de jovens investigadores em nutrição entérica.

Os primeiros dois livros surgiram através de convite.

«No intervalo da vida» é o primeiro projeto totalmente idealizado por mim e editado pela Chiado Editora, que apostou na ideia desde o primeiro minuto, pelo que é vivido de forma mais intensa e especial, pois posso afirmar que consegui seguir os meus objetivos e publicar o livro exatamente como sempre o idealizei.
 

Depois destes livros, existem já projetos para outros?

Para já, estou em fase de divulgação do livro. Não tenho nenhum projeto em concreto na área literária mas raramente recuso um novo desafio profissional e ideias não me faltam, pelo que se surgir a oportunidade talvez aposte em novos projetos, ainda que numa linha diferente deste livro que foi lançado há pouco tempo e que ainda estou a saborear.

Texto: Luis Batista Gonçalves