Porto Santo: A ilha da tranquilidade
Porto Santo: A ilha da tranquilidade créditos: Miguel Perestrelo

Se fosse um barco, o Porto Santo seria uma jangada, a mais pequena das embarcações de vela latina, como as caravelas que há quinhentos anos trouxeram para a ilha os primeiros povoadores portugueses e uma praga de coelhos. Aqui, no meio do mar, o vento sopra de todos os lados e faz girar as pás dos últimos moinhos, deixados de pé a ornamentar a paisagem. Passou a época cerealífera, em que trabalharam duro para abastecer os barcos de farinha. No Porto Santo tudo é breve. A ilha são onze vírgula quatro quilómetros de comprido por seis de largura.

Ponto final na terra, parágrafo, vamos mergulhar.

Sim, ó Zargo Immortal, antes eu morto,

Que perder hum tão bom Descobrimento;

Ou se há de descobrir a terra pura, Ou se há de ter no mar a sepultura.

Em 2018, passarão 500 anos da chegada à ilha por parte de João Gonçalves Zargo – mais tarde assinado Zarco, ou da Câmara – e Tristão Vaz Teixeira, cavaleiros do mar ao serviço do Infante D. Henrique. É esperado o Presidente da República, que talvez recorde, com medalha ou discurso, Francisco de Paula Medina e Vasconcellos. No virar para o século XIX, este homem de letras escreveu, até onde lhe permitiram o engenho e a arte, o poema épico Zargueida, a fim de ser lido como Os Lusíadas do arquipélago da Madeira.

– Serei novo Camões,

meu Gama o Zargo.

Os dinamarqueses

Para já, todas as sextas-feiras chega um avião carregado de dinamarqueses. Vêm famílias inteiras, mas a maioria são reformados a fugir do frio.

Aprendem golfe num belo campo verde de 28 buracos, desenhado pelo campeão espanhol Severiano Ballesteros, organizam torneios, apanham sol e regalam as vistas. Um mapa, pendurado na parede do aeroporto como se fosse um diploma de habilitações, atrai a atenção dos turistas. O facto mais saliente é a pista de aterragem: vai quase de um lado ao outro da ilha. Dá para ouvir suspiros de alívio ecoar na gare.

– Du gode Gud!

Só depois deste batismo é permitido a olhos continentais e ansiosos por férias partirem à descoberta da famosa praia de areia dourada e água quente. A cartografia não desilude. Lá está ela! Comprida e esparramada ao longo da costa Sul, mede mais de 90cm no mapa. Sempre é o que há de maior na ilha. O Porto Santo é um irresistível convite a banhos de sol, mergulhos no mar e à prática de windsurf, paddle surf, kitesurf e quaisquer outros desportos de navegação ao vento. Não, não é tudo.

- O Porto Santo não é só praia, praia, praia.

A Lua

Rogério Correia renega três vezes a monocultura da praia em agosto. Nasceu na ilha da Madeira e por lá ficou até aos 43 anos, apenas com um intervalo para tirar o curso de Medicina. Assistiu à explosão do turismo, e à propagação de túneis e vias rápidas. Enquanto isso, tornou-se um respeitado especialista em Medicina Geral e Familiar, mas o preço do sucesso era uma vida de taxista, às corridas entre o serviço público e o consultório privado. Um dia, parou o carro na Ponta de São Lourenço. O céu estava limpo, via-se o Porto Santo. Foi quando decidiu travar a fundo, para praticar ele próprio o que andava a prescrever aos outros.

– O mais importante é saber viver a vida. Se eu não soubesse fazer isso, seria mau como pessoa e como médico.

O Porto Santo não chega aos seis por cento da área da ilha da Madeira. Mas aparece aos olhos dos madeirenses como a Lua, que também só precisa de sete por cento da superfície da Terra para decidir partos e marés. Quando lá foi dar o primeiro passo, o astronauta Neil Armstrong chamou-lhe Mar da Tranquilidade. Mas não criou raízes, porque ficar é sempre o assunto mais difícil. O médico Rogério Correia aproveitou as vantagens do terreno e ficou. A viver no Porto Santo e responsável pelas cinco mil vidas residentes, sempre prontas a chamá-lo ao telefone.

É o diretor do centro de saúde, que na realidade é um mini-hospital, com urgência permanente, internamento, hemodiálise e consultas de oito especialidades.

A ilha é fértil em miniaturas. Na Vila Baleira, uma miniquinta rural ocupa o centro urbano. Crianças nórdicas e portuguesas brincam com pintos, papagaios e porquinhos da Índia. Os porto-santenses apreciam o que é simples, valorizam o detalhe e respeitam animais e plantas como nenhum outro português. Na minúscula cidade de Lilliput, os habitantes discutiam por que lado se devia partir um ovo. Na Vila Baleira, a plantação de uma árvore tornou-se tema de debate político em ano de eleições autárquicas.

Paz interior

No outeiro de Linhares, com vista privilegiada sobre a praia, nasceu um lugar mágico: o Mini-Zoo Botânico da Quinta das Palmeiras. Crianças e adultos alimentam peixes à boca, tiram selfies com uma catatua adorável e deixam o coração bater ao som do passo das avestruzes. Este jardim encantado é a obra particular de um homem: Carlos Afonso concebeu um oásis num morro de pedras e terra batida. José Cardina, outro nativo apaixonado pela sua terra, instalou um museu etnográfico num moinho de vento. Encheu-o de miniaturas e maquetas dos usos e costumes locais, que ele próprio concebeu.

A Casa Colombo também é um pequeno museu, mas reúne três grandes histórias: a vida de Cristóvão Colombo, que casou com uma filha do primeiro capitão-donatário do Porto Santo e viveu dois anos no arquipélago; o terrível naufrágio, no dia 19 de Novembro de 1724, do galeão holandês Slot ter Hooge, carregado com 349 barras de prata e 9 mil moedas; e a História política e económica do Porto Santo, feita de fornos de cal, moinhos e matamorras – silos escavados no chão para esconder cereais e outros valores da cobiça de turcos e piratas.

Vamos sim, como dizes, tomar porto;

E delle, inda que sejão vezes cento,

Depois de algum refresco, e são conforto,

Daremos velas ao propício vento.

Falta cumprir o “são conforto” anunciado na Zargueida.

Rogério Correia acredita que o turismo de saúde é o futuro. O Porto Santo ainda não é a ilha da Saúde. Mas já é a ilha da tranquilidade, o que é sempre um bom prenúncio.

–Aqui tudo é fácil, tudo é próximo. O Porto Santo é um bom remédio contra o stress.

O ovo de Colombo é a paz interior.

Texto de Carlos Enes

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