RC: Fala-nos da tua mãe enquanto avó do Pedro...

A.G.:­ É uma super-avó com quem o Pedro adora estar, por acaso eu estava a pensar também no outro dia, que os nossos pais não se assemelham à figura que nós sempre tivemos dos avós: as mulheres mantêm um estilo jovem durante muito mais tempo. A mãe do Nuno veste­-se de calças de ganga e a minha mãe não usa jeans mas tem o cabelo comprido e liso, ou seja, não é a figura da senhora com os rolos no cabelo, cabelo branco, tipo avozinha...

RC:­ Mas é a avó que veste calças de ganga mas faz botinhas de lã, ou nem isso?

A.G.: Nem isso.

RC:­ O avô Dagoberto (pai de Nuno Markl) ele praticamente não conheceu, não é?

A.G.:­ Não, não conheceu. O avô Dagoberto esteve com o Pedro para aí três vezes quando o Pedro era minúsculo, mas sempre mostrando o seu lado revolucionário! Lembro­-me dele ir tirar um cigarro para fumar ao pé do bebé e eu dizia “nem pensar!”, e ele “tem de se habituar, que é para ficar rijo!” Com meu pai, acontece uma coisa curiosa: o meu pai tem uma filha de 10 anos, ou seja, os meus pais separaram­-se e o meu pai casou de novo com a Fátima, e tiveram uma miúda há 10 anos que é a Joana.

RC:­ Que é tia do Pedro...

A.G.:­ Que é tia do Pedro! Está neste momento com ele, adoram­-se, e ela está muito comigo.

Ou seja, o lado de «avô» do meu pai foi completamente substituído pelo lado de «pai», portanto não há muito espaço para ele ser avô porque tem uma miúda de 10 anos para tomar conta.

 RC:­ Que idade é que tem o teu pai?

A.G.:­ O meu pai vai fazer 74 anos, foi pai aos 64. Para ele foi duríssimo aceitar o facto e lembro­-me de falarmos e ele dizer «já tenho três filhos», mas todos apoiámos a decisão de aumentar a família...

RC:­ E a tua irmã não se importa de ter um pai mais velho do que os amigos dela?

A.G.:­ É a realidade dela e essas coisas não se questionam, ou talvez questione um pouco na escola... Mas agora temos o Júlio Isidro, o Paulo de Carvalho, agora é diferente. O núcleo familiar mudou imenso, a separação é muito mais vulgar.

 RC:­ Que idade é que tu tinhas quando os teus pais se separaram?

A.G.:­ Eu já era crescida, tinha 24 anos, os meus pais separaram­-se tarde...ou seja, o Pedro não tem avós homens a exercer. Claro que o meu pai é super querido e carinhoso, mas não como avô. A Joana recebe hoje um tratamento que nenhum de nós recebeu, é tipo a neta.

 RC:­ Então e a mulher dele faz papel de avó do Pedro?

A.G.:­ Não é bem porque é jovem ainda. Ela é madrinha, ou seja, o que aconteceu é que ela foi escolhida por todos nós para madrinha dos miúdos para não ficar num “no men’s land”… Eu digo­-lhe muitas vezes: «tu és avó do Pedro», só que ela é da minha idade, tem só mais dois ou três anos que eu...

RC:­ Não tem idade para ser avó?

A.G.:­ Ter, tem! Há uma miúda no Canal Q que é maquilhadora, tem 40 anos e já é avó! Mas no nosso caso, o papel de avó remete para as duas senhoras, para as matriarcas da minha família. Para a mãe do Nuno, é o único neto dela e é mesmo avó de fazer tudo aquilo que nós não deixamos. Dá-­lhe quantidades astronómicas de chocolate que eu não quero, e eu digo­-lhe “Oh Helena, não lhe dê chocolate porque ele fica com dores de barriga” e no dia a seguir ele diz-me: “A avó deu­-me não sei quantas bolachas de chocolate”. Mas eu depois não consigo zangar-­me, sei que não vou mudar a cabeça dela.

 RC:­ Mas também sendo o único neto é normal, as avós que têm mais netos conseguem ter uma disciplina mais rígida.

A.G.:­ Sim, a minha mãe já tem cinco netos e impõe uma disciplina completamente diferente…

RC:­ Então e o Pedro acaba por estar muitas vezes com a tua avó, a bisavó dele?

A.G.:­ A minha avó não está apta para estar com o miúdo, ela já tem senilidade e um certo grau de demência. Já não nos reconhece a nós, ou seja, seria muito complicado exercer esse estatuto de avó, quanto mais... Mas tentámos, houve jantares de família em que ela ocupou esse lugar de bisavó.

RC:­ E como é que se lida com isso?

A.G.:­ Dói. Por várias razões: porque é alguém que tu conheceste com uma personalidade brutal, super-inteligente, a rainha da festa. É estranho! Mas o ser humano é isso, nós todos somos potencialmente pessoas em decadência física e mental, e então pensar nessa perspectiva doí. Sobretudo se é alguém que tu sabes como foi! Houve uma altura em que ela não tinha ninguém para a ajudar e nós dividiamo­-nos por dias da semana: e eu ia às Quartas, e levantava­-a, lavava­-a, dava­-lhe o almoço...e tu aí tens mais noção do que é a decadência do ser humano.

RC:­ Eu acho que acabamos por sofrer de duas maneiras: dói-nos a nós e também sofremos por não sabermos se a pessoa sente as coisas, e o que é que sente.

A.G.:­ Sim, sim, a mim fazia­-me muita confusão. Uma pessoa que sempre foi apta para tudo, foi dona-de-casa e cozinhava as melhores sopas da rua... De repente é-lhe negado fazer tarefas tão normais como lavar os dentes. Lembro-­me de lhe perguntar: «tu consegues ir sozinha?» e ela dizia­-me: «eu consigo, eu consigo» e fazia a maior trapalhada de sempre. Tu não te zangas, não dizes nada, mas a pessoa percebe que não conseguiu fazer.

RC:­ Mas está num Lar ou está em casa?

A.G.:­ Ela agora está num Lar há uns meses, mantivemo-la em casa até ser possível.

RC:­ Quem é que estava mais com ela em casa então?

A.G.:­ Primeiro estava uma senhora todo o dia com ela e nós íamos lá a casa imenso. A minha madrasta ajudou­-nos muito, também. Depois tinha uma senhora brasileira, que ela adora, que vivia lá. Mas depois a senhora foi embora do país e ela não queria aceitar mais pessoas, houve ali um impasse... Foi ela própria que preferiu.

RC:­ Ela própria preferiu?

A.G.:­ Sim, não queria ninguém, não queria mais pessoas dentro daquela casa, queria só a senhora que se foi embora, a Preciosa. Entre pôr outra pessoa estranha em casa para tomar conta dela ou estar num sítio onde tem cuidados 24 horas, ela preferiu assim. Só que ela está assim num momento em que não se dá conta de muitas coisas, não consigo perceber. Por exemplo, fui ter com ela com o Nuno, e perguntei: «lembras­te do Nuno?» E ela: «é aquela tua amiga da escola», a olhar para o Nuno. Por um lado é meio-cómico mas por outro é muito triste porque eu não consigo perceber: eles são conscientes disso que lhes está a acontecer, ou vivem assim naquele...

RC:­ Eu acho que alguns terão momentos de consciência. Vêem a tua cara e percebem «eu fiz qualquer coisa que não devia ter feito», sentem também a nossa reacção.

A.G.:­ Sim, nós não dizemos nada, fazemos de conta.

RC:­ Quais são os pensamentos que gostavas de partilhar em relação à maneira como os mais velhos são vistos por nós, pelos portugueses?

A.G.:­ A primeira palavra que me ocorre é: abandono. Completo e total. É o desrespeito e falta de amor, e não é só uma ideia feita que nos vendem na comunicação social, de todo, basta estar com os olhos abertos para entender. No outro dia eu estava num centro comercial e estava a ver uma data de senhores e senhoras sentados a dormir sentados numas cadeiras de plástico sozinhos. Depois levantei essa questão no Facebook e comentei: não têm outros sítios para estar, não têm família? Houve muita gente que disse que não era verdade, que eles queriam mesmo estar ali, mas eu acredito que não. Há pouco tempo também estive nas urgências do hospital, e a quantidade de pessoas de idade que estão ali, acamadas, sem ninguém é um terror absoluto. Mas é da condição humana, nós tratamos os outros mal. O Homem tem desrespeito em vez de amor por aqueles que estão numa situação mais delicada e mais frágil. Somos assim com crianças, animais, e velhos e é horroroso. O abuso humano por quem está fraco é notório, mas com os velhos é pior porque estão na recta final, ou seja, a perspectiva destas pessoas não é de esperança, de todo.