LEMBRANÇAS DE ANTANHO…

Julgo ainda oportuno falar sobre este tema, mesmo quando há a impressão de vivermos numa época em que o espírito de “União na Diversidade”existe mais robustamente entre a multiplicidade dos crentes de todo o mundo, que o notável Concílio Vaticano II e o extraordinário e saudoso Papa João XXIII fizeram beneficamente aparecer num mundo em que os homens se digladiavam pela supremacia religiosa das suas convicções devotas, não sendo, porém, e infelizmente, muito diferente de hoje, mas, também, e sobretudo, pelo surgimento em tempos ainda muito recentes de uma série de palavras televisionadas de um célebre teólogo da Igreja Católica, na qual me criei e recebi instrução devocional e diaconal, pelo que me sinto grato, mais complementado e muito mais repleto, e, ainda, por via de um célebre pastor (bispo) da Igreja “Universal” que em Portugal tanto televisivamente nos impressiona com a sua capacidade de catalisação populacional e, muito peculiarmente, pelo poder económico granjeado à custa da fé dos homens e mulheres que em desespero de causa se deixam ir nas promessas de alguns “milagreiros” revestidos pela eventual sacro unção recebida não se sabe de onde e pela aura eclesial que ostentam; refiro-me a locuções proferidas por ambos, em diferentes situações contra outras religiões, fazendo com que aparentemente se aliassem no mesmo tipo de detracção e de absoluta e arcaica incompreensão.

Portanto, como comecei o texto, julgo afinal apropriado restabelecer o verdadeiro sentido da mensagem budista (que é, afinal, a minha área de intervenção) para que o erro da chamada “glorificação” dos dogmas de qualquer que seja a Igreja ou Crença não sobrevivam à custa do rebaixamento e visão deturpada de outros credos ou religiões, tendo em conta o importante e supra citado sínodo que tanto compromisso de bem-estar humano, psicológico, religioso, cívico e interdisciplinar deu ao mundo, dentro do qual ainda perdura tanta necessidade da inclusão fraterna e se clama de joelhos por entendimento e amor incondicional na Humanidade.

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Acho aqui conveniente lembrar aos leitores, no entanto pensando ser desnecessário fazê-lo, que todo o tipo de incompreensão e aleivosia se deve ao facto de certos homens se agarrarem às palavras e, como bem se sabe, os vocábulos sejam eles quais forem são realmente muito limitados; mais ainda, que um sistema de pensamento transplantado da sua verdadeira origem não pode ser efectivamente entendido como se entende por cá o nosso cristianismo, por exemplo de forma não-experimental e teo-alógica!

Então, comecemos a articular sobre a proferida incompreensão primeira de ambas as personalidades:
Foi dito:

“O Budismo é uma doutrina essencialmente negativa, ateísta, aniquilacionista, que procura o NADA ou o VAZIO como suprema realização humana e espiritual…

Ora, vendo bem e prestando a devida atenção sobre a frase que acima se registou e que foi proclamada, teremos a certeza que a mesma foi asseverada por pessoas que só sabem olhar (convenientemente) a superfície ou a mera aparência das coisas existentes, tendo em conta que foi asseverado que o Budismo é algo “negativo”.

A propósito, dizem muitos estudiosos, que uma qualquer “doutrina” é algo semelhante àquele estilo de literatura que se designa por Realismo, porque só mostra detalhadamente (?) os aspectos negativos dos fenómenos das coisas existentes e da própria existência terrena. Porém, julgo não ser exagerado afirmar, que isso é, simplesmente, uma estratégia meramente didáctica.

Seria mais coerente começarem por estudar os aspectos desta nossa vida e do próprio mundo para, somente depois, terem a capacidade de passar ao estudo ou à prática dos aspectos transcendentais da vida espiritual e daquilo que se designa por Realidade. Vejamos, a coerência da questão aqui abordada como defesa da mesma, tendo em conta o princípio do não-sofrimento da Filosofia Budista, levando em conta a vida comezinha das pessoas vivendo na ignorância e inconsciência sobre elas mesmas. Efectivamente, todas elas sentem a transitoriedade das coisas à sua volta e a profunda insatisfatoriedade da vida terrena; mas, contudo, possuem uma consciência fraca a esse respeito.

Certamente, se os homens e mulheres deste nosso mundo efémero, todavia muito importante na nossa escalada espiritualmente evolutiva, estivem de facto conhecedoras de todas estas coisas, deixariam por certo de sofrer. Ignorar – é sofrimento; tal, porque a ignorância origina sempre dependência e, claramente, todas as formas de sujeição provocam tormento e mágoa!

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Nunca é demais aqui afirmar, que a chave de todo o sofrimento ou felicidade é a mente (e a mente, mente), por isso mesmo a Filosofia Budista defende a auto-cultura como uma grande e imperiosa necessidade individual de crescimento humano e de elevação espiritual. Portanto, o Budismo não pode ser acusado de pessimista, por que é em face do reconhecimento da existência do sofrimento que os homens se libertam do mesmo.

Quem reconhecer somente que toda a existência é sofrimento e não verificar ou apurar que “Nirvana é Paz e Pacificação” tornar-se-á pessimista! Verdadeiramente, e segundo os Versos do Livro Dhammapada: “não há mais sofrimento para todo aquele que se libertou dos apegos. Nenhum sofrimento atingirá aquele ou aquela que não se apega ao nome-e-forma da existência fenomenal e que nada considera como seu… O homem agitado pela dúvida, subjugado pelas paixões, atento exclusivamente no prazer, forjará para si pesadas cadeias…”

O Nirvana não pode nunca significar a cessação da experiência humana, nem da própria vida. O Budismo não advoga a destruição dos desejos e das experiências. O que ele ensina ou desperta é a compreensão, através da prática diária da meditação aplicada e individual, de toda a natureza e causa dos desejos e dos apegos e, pela experiência vivencial desta compreensão, o indivíduo começa a utilizar a energia sublime da transmutação e transcendência, antes desperdiçada e incompreendida!

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Quanto à questão da Divindade Suprema, a Filosofia Budista simplesmente afirma que não pode ser ELA conhecida pelo intelecto. Então, somente, neste particular e respectivo sentido, o budista poderá ser encarado como “agnóstico”, dado que, para ele a “divindade X ou Y”, transcende o intelecto humano. Porém, afirma-se que há no homem um princípio capaz de conhecer, pela experiência, a Unidade da Divindade e dos Seres. Não nos dizem as outras religiões que o “homem é a imagem de Deus”? Penso ser importante aqui fazer reflectir, que a referida “imagem” significa que o ser humano tem natureza ou essência divina e, portanto, potencialidades latentes da própria divindade creadora. Os budistas chamam a esse campo de potencialidades “Natureza Búdica”. E ainda como explicação final para esta primeira parte, acrescentamos: para o budista a Divindade não tem atributos, forma, cor ou sexo.

Quando o homem tenta dar-Lhe quaisquer que sejam os atributos, estará somente a falar na verdade da Sua Primeira Manifestação no Universo, como hoje se designa como Consciência Cósmica ou Energia Vital.

Em verdade o Budismo nunca negou a existência da Divindade dentro de cada homem; simplesmente, e em nome da exactidão, diz que teorizar sobre “Ela” não ajuda os indivíduos a resolverem os seus problemas. O único objectivo Budista é continuadamente reafirmar que, enquanto a ignorância existir nos homens e mulheres deste planeta e na sua existência, o sofrimento e a tirania do mesmo, continuarão!

Prometo - que haverá mais um artigo sobre uma outra afirmação proferida pelas mesmas entidades referidas nas televisões portuguesas sobre a Filosofia Budista, que merecerá tratamento adequado para uma melhor compreensão na medida do possível sobre este tão útil e proclamado tema!
Bem Hajam!
Carlos Amaral

Veja as entrevistas com o autor no Programa SAPO Zen:

Convidado Carlos Amaral

O Autor:

Carlos Amaral, Venerável Lama Khetsung Gyaltsen

Mestre em Naturopatia;Especializado em Medicina Ortomolecular; Medicina Homeopática; Medicina Homotoxicológica; Medicina Ayurvédica e Tibetana;Doutorado em Religiões Comparadas e em Metafísica;Investigador em Psicologia Transpessoal & Regressão Memorial;Professor de Budismo, Meditação Tibetana, Raja-Yoga, Kryia-Yoga e Karma-Yoga; Autor e Palestrante.

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