Em ano atípico, o Pai Natal decidiu seguir as recomendações de combate e prevenção da COVID-19 e aceitou o desafio de contactar os mais pequenos em regime de teletrabalho. A partir da sua casa na Lapónia, o senhor das longas barbas brancas visita até 24 de dezembro as crianças através dos websites, entre outros, dos centros Colombo, Vasco da Gama e ArrábidaShopping. As conversas de fim de tarde (semana) e com horário alargado ao fins de semana e feriados, decorrem através do agendamento de videochamadas.

Pai Natal que guarda uma história pessoal para além da ribalta do seu trono anual, lugar de pedidos, desejos, muita felicidade, mas também episódios comoventes. Que o diga o Pai Natal do Centro Colombo, em Lisboa, há duas décadas encarnado pelo mesmo homem, Severino Moreira, ex-locutor de rádio, também ator de teatro amador e, imagine-se, por mais de três décadas funcionário na Banca.

O que faz o Pai Natal quando dá descanso às barbas brancas? Escreve e prepara com afinco o seu papel
créditos: Laura Gomez/Unsplash

“Tornei-me Pai Natal depois da aposentação, embora em família, sendo o mais velho de nove irmãos, já há muito que interpretava o papel. Sempre achei fascinante esta personagem”, confessa-nos Severino que acrescenta: “inscrevi-me numa agência de eventos e também em duas de figurações especiais e publicidades. Feito e ganho um casting como Pai Natal, abracei esta fabulosa atividade no Centro Colombo, onde estou há 20 anos”.

Pai Natal que não esconde a sua veia para as letras: “gosto muito de escrever, desde a adolescência cumprindo colaborações dispersas e regulares, quer em poesia como em prosa. ´Escrever` [Severino assume com modéstia a atividade] foi sempre algo que me ocupou os tempos livres, os longos serões e os dias menos ocupado. Admito que ainda neste dezembro consiga ver ´nascido` o meu quinto livro [obra de poesia]”

Como todos os personagens, o Pai Natal “obriga” a que se cumpra um ritual de preparação “cuidado e longo, levado a efeito durante muitos meses". Severino procura "credibilizar a personagem com barbas naturais, e preferencialmente compridas. É fácil perceber, que estas requerem lavagens constantes, e pedem produtos que as possam tornar mais higienizadas (fundamental), e bonitas e brilhantes”, sublinha.

Duas décadas a interpretar umas das figuras mais queridas para as crianças é tempo que permite ao Pai Natal avaliar como evoluíram os pedidos da pequenada. Atualmente, “predominam os brinquedos ligados às tecnologias, como sejam as consolas e os videojogos. Curiosamente, há bonecas que se tornaram icónicas e continuam a ser pedidas”.

Um catálogo de pedidos que nos últimos dois a três anos, acrescenta um novo item, com brinquedos ligados à “confeção de alimentos, talvez devido à influência determinante das televisões”, acrescenta Severino.

Pedidos comoventes

Sobre um pedido que o tivesse comovido particularmente, o nosso interlocutor recorda: “muitos desejos me tocaram particularmente, grande parte deles entroncados no pedido de melhoras de familiares vitimados por doenças graves. Pedidos de todo o género me chegam, como por exemplo, levar um beijo a uma mãe ou pai já falecidos, julgando as crianças que o ´Pai Natal` está imbuído de poderes transcendentes, quase míticos”.

Pedidos que para Severino são “emocionalmente arrasadores”.

Ainda a propósito de pedidos inusitados, o Pai Natal do Centro Colombo recorda já este ano “uma situação surpreendente. Conversando com um menino, este solicitou-me que lhe trouxesse uma varinha mágica para triturar o vírus [da COVID-19]”.

No que respeita ao regime de teletrabalho motivado pela situação pandémica, Severino Moreira sublinha que “os miúdos estão muito confortáveis com as tecnologias, mas contrariamente ao que pensava, grande parte deles se inibe inicialmente com o registo virtual. Há uma reação de espanto de verem o Pai Natal ´entrando` nas próprias casas”.

"Não obstante, resulta numa experiência muito conseguida, meritória e agradável, pois assim não se perde o acolhimento", finaliza Severino Moreira.


Entrevista concedida por escrito.