Os passeios públicos das capitais
europeias eram, nos meados do século
XIX, importantes locais de encontro
da população e a capital portuguesa não era excepção.
Com o fim do passeio
público de Lisboa em 1876, hoje Avenida
da Liberdade, o Jardim da Estrela foi um
dos eleitos pela sociedade lisboeta como
espaço verde público para recreio e lazer.
A ocupação desta zona da cidade começou a ganhar expressão
com a construção da Basílica da Estrela (as obras arrancaram em 1779) e foi
reforçada com o povoamento de todo este local, especialmente
pela burguesia, que após o terramoto de 1755 procurou construir
as suas residências fora do centro da cidade. Esta zona
da cidade, designada então como Casal da Estrela, viu assim
alterada a sua função rural, passando a desempenhar um papel
relevante na urbanização crescente da cidade.
Veja a GALERIA DE IMAGENS DESTE JARDIM
O Jardim da Estrela foi inaugurado a 3 de Abril de 1852 e
construído em parte dos terrenos de cultivo pertencentes ao
Convento Benedito de Nossa Senhora da Estrelinha ou da Estrela,
implantado em 1571, onde actualmente se encontra o Hospital
Militar da Estrela. Estes terrenos, aquando da extinção das
ordens religiosas em Portugal, por decreto de 28 de Maio de
1834, durante o reinado de D. Maria II, passaram para a posse
de António José Rodrigues.
Em 1842, o município de Lisboa expropria os terrenos e
nesse mesmo ano o Presidente do Conselho de Ministros do
Reino, Marquês de Tomar, manda construir o jardim. Decorreram
10 anos até ao dia da sua inauguração. A instabilidade
política entre 1844 e 1847 parou a obra, que contava com os
donativos de Manuel José Oliveira, barão de Barcelinhos e de
Joaquim Manuel Monteiro, a quem o Rei D. Luís atribuiu o
título de conde da Estrela.
Veja na página seguinte: O que mudou com o recomeço da obra
A obra só recomeçou em 1850, com a protecção do local
com o sólido gradeamento e com o importante contributo dos
mestres jardineiros Jean Bonnard e João Francisco.
O jardineiro
francês Jean Baptiste Désiré Bonnard (1797-1861) foi
contratado pelo rei D. Fernando II para vir traçar o Parque das
Necessidades e foi colocado, pela família real, ao serviço de
toda a população lisboeta para colaborar também nos jardins
públicos da cidade.
Em 1852, abriram-se festivamente as cinco portas deste
espaço verde público, um jardim romântico à inglesa murado
com um imponente e bonito gradeamento, caracterizado por
apresentar um desenho sinuoso de canteiros, uma colina artificial
de 90 metros de altura, uma gruta, uns lagos, uma cascata
e um coreto chinês (que em 1936 foi substituído pelo coreto
construído em 1884 e transferido do Passeio Público quando,
o que teria sido o primeiro jardim público lisboeta, deu lugar à
construção da Avenida da Liberdade).
Em 1870, e durante seis anos, uma das grandes atracções do
jardim foi um leão oferecido por Paiva Raposo e ainda hoje o
nome Leão da Estrela perdura na memória dos alfacinhas.
Em 1882, é inaugurado o jardim de infância da Estrela desenhado
por José Luís Monteiro, autor do projecto do coreto
do Passeio Público.
Esta obra de pequena dimensão, assente
essencialmente numa estrutura de madeira, confere-lhe a
imagem de um rústico pavilhão de jardim, que se integra com
o romantismo do local onde se encontra implantado. A escola
Frobeliana da Estrela era uma escola de tipo novo em que a
educação se rege pelo respeito pela individualidade da criança,
representando o primeiro marco institucional no desenvolvimento
deste movimento de inovação pedagógica, que no resto
da Europa começava a dar os primeiros passos.
Em 1930 existiu um projecto para dividir o jardim com o prolongamento da Avenida Alvares Cabral e após nove anos
de contestação generalizada confirmou-se que o jardim não
podia ser dividido e propôs-se a colocação do monumento de
D.Maria I, responsável pela construção da Basílica da Estrela,
aquando o seu reinado.
Após o ciclone de 1941, houve uma remodelação do jardim a
cargo de Ernest Pissard. Esta remodelação consistiu em aumentar
a largura dos caminhos e retocar o seu traçado e em aumentar as
áreas de relvado e de vegetação. Além disso, plantaram-se cerca de trezentas
árvores (escolhendo-se preferencialmente as espécies que tinham
resistido ao ciclone, como por exemplo olaias, lodãos, castanheiros-
da-Índia), construiram-se dois pavilhões e melhoraram-se
os serviços sanitários.
A reabertura ao público realizou-se a 15 de
Junho de 1942. Em 1948 foi adicionada ao jardim uma escultura
em homenagem a Antero de Quental, da autoria de Barata Feyo.
O Jardim da Estrela, ao longo da sua existência, assistiu
a muitas festividades e celebrações, e é em 1960 que acolhe o
festival que celebrou a Campanha Nacional de Extinção da
Mendicidade. É ainda neste ano construído o novo parque
infantil e, em 1963, assistiu-se à inauguração da biblioteca para
invisuais e de um percurso pelo jardim pensado para estimular os
sentidos, em especial o tacto e o olfacto.
Veja na página seguinte: As melhorias que foram feitas nas últimas décadas
Desde 1989, funciona no jardim uma casa de idosos, sobre a
responsabilidade da Junta de Freguesia da Lapa.
Mais recentemente,
em 1996, foi inaugurada a estátua de João de Deus.
Ao longo das décadas, várias têm sido as beneficiações a que
este jardim tem assistido, sendo que em 1952 foram renovados
os relvados e canteiros de flores.
Em 2000, procedeu-se ao arranjo
do gradeamento exterior, o que implicou a sua desmontagem
e em 2001 foram melhorados os sistemas de drenagem
pluvial e de rega e recuperada a casa dos jardineiros.
Este jardim, incluído na Zona Especial de Protecção da Basílica
da Estrela, caracteriza-se pelo seu imponente gradeamento
e pela sua planta trapezoidal. Com uma área de implantação
seccionada no canto Sudeste pelo Hospital Militar, incluindo
a igreja, o acesso ao jardim faz-se por 5 portões. Dois abrem-se para Sul,
para a Praça da Estrela. Outro para Norte, para a rotunda da
Avenida Álvares Cabral e os outros dois, um a Noroeste, para a
Rua da Estrela e outro a Este, para a Rua de São Bernardo.
Este jardim, com cerca de cinco hectares, assistiu ao longo dos
anos à alteração progressiva do elenco botânico, como resultado
de vários momentos da sua história de apogeu e degradação,
diferentes intervenções de conservação, assim como pela acção
de um ciclone que assolou Lisboa em 1941.
A actual planta do
jardim não é a original, pois parte dos terrenos por este ocupado,
deram lugar à Escola Froebel, em 1882, à biblioteca pública,
em 1922 e a Rua de São Jorge, em 1940. Apesar das intervenções
sofridas, o Jardim da Estrela mantém desde a sua construção
um estilo Romântico que transparece através da sua composição
cénica, sobre uma estrutura orgânica, proporcionada pelo seu
elenco botânico, mas também pelos seus elementos construídos.
Neste jardim encontramos lagos, cascatas, grottos, um miradouro,
um coreto e estatuária presente por todo o jardim. Entre as
estátuas de mármore e bronze em homenagem a ilustres figuras
portuguesas contam-se «Antero de Quental» de Costa Mota (sobrinho), «O Despertar» de Simões de Almeida (sobrinho), «O Cavador» de Costa Mota (tio), «A Fonte» de D. Maria Glória
da Cruz Ribeiro, «Nayade» por Assis Rodrigues, «A Guardadora
de Patos» por Costa Mota (sobrinho) e ainda um tronco de
árvore esculpido.
O jardim possui actualmente um quiosque, uma cafetaria,
dois parques infantis, várias zonas de estadia e um miradouro. E, por entre caminhos e lagos, podemos encontrar uma grande variedade
de plantas e animais como pavões, cisnes, patos brancos
e pretos e patos do Egipto.
Veja na página seguinte: O valor patrimonial que este jardim encerra
O valor patrimonial que este jardim encerra
Em 2009, através de uma colaboração do Instituto Superior
de Agronomia da Universidade Técnica de Lisboa e da Câmara
Municipal de Lisboa, sob a orientação das professoras Ana
Luísa Soares e Cristina Castel-Branco e da arquitecta paisagista
Mafalda Farmhouse, as alunas finalistas de Arquitectura
Paisagista Elsa Isidro e Isabel Silva desenvolveram uma metodologia
de caracterização e classificação dos jardins públicos
de interesse patrimonial, no âmbito dos seus trabalhos de fim
de curso.
Esta metodologia, desenvolvida pelas autoras, foi aplicada
a 31 dos jardins públicos da cidade de Lisboa, permitindo
avaliar a qualidade e interesse dos mesmos. Com a aplicação desta metodologia destaca-se, pela sua
qualidade, o Jardim Guerra Junqueiro (Jardim da Estrela),
um dos mais antigos e frequentados da cidade de Lisboa. Este
jardim ocupa o primeiro lugar nos resultados obtidos neste
estudo por apresentar valores históricos, paisagistas e socioculturais
muito elevados. Sendo que o seu valor histórico e
paisagístico confere-lhe uma classificação de 50 valores (sendo
o valor máximo 50).
Desde a sua inauguração e abertura ao público, em 1852,
até à actualidade, o Jardim da Estrela tem assistido a variados
episódios, que de alguma forma lhe deram notoriedade e o
tornaram inesquecível para os lisboetas. De destacar a oferta
de um leão como atracção exótica ao jardim em 1870, pelo
colonial Paiva Raposo e a presença de uma biblioteca ao ar livre
desde 1922 até meados do século XX.
No que toca ao valor botânico, o jardim da Estrela apresenta
pontuação máxima na diversidade e singularidade botânica,
uma vez que este jardim apresenta o elenco botânico mais
variado e numeroso do universo de jardins estudados, onde
estão presentes árvores notáveis e exóticas. Logo na entrada
do jardim, junto à Basílica da Estrela, destacam-se pelo seu
porte um ginkgo (Ginkgo biloba) e um carvalho roble (Quercus
robur). Continuando pelo caminho principal é de assinalar a
presença de um cedro-dos-himalaias (Cedrus deodara) e de uma
bela-sombra (Phytolacca dioica).
Ao longo do jardim, outras
árvores se destacam tais como a alfarrobeira (Ceratonia siliqua), a
araucaria-de-cook (Araucaria columnaris), a árvore-da-borracha-
australiana (Ficus macrophylla), a Brachychiton acerifolia,
o castanheiro-da-Índia (Aesculus hippocastanum), o cedro-do-líbano
(Cedrus libani), a dombeia (Dombeya x cayeuxii), as palmeiradas-
vassouras (Chamaerops humilis), a palmeira-das-canárias
(Phoenix canariensis), a palmeira-de-kentia (Howea forsteriana)
e tipuana (Tipuana tipu).
O valor sociocultural do Jardim da Estrela é elevado, por ser
dos primeiros jardins públicos de Lisboa, considerado o novo passeio público. Apresenta uma elevada influência na memória
colectiva do público, estando muitas vezes associada a memórias
de infância. Segundo os inquéritos realizados, os utentes do Jardim
da Estrela manifestam satisfação quanto à função social desempenhada
pelo jardim, encontrando neste as actividades que
procuram.
Veja na página seguinte: Os equipamentos de que pode usufruir neste jardim
O seu interesse turístico também é elevado, sendo dos
mais recomendados em território nacional pela sua história e diversidade botânica.
Este jardim foi construído com donativos públicos e em
1852 foi inaugurado como espaço público e denominado
Jardim da Estrela, vindo a desempenhar o papel de principal
jardim público da cidade.
Actualmente, decorridos cerca de
160 anos, o Jardim da Estrela continua a ser considerado um
jardim público atractivo e muito usado pela população das
freguesias vizinhas e pelos lisboetas em geral.
Ficha Técnica
Freguesia: Lapa
Equipamento: Parque infantil, cafetaria,
restaurante e esplanada, Instalações
sanitárias, parque de merendas com
algumas mesas de apoio, circuito de
manutenção, polidesportivo informal,
miradouro, coreto, jardim de infância,
centro de dia, biblioteca e casa de
ferramentas.
Área: 4,6 h
Horário: das 7h às 24 h
Acessibilidades:Autocarros (9, 713,
720, 738, 773), eléctricos (25, 28) e
metropolitano (linha amarela Estação
Rato).
Texto e fotografias: Elsa Isidro, Isabel Silva e Ana Luísa Soares (arquitectas paisagistas)
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