Uma atividade desportiva, turística e ambiental que consiste em percorrer a pé, tranquilamente, sem grandes pressas, sozinho ou em grupo, caminhos e trilhos, preferencialmente tradicionais ou históricos, na natureza ou em meio urbano, em itinerários balizados ou em percursos não sinalizados. A definição de pedestrianismo da Federação de Campismo e Montanhismo de Portugal capta o caráter multifacetado das caminhadas, mas está longe de retratar a riqueza das vivências que proporcionam.
Foi por isso que falámos com dois portugueses que, em determinada fase das suas vidas, palmilharam o país de mochila às costas. Também tem essa ambição? Deixe-se inspirar pela ousadia, descubra as diferenças e anote as recomendações. Entre fevereiro de 2008 e novembro de 2010, o jornalista Nuno Ferreira percorreu o Algarve, o Alentejo, a região centro e o pinhal interior, Beira Alta, Trás-os-Montes, Douro e Minho em busca do "Portugal profundo", como lhe chama.
"Queria encontrar os portugueses, falar com eles, parar onde e quando era preciso para conversar sobre a vida", escreveu no livro "Portugal a pé", editado pela Vertimag, uma obra que reúne relatos das viagens. Palmilhou leitos de rio, trilhos, asfalto e linhas de caminho de ferro abandonadas. "O que mais me impressionou foi a desertificação a que uma parte substancial do nosso território está votada. Vivenciar isso com todas as vicissitudes foi doloroso", confessaria mais tarde.
Ia de autocarro para as regiões que queria explorar e de táxi para os locais de dormida. "Ainda comprei uma tenda, mas depois decidi dormir com algum conforto e segurança", esclarece. "Fazia um certo percurso e, ao anoitecer, parava e procurava saber onde é que se podia dormir ali próximo", revela Nuno Ferreira. No dia seguinte, regressava de táxi ao mesmo local. O destino estava sempre em aberto. "À noite, sentava-me no quarto e pensava no dia seguinte", desabafa.
Viajar ao sabor do vento
Nuno Ferreira tinha um roteiro mais ou menos planeado, mas ia alterando. "Estava sempre a olhar para o mapa, no restaurante ou no café. Se me diziam que numa certa terra havia alguém ou uma festa popular ou que era mais bonito, ia até lá", recorda, antes de confessar que é avesso ao planeamento. "Não sou muito organizado, fui aprendendo e percebendo", admite. "Não tinha nem tenho conhecimentos de orientação ou topografia, nunca fui montanhista ou caminheiro", refere.
Para se orientar, levou "um mapa comum de estradas". Na bagagem, "o que era obrigatório era a água" e o peso era uma variável crítica. "No Algarve, cheguei a levar 15 quilos, incluindo o computador, mas percebi que era muito", assume. Minimizando a logística, estava mais disponível para o seu principal propósito. "Quando pus a mochila às costas, tive que aceitar que não me viam como jornalista. Quebrar o gelo e mostrar que era boa pessoa era um desafio constante", acrescenta.
Portugueses com espírito caminheiro
Na altura, com 45 anos e a viver fora do país há 21, Isabel Pessôa-Lopes, ex-piloto da Asas de Portugal, adiava, há muito, a vontade de explorar as fronteiras portuguesas. "Lembro-me de, com oito ou nove anos, olhar para um mapa de Portugal do meu tamanho e pensar que o país devia ser muito maior do que eu", recorda. Nessa altura, a internet móvel estava longe de ser aquilo que é hoje, uma ferramenta essencial. A 4 de julho de 2011, partiu, sozinha, para uma expedição de 80 dias.
"Foi uma maratona pessoal, mas nunca houve momentos de solidão", assume, recordando os apoios de locais e dos membros do grupo de caminhadas CAOS - Círculo de Actividades Oxigénio e Sol. "Queria cumprir as fronteiras marcadas. As marítimas são os cabos de mar, as pontas de serra e os farois. Junto à linha que separa Portugal de Espanha, a chamada linha da raia, fui pelos castelos fronteiriços que nos defenderam das invasões espanholas", explica.
O entusiasmo com que recorda aqueles momentos é contagiante. "No litoral, fiquei essencialmente em farois, em pousadas de juventude e em pensões. Na raia, nem sempre havia povoações e, quando havia, a primeira reação era fecharem-me as portas e janelas", recorda. Nessa altura, ao contrário do que sucede nos dias de hoje, as unidades de alojamento local estavam longe de ser uma realidade e até arrendar quartos era difícil em localidades que não tinham por hábito acolher turistas.
A preparação que este tipo de viagens exige
Superar os obstáculos que surgem no caminho é um dos desafios mas, hoje, com um telemóvel e com internet, é muito mais fácil. Em 2011, para superar estes obstáculos, Isabel Pessôa-Lopes contou com o apoio de caminheiros do CAOS. "Telefonavam dois ou três dias antes para as juntas de freguesia por onde eu poderia passar e os presidentes, surpreendidos, garantiam que me arranjavam onde ficar. Houve autarcas que me foram buscar de trator e uma vez transportaram-me de jumento", conta.
Histórias para contar não lhe faltam. Tirando este tipo de situações excecionais, andou sempre a pé. "Acordava por volta das seis da manhã e, a meio da viagem, já o corpo todo me doía. A última coisa era cuidar dos pés. Tive duas bolhas em 80 dias", recorda. Na bagagem levava sempre alguma coisa para comer. "Fruta encontrava ou davam-me pelo caminho e trazia sempre latas de atum", confidencia. "Levei três pares de calçado, além de uns chinelos para o banho", relata ainda.
"Fiz a viagem toda com duas calças e três t-shirts e lavava a roupa todos os dias", confessa. Para se orientar, Isabel Pessôa-Lopes socorria-se de uma bússola e de cartas do exército. "Antes de partir, emprestaram-me um GPS, mas enviei-o de volta em Elvas, porque andava por locais onde não haviam cafés, quanto mais sítios onde comprar pilhas", desabafa. Se fosse hoje, com o telemóvel, com internet e com as muitas aplicações móveis que existem, seria mais fácil. Mas o desafio continua a ser grande.
Prepare-se bem
Os conselhos de Isabel Pessôa-Lopes para uma caminhada sem percalços:
- Comece por pequenas distâncias, para assegurar que tem a resistência necessária.
- Invista num bom par de ténis. Sandálias de pedestrianismo só servem para caminhadas de uma manhã ou de uma tarde.
- Para eliminar peso, jamais poupe na água ou na caixa de primeiros socorros.
- Em grandes distâncias, use dois bastões. Ajudam a distribuir o peso e a proteger as articulações dos joelhos.
- Com tempo quente, use calças, túnicas de manga comprida, chapéu de abas e óculos de sol e aplique protetor solar de índice elevado em todo o corpo.
- Com calor extremo, encharque uma peça de roupa, faça um rolo e use-a sob o chapéu.
- Para enganar a sede, coloque um seixo debaixo da língua. Faz com que salive mais.
Texto: Rita Miguel
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