Socióloga e professora universitária, a autora transformou a sua tese de doutoramento em sociologia num livro, identificando os truques de gestão do tempo de mulheres muito ocupadas.
Em entrevista, conta-nos um pouco mais sobre a vida (muito) ocupada da mulher portuguesa.
Como descreve as mulheres portuguesas em termos de ocupações gerais?
As mulheres portuguesas são, de facto, muito ocupadas, porque têm, quotidianamente, que articular todo um conjunto de papéis e tarefas, profissionais e de âmbito familiar, o que faz com que, num cômputo geral do número de horas dedicadas ao trabalho (considerando o trabalho profissional e o trabalho familiar), as mulheres trabalhem, por dia, significativamente mais que os homens.
Quais as principais diferenças nos papéis das mulheres de hoje em dia em relação ao passado recente?
A grande diferença parece-me situar-se ao nível das exigências em matéria do mercado de emprego que não foram acompanhadas por uma mudança, correspondentemente rápida, no domínio privado e familiar.
Assim, apesar do facto de se registar uma evolução no sentido de uma maior paridade entre homens e mulheres, importa não deixar que os progressos, notoriamente conseguidos, nos façam esquecer todo um caminho que há, ainda, a percorrer neste domínio.
Que conselhos daria a uma mulher muito ocupada, para conseguir gerir as diferentes esferas em que actua?
Acho que o melhor conselho é simplificar e estabelecer prioridades.
De facto, vivemos uma pressão significativa, como eu digo no livro, em que nos sentimos como que “obrigadas” a ser mães extremosas, companheiras dedicadas, profissionais competentes, amigas presentes, a ser informadas, brilhantes e com sentido de humor, a ser bonitas e jovens, magras e bem vestidas, a ser afáveis, cuidadosas e cuidadoras.
É, seguramente, um nível de exigência muito grande que nos faz, com demasiada frequência, sentir incapazes de dar resposta. Todavia, a verdade é que, para a maior parte das coisas do nosso dia-a-dia, existem soluções simples e fáceis, e que, seguramente, nos ajudarão a ficar melhor connosco próprias e com a vida.
Ainda existe um peso muito grande sobre a mulher no que toca à gestão da vida familiar?
O peso a esse nível é ainda muito grande e liga-se a visões muito estereotipadas acerca dos papéis de género, acerca do que devem fazer mulheres e homens, na sociedade e, sobretudo, na vida privada.
Mais uma vez, sublinho que se evoluiu já bastante, mas há, ainda, muito para fazer e, neste momento, atrevo-me a dizer que fazer essa mudança depende, acima de tudo de nós próprias, mulheres, e da nossa capacidade de fazer evoluir as mentalidades, desconstruindo alguns desses estereótipos e mitos.
A sociedade portuguesa, o mercado de trabalho e as diversas instituições souberam adaptar-se à mudança da vida da mulher nos últimos 40 anos ou não? O que falta fazer?
Em termos formais, evoluiu-se bastante, nomeadamente, na supressão das formas mais óbvias de discriminação. Todavia, muitas das dificuldades são do domínio das “mentalidades” e, aqui, a mudança é lenta e não é feita por “decreto”.
Qual a diferença entre a mulher portuguesa e outras europeias neste campo?
Acho que é preciso distinguir os países da Europa do Norte e Central e os países do Sul. Nos primeiros, as condições de paridade entre homens e mulheres, no âmbito público e na esfera privada, estão já consolidados. Nos países do sul da Europa, a tradição “patriarcal” é mais marcada e isso faz com que a evolução seja mais lenta, ao nível da participação dos homens na vida familiar e doméstica. Por outro lado, importa sublinhar que Portugal é o país da Europa onde a taxa de emprego feminino, e a tempo inteiro, é mais elevada.
Quais as principais vitórias alcançadas pelas mulheres nos últimos tempos para fazerem face à sua vida preenchida?
Penso que as mulheres desenvolveram, ancestralmente, uma resiliência notável que lhes permite enfrentar obstáculos e ver neles desafios. E isso nota-se quando constatamos, por exemplo, os níveis de qualificação académica que as mulheres hoje atingem, e que são já superiores aos dos homens. O que sucede, depois, é que esses sucessos são, frequentemente, comprometidos com novos obstáculos, quer no domínio público, por exemplo, no mercado de emprego ou na participação política, quer na esfera privada, onde a partilha de tarefas familiares fica, ainda, aquém do desejável.
Por Sónia Santos Dias
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