Traz mais de duas décadas de carreira na banca e na docência universitária, o que lhe permite ter uma visão retrospetiva em relação à situação financeira dos portugueses. Comparando com momentos anteriores, como avalia a presente realidade?

Avalio-a como uma realidade com uma contínua falta de literacia financeira, onde é preciso fazer mais. Cabe a cada pessoa ter vontade de mudar e saber mais, para fazer a diferença nas suas finanças pessoais.

O que apresenta de inovador este seu livro face a congéneres publicados recentemente?

O meu livro é muito prático. Ao longo das 52 semanas, os leitores vão tendo desafios para fazer. Podem escrever no livro para que não tenham desculpas de que “quando puder anoto, ou escrevo ou começo a fazer”. No decorrer do percurso vão existindo desafios-surpresa, dicas práticas, semanas com pausas, às quais eu chamo de breaks e desafios de pontos de situação, que convidam a refletir como está e o que tem de fazer para chegar ao fim do programa e conseguir ter a vida organizada. Os leitores estarão mais informados e serão detentores de conceitos-chave para um dia a dia financeiro mais próspero.

É usual escutarmos que os portugueses contam com baixa literacia financeira, aliás refere-o na primeira resposta que nos dá. Encontra razões para que os cidadãos não procurem mais informação sobre finanças quando sabemos que é fulcral nas suas vidas?

Já se começa a ver muita informação sobre esta matérias e temos de saber filtrar e escolher a forma mais prática de saber mais e melhor. A baixa literacia financeira é um desafio também em Portugal. Existem algumas possíveis razões pelas quais as pessoas podem não procurar ativamente mais informações sobre finanças, embora seja crucial para a vida de cada um, hoje e sempre. Posso dar-lhe alguns exemplos. A começar, não ser obrigatória uma educação financeira na escola desde cedo. A ausência de conhecimentos básicos sobre gestão financeira pode resultar em falta de confiança para procurar informações financeiras adicionais ao longo da vida.

Acresce o facto de os termos financeiros poderem ser complexos, intimidando dessa forma a vontade de querer saber mais. Isso pode criar barreiras que desencorajam as pessoas de procurar informações financeiras.

Em Portugal falar sobre dinheiro ainda é um tabu. Isso pode levar as pessoas a evitar discussões sobre finanças.

Muitas pessoas têm vidas muito ocupadas e podem não perceber a importância de reservar tempo para aprender sobre finanças pessoais e muitas vezes acabam por deixar andar porque acham que mudar dá muito trabalho. Além disso, a falta de priorização pode levar à procrastinação.

Como sair do sufoco financeiro? Carina Meireles explica-nos como deixar de viver de salário em salário
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Referiu há pouco as 52 semanas do seu programa. Em seu entender, um ano é um prazo razoável para revolucionar as finanças pessoais?

Para termos a nossa vida organizada financeiramente tem de existir uma rotina, mudança de hábitos e mentalidades que não se conseguem como se fosse uma fórmula mágica. É preciso tempo, trabalho e dedicação. Por isso, um ano é uma unidade de tempo facilmente mensurável e é possível alcançar resultados ao longo desse período, cumprindo todos os desafios propostos. Ou seja, um ano é um período suficientemente longo para desenvolver e consolidar hábitos financeiros saudáveis. O processo gradual pode tornar as mudanças mais sustentáveis. O sucesso ao longo do ano pode incentivar as pessoas a continuar com as suas práticas financeiras positivas.

Na introdução ao seu livro refere que “é possível transformar as suas poupanças já desde hoje”. Para muitos leitores estas palavras afiguram-se mágicas. É possível poupar quando estamos a falar de salários baixos, por exemplo o salário mínimo?

Sim, é possível poupar mesmo quando se tem um salário baixo. Elenco algumas dicas que podem ajudar nesse sentido, como conhecer os seus gastos mensais e definir um orçamento realista não esquecendo de priorize as despesas essenciais e identificar áreas onde é possível poupar, como por exemplo, nos bancos.  Também é importante avaliar os gastos e identificar áreas onde é possível cortar despesas que não sejam essenciais. Neste caso dou como exemplo o cancelar as assinaturas desnecessárias ou procurar por promoções e descontos.

Opte por marcas mais acessíveis, prepare as refeições com planeamento das compras para gerir melhor os gastos com o supermercado por exemplo. Procure evitar dívidas desnecessárias e analisar os créditos que tem especialmente aquelas com juros elevados, bem como, todas as despesas com os Bancos. Procure oportunidades de Renda Extra.

Acima de tudo, não nos devemos esquecer de que a chave para o sucesso financeiro é a consistência e a disciplina.

Carina Meireles
Carina Meireles Carina Meireles é autora de blogue, o projeto Milla, que incentiva a literacia financeira junto dos mais pequenos. créditos: Carina Meireles

Diz-nos que muitas pessoas vivem com o seu “mindset financeiro desajustado”. O que nos quer dizer com estas palavras?

Quando falo sobre um "mindset financeiro desajustado", refiro-me à mentalidade ou conjunto de crenças e atitudes que as pessoas têm em relação ao dinheiro e às suas finanças. Um mindset financeiro desajustado pode incluir perspetivas negativas em relação ao dinheiro, falta de compreensão sobre hábitos financeiros saudáveis e quais os impactos ou crenças que impedem o sucesso financeiro a longo prazo.

Acresce que um mindset financeiro desajustado pode levar as pessoas a concentrarem-se excessivamente no presente, negligenciando o planeamento para o futuro. Isso pode resultar na falta de preparação para situações que impactam as finanças ao longo do tempo e levar à não criação de poupança a pensar no futuro.

Pessoas com um mindset desajustado podem recorrer ao endividamento excessivo para satisfazer desejos de curto prazo sem considerar as consequências financeiras a longo prazo e o impacto que isso pode causar no orçamento familiar.

“Há erros que se pagam caro” diz-nos a voz popular. No caso da gestão das finanças pessoais reiteramos nos mesmos erros? Pode exemplificar?

Quanto à expressão "há erros que se pagam caro" no contexto da gestão das finanças pessoais, ela destaca a importância de aprender com os erros financeiros para evitar consequências adversas, como referi anteriormente por exemplo o endividamento futuro, o não poupar para um Fundo de Emergência, não planear a reforma com tempo, pode resultar em dificuldades financeiras durante os anos.

A gestão eficaz das finanças pessoais envolve aprender com esses erros, para saber como fazer diferente e melhorar para ajustar o mindset financeiro, adotando práticas financeiras saudáveis para alcançar objetivos financeiros a longo prazo.

Tudo começa numa boa gestão do orçamento mensal. Que leituras podemos retirar de esmiuçarmos todas as despesas do mês?

Através de uma boa gestão do orçamento é possível entender e controlar as finanças pessoais de uma forma mais eficaz, permitindo dessa forma a criação de objetivos.

Para isso podemos ter em consideração a identificação de padrões de gastos, também saber priorizar as despesas essenciais, assim como identificar no orçamento despesas desnecessárias e a preparação para despesas irregulares e inesperadas.

Vivemos numa sociedade que apela constantemente às compras por impulso. Que estratégias podemos criar para resistir a este apelo?

Sim é verdade, mas podemos adotar algumas estratégias como por exemplo a criação do orçamento ajuda a controlar melhor os gastos; levar sempre uma lista de compras e sempre que possível com algum detalhe; esperar e não tomar a decisão na hora sem pensar. Finalmente, evitar locais que convidem às compras por Impulso, principalmente em determinadas alturas do ano.

Cultivar uma mentalidade consciente em relação ao dinheiro e incorporar práticas disciplinadas de gestão financeira ajuda e muito a resistir ao apelo de comprar por comprar.

Por que nos diz que o cartão de crédito pode e deve ser utilizado? Somos frequentemente alertados para os efeitos perniciosos do uso do referido cartão.

O cartão de crédito pode ser utilizado com toda a informação, moderação e consciência e pode ser uma ferramenta útil quando utilizado de forma responsável.

É na semana 19 que falo sobre o cartão de crédito e, aí, refiro que, sabendo utilizá-lo bem, pode ter vantagens com isso. Dou-lhe um exemplo: em relação ao cashback que é comum em alguns cartões, com descontos através de parcerias com determinadas entidades, entre outros, há que garantir sempre que se sabe exatamente todas as condições e que se está bem informado, nomeadamente sobre possíveis custos.

Há que não esquecer que é crucial usar o cartão de crédito com responsabilidade, evitando acumular dívidas excessivas e pagando o saldo integral mensalmente para evitar juros elevados.

A alimentação é um item muito importante nas despesas mensais. Há algum conselho que nos possa dar que prepondere sobre os restantes face à necessidade de pouparmos neste item?

A alimentação é, de facto, um item significativo nas despesas mensais e tem um peso representativo no nosso orçamento e por isso todas as estratégias são bem-vindas aliadas ao fundamental que é o planeamento. Entre as dicas que levo para o meu livro estão as três que aqui indico: Faça um planeamento das refeições; aproveitar as promoções e descontos e compare preços; verifique se compensa comprar a granel.

No seu livro fala-nos na figura do consultor financeiro. Do que se trata e porque devemos consultá-lo?

Trata-se de uma pessoa que, por exemplo, orienta na definição de objetivos, ajuda a planear, porque é importante saber cada vez mais como gerir melhor as despesas, ter gastos mais conscientes e conhecer conceitos que podem fazer a diferença na tomada de decisões. Desta forma, passa a ter mais informação para aprender a gerir melhor a vida financeira e se preparar melhor para imprevistos.