O sol quente do Norte de África era temperado pela aragem fresca vinda das neves eternas da cordilheira do Atlas, que decorava a minha linha do horizonte no fim de tarde. Aos meus pés espalhava-se a “Terra de Deus”, como os berberes antigos chamavam à sua Murakush. Também a apelidam de "Cidade Vermelha", "Pérola do Sul" ou "Porta do Sul". Estavamos em outubro.

Para mim, seu visitante assíduo, seu apaixonado, Marraquexe é uma cidade-mulher, elegante e sensual, exótica e cosmopolita, misteriosa, um grande amor à primeira vista, que nunca terei a certeza de conseguir conquistar plenamente e encerra surpresas a cada passo que dou nos seus labirintos. É uma cidade desvairadamente irresistível, viciante mesmo, à qual gosto de regressar vezes sem conta.

Marraquexe, como uma mulher interessante que é, tem várias mulheres dentro de si, diferentes, opostas até, mas que aqui convivem de forma harmoniosa. Se nos souks para turistas ela nos procura seduzir com os tentáculos ardiolosos dos seus lojistas, basta sair dessa Marraquexe mais agressiva para num segundo nos tornarmos invisíveis para ela, passando a ser meros voyeurs do seu quotidiano.

São as duas faces de uma mesma cidade, realidades que são de certa forma o espelho de um país que tem uma essência genuína, recheada de costumes e tradições, mas que gradualmente se vai deixando aliciar pela tentação do mundo moderno. Mas mesmo no meio da zona tornada plastificada pelo turismo, Marraquexe consegue surpreender os nossos olhos ocidentais com a sua originalidade.

Na famosa praça de Djemaa el Fna convivem encantadores de serpentes, acrobatas, vendedores de água, contadores de histórias, dentistas, ou melhor, tira-dentes, dançarinos, músicos e uma miríade de barracas que vendem sumo de laranja, frutos secos ou comidas tradicionais. É um gigantesco teatro vivo onde o bilhete custa o preço da nossa curiosidade, priceless....

A vida tradicional de Marraquexe é sem dúvida para mim o seu lado mais charmoso e inquietante. A Medina, casa para centenas de milhares de almas, vive ainda num passado bem distante dos nossos dias, indiferente ao progresso frenético de além-muros. Ao penetrar nela vejo-me ser projetado para uma época medieval, na qual a cidade vivia já do comércio mas ainda não tinha sido invadida pelos milhões de turistas que a visitam a cada ano. É uma Marraquexe perfumada, onde os aromas de sândalo, jasmim ou flor de laranjeira vindos das lojas de essências convivem com os cheiros de carnes grelhadas e com outros menos agradáveis vindos das tanoarias e de outras indústrias que já não estamos acostumados a ter no interior das nossas cidades de origem. É aqui que me sinto em casa. 

Ainda que muitos turistas optem pelos grandes hotéis de Gueliz ou da Palmeraie, é no coração da cidade que ficam os verdadeiros viajantes, aqueles que se querem deixar envolver pela autenticidade local. É aqui que ficam os hotéis-riads, descendentes diretos dos Caranvanserais que hospedavam os mercadores berberes vindos dos quatro cantos do Reino de Marrocos e de outros visitantes de ainda mais além. São pequenos santuários de tranquilidade e conforto, contrastes absolutos com a confusão da cidade que os rodeia, redutos de primeiro mundo, de sofisticação e qualidade de serviço, que oferecem ao viajante a serenidade e introspecção indispensáveis depois de um dia a calcorrear as curvas e contra-curvas desta mulher deslumbrante.

As minhas sugestões para visitar Marraquexe são as mesmas que daria a quem quer conquistar o amor da sua vida... entregue-se, perca-se até se encontrar, deixe-se levar pelos seus sentidos sem pés atrás, permitindo-se ficar sem controlo do que faz, observe a beleza à sua volta, aceite as diferenças porque são elas que darão encanto à experiência, enfim, decida onde quer chegar no final do caminho mas não queira antecipar cada passo porque a surpresa é a especiaria que faz com que tudo valha mais a pena., na vida como nesta “Terra de Deus”.