Está numa relação romântica indefinida (situationship) da qual não consegue sair? Gostava de conseguir detetar amizades tóxicas à distância? Fartou-se de algumas pessoas, mas tem dificuldade em estabelecer limites?

Analisando dezenas de situações de vida — das relações de trabalho ao namoro, passando pelas amizades e pelos relacionamentos amorosos —, o psicólogo Ali Fenwick escreveu o livro Red Flags, Green Flags (edição Nascente). Uma obra que procura levar o leitor a interpretar e a lidar com diferentes circunstâncias, de forma a revelar-se imune às pequenas tragédias do quotidiano.

O autor, especialista em comportamento, guia o leitor através das bandeiras vermelhas (comportamentos nocivos) e verdes (comportamentos saudáveis) das relações humanas e equipá-lo com as explicações científicas por detrás de cada uma delas.

De Red Flags, Green Flags publicamos o excerto abaixo:

Lidar com amigos egoístas

É importante termos bons amigos na vida. Por bons amigos, quero dizer pessoas a quem nos sentimos fortemente ligados e com quem nos podemos abrir para partilhar as coisas pessoais que nos acontecem na vida. O bom e o mau. Os bons amigos são pessoas com quem nos encontramos regularmente na vida real. Começo por esta definição, porque a amizade pode significar coisas diferentes para pessoas diferentes. No mundo atual, as pessoas têm vários contactos que designam por «amigos» e que nem sequer conhecem na vida real (apenas online), mas de quem se sentem próximas. Neste capítulo, estou a referir‑me aos amigos com quem nos encontramos regularmente e com quem temos um laço forte e significativo (ou com quem desenvolvemos uma relação no passado que mantemos à distância).

É habitual dizer‑se que se pode contar pelos dedos de uma mão o número de amigos próximos que temos, o que significa que é difícil encontrar pessoas com quem seja realmente possível relacionarmo‑nos e em quem confiar. E quando as encontramos, certificamo‑nos de que investimos no nosso círculo íntimo de amigos tanto quanto possível para manter os laços fortes, mesmo quando, devido ao trabalho ou a outras circunstâncias, estamos fisicamente afastados uns dos outros. Passar tempo de qualidade com os amigos é fundamental para desenvolver laços, intimidade e confiança. Investir significa dar. No entanto, dar não é o ponto forte de toda a gente. Alguns amigos não são naturalmente tão generosos, mas continuam a ser bons amigos.

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Outros são boas pessoas, mas veem os amigos como uma forma de chegarem mais longe na vida, recebendo mais do que aquilo que dão. Mas também pode acontecer que os bons amigos deixem subitamente de retribuir como faziam no passado (algo de que nem sempre estão conscientes). Pode muito bem acontecer que tenha ocorrido algo na vossa amizade que tenha feito com que o outro esteja menos disposto a partilhar ou a dar. Ou talvez seja a sua natureza demasiado generosa ou a sua tendência para agradar aos outros que tenha tornado os seus amigos menos generosos.

Seja qual for a razão, é importante conhecer a importância de dar nas relações. Além disso, ser capaz de identificar quando a amizade se tornou desequilibrada na forma de dar e receber é importante se quiser encontrar formas de resolver o problema em questão e salvar a sua amizade. É fácil dizer adeus a um amigo quando vemos algo de que não gostamos nele, porque acreditamos que há muitas outras pessoas para conhecer, mas é difícil encontrar bons amigos e manter laços fortes é fundamental para a saúde física e mental. Identificar os sinais de alerta vermelhos e verdes na sua amizade é importante para decidir se vale a pena manter a relação.

A lei da reciprocidade

O sociólogo Alvin Gouldner declarou na década de 1960 que a reciprocidade era uma lei fundamental nas relações humanas e que ajudava a facilitar uma forte ligação humana. «Uma mão lava a outra» ou «olho por olho, dente por dente» são ditados que refletem a importância das trocas recíprocas em todos os tipos de relações. Avaliamos a força de uma relação em função do grau de positividade destas trocas e se o nosso dar e receber entre amigos acontece de forma justa e equilibrada. Não só os seres humanos, mas também os primatas adotam comportamentos recíprocos como forma de criação de laços e coesão social dentro dos grupos.

Ali Fenwick é um psicólogo especialista em comportamento humano e tecnologia. Estuda a mente humana há mais de 20 anos, e é professor de comportamento organizacional e inovação numa escola de negócios bem colocada no ranking do Financial Times, onde na última década tem ensinado executivos de todo o mundo a alcançarem mais felicidade e sucesso no trabalho e nas vidas pessoais. É CEO do Dr. Fenwick Lab for Human Behavior & Technology, uma empresa de investigação, formação e consultoria que trabalha a relação dinâmica que se estabelece entre a tecnologia, o comportamento e o bem-estar.

 Podemos aprender muito sobre o comportamento humano observando o comportamento animal, não sendo surpreendente que a natureza tenha fornecido aos cientistas muitas ideias interessantes sobre aquilo que cria laços fortes entre os seres humanos e os fatores que impulsionam a coesão comportamental. Por exemplo, o facto de os primatas tratarem da higiene uns dos outros é uma forma de comportamento altruísta ou mutualista. Podemos fazer coisas porque inerentemente queremos fazer coisas pelos outros ou porque sabemos que isso nos beneficiará de alguma forma (por exemplo, inclusão, proteção, receber outros tipos de recurso). A reciprocidade é um serviço social subjacente às relações humanas e animais. Embora não se espere que alguém cate as pulgas da cabeça dos amigos como um ato de serviço amigável ou um sinal de apreço, nós, seres humanos, envolvemo‑nos em várias trocas com amigos para criação de serviço e ligação. E é natural esperar que os amigos façam o mesmo por nós (embora nem sempre da mesma forma). Psicologicamente, convidar alguém para jantar em nossa casa cria uma pressão interna no sentido de o outro, eventualmente, fazer o mesmo por nós. Pagar um jantar levará muito provavelmente a que o outro pague na vez seguinte. As trocas não precisam de ser mecânicas («eu faço isto, logo, a seguir é a tua vez»), mas sabe‑se e sente‑se quando está na altura e é necessário retribuir.

A conta bancária emocional

Sendo bons amigos há anos, acumularam uma conta bancária emocional. Uma conta bancária emocional é uma metáfora que gosto de utilizar sobre o número de pontos adquiridos por alguém no seu cartão de pontuação mental. Depois de desenvolvermos um laço sólido e de confiança, nem sempre contabilizamos o que os nossos amigos fazem por nós. Haverá momentos em que nós ou os nossos amigos estarão numa situação difícil, sem poderem retribuir mental, emocional ou fisicamente.

Como acumularam boa vontade na nossa conta bancária, aceitamos e até os ajudamos sempre que possível, esperando que as coisas melhorem no futuro. No entanto, se as coisas não mudarem e as pessoas continuarem a tirar, é possível que inicialmente não prestemos muita atenção ao facto, mas a nossa conta bancária emocional depaupera‑se.

O tamanho da conta bancária emocional e o défice que é possível suportar antes da declaração de falência varia de relação para relação e de pessoa para pessoa.

Como identificar quando os amigos agem como sanguessugas

A triste verdade é que alguns amigos são autênticas sanguessugas. Só querem tirar o máximo possível de nós sem dar nada em troca. E quando não temos mais nada para dar (ou quando precisamos de ajuda), passam à pessoa seguinte para continuarem a sugar. Há várias razões para que alguns amigos adotem este comportamento.

Egoísmo

O egoísmo é uma palavra imponente que precisa de ser desvendada. Algumas pessoas são egoístas por natureza, sendo um traço difícil de mudar. Não significa que as pessoas egoístas estejam sempre a pensar nelas próprias, mas sim que, em algumas esferas da sua vida, dar é menos prioritário. Além da personalidade, o egoísmo pode estar relacionado com experiências e circunstâncias da vida. Perder riqueza ou saúde ou passar por um divórcio pode (temporariamente) tornar alguém mais focado em si próprio e, portanto, menos disposto a dar. As razões circunstanciais da menor generosidade podem ter efeitos a curto ou a longo prazo.

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Quando as coisas se resolvem, as pessoas normalmente voltam a ser generosas. No entanto, tal não se aplica a toda a gente. Algumas pessoas mantêm a mesma mentalidade ou, inclusivamente, tornam‑se extremamente egoístas em várias esferas da sua vida (fazendo‑o inconscientemente). Isto pode estar relacionado com traumas ou por terem desfrutado dos benefícios proporcionados por circunstâncias anteriores. Seja qual for a razão, só receber e não dar tornará difícil manter uma amizade saudável a longo prazo.

Agradar aos outros

Se gosta de agradar aos outros ou é uma pessoa naturalmente mais generosa, pode acontecer que as suas tendências comportamentais nas amizades desequilibrem a natureza recíproca de uma relação. Apesar de ter boas intenções, dar em demasia nunca é positivo. No fundo, está a condicionar o outro a receber sem precisar de retribuir. Alguns amigos que não se preocupam em retribuir podem aproveitar‑se das suas boas intenções. Um bom amigo, por outro lado, acabará por retribuir as suas ações ou, pelo menos, dizer‑lhe que não precisa de estar sempre a pagar ou a fazer coisas por ele. Poderá inclusivamente perguntar‑lhe «porque é que queres sempre agradar? Não faz mal receber algo em troca» ou «gosto de ti como amigo. Dares‑me coisas não me vai fazer gostar mais de ti. Só o facto de seres tu é mais do que suficiente para mim.» Quando começar a perceber que a sua tendência de agradar aos outros pode, na verdade, prejudicar as suas relações e tentar reequilibrar a natureza recíproca do seu vínculo, não se surpreenda se os seus amigos começarem a ficar aborrecidos consigo ou a telefonar‑lhe menos. Deixe‑os ganhar distância e reavaliar se manter uma amizade consigo de uma forma mais equilibrada ainda é válido para eles. Se não, desapegue‑se.

Naturalmente, irá sentir‑se ansioso e culpado por isso (o que poderá desencadear novamente a sua tendência de agradar às pessoas), mas reconhecer que as pessoas devem gostar de si por quem é (e não apenas pelo que faz por elas) é importante. Criar laços de amizade mais fortes começa com a tomada de consciência de como os nossos próprios comportamentos podem desequilibrar os laços existentes. A empatia sem respeito próprio conduzirá à sabotagem pessoal; verá sempre o lado bom dos outros, mas utilizará isso como desculpa para permitir que o magoem.

É uma red flag quando:

  • Os seus amigos pedem mais do que dão. Agem como sanguessugas.
  • Os seus amigos não investem na relação.
  • Os seus amigos só lhe enviam mensagens quando precisam de alguma coisa.
  • Acredita que precisa de dar primeiro antes de merecer receber algo em troca.

É uma green flag quando:

  • Compreende que a reciprocidade é uma lei que facilita todas as relações sociais. Existe sempre dar e receber, o que deve ser, em grande medida, equilibrado.
  • Convida as pessoas para tomarem uma bebida ou jantarem em sua casa (ou jantarem fora) quando é convidado por outros.
  • Compreende que, se os amigos deixaram subitamente de retribuir da mesma forma, poderá haver algo que está a acontecer na sua vida e que os está a impedir. Opta por fazer perguntas sem criticar.
  • Compreende que há um limite para tudo. Se a sua conta bancária emocional estiver vazia, talvez seja altura de tomar decisões mais difíceis sobre a amizade.

SABIA QUE?

O clima económico atual dificulta o encontro presencial

Com o aumento dos preços dos alimentos e da energia, muitas pessoas pensam duas vezes antes de gastarem dinheiro em restaurantes, festas e viagens. Gastar menos com lazer também está a afetar o número de momentos sociais que as pessoas têm com os amigos, bem como a agitação dos dias de hoje, o que significa que as pessoas também não recebem os amigos em casa muitas vezes. O que é uma pena, pois podemos estar com amigos onde quisermos. Muitas pessoas sentem vergonha de falar sobre a sua situação financeira a um amigo, o que também pode estar relacionado com a cultura, mas os bons amigos serão sempre compreensivos com a nossa situação. Em vez de se encontrarem fora de casa, considere trazer as pessoas para dentro de casa. Em vez de irem a um restaurante, façam, por exemplo, uma degustação culinária em casa, de forma rotativa, como no reality show britânico «Come dine with me». É uma ótima forma de passar tempo de qualidade com amigos e também de apreciar os dotes culinários de cada um.

Vale com certeza a pena tirar uma fotografia ou publicar uma história no Instagram! Em vez de ir ao cinema, organizem uma noite de Netflix. Pipocas, petiscos e riso é diversão garantida! Ou divirtam‑se com um jogo de cartas. Passar tempo de qualidade com os outros não precisa de ser caro, mas ao mesmo tempo não tem preço.

“Podes pagar desta vez?” Como identificar quando os amigos agem como sanguessugas
“Podes pagar desta vez?” Como identificar quando os amigos agem como sanguessugas créditos: Nascente

Quais são as melhores formas de lidar com pessoas que só querem algo de si?

Quando se apercebe de que tem amigos que só recebem e não dão, poderá perguntar‑se o que pode fazer em relação a isso. Eis alguns passos que pode dar para resolver a relação unilateral:

Reconheça

É importante começar por reconhecer porque é que sente que o seu amigo está a receber mais do que a dar. Quais são os comportamentos que observa? Ele só fala de si próprio sem perguntar o que está a acontecer na sua vida? Nunca paga as bebidas ou o jantar quando saem? Só quer encontrar‑se consigo quando quer alguma coisa? Identifique os comportamentos que considera mais irritantes e tente perceber as razões subjacentes. Isto ajudá‑lo‑á a abordar as suas observações e preocupações junto do seu amigo.

Exprima as suas necessidades

Quando decidir falar com o seu amigo, é importante explicar‑lhe de que forma o comportamento dele o está a afetar a si e à vossa relação. Também é muito importante exprimir as suas necessidades caso sinta que, no passado, as suas necessidades não foram atendidas. Não se esqueça de que os seus amigos não leem a mente, pelo que é importante exprimir o que é importante para si. É possível que esteja preocupado em ter esta conversa com o seu amigo, com medo de o magoar, mas não abordar o problema em questão pode ter consequências mais graves para a vossa relação do que eventualmente ferir os sentimentos de alguém ao dizer‑lhe aquilo que o incomoda ou de que precisa.

Considere as consequências

É importante refletir cuidadosamente sobre o resultado da conversa (ou de não ter qualquer conversa). O que é que pretende alcançar no final? Quer melhorar a relação através de uma conversa franca? Ou distanciar‑se do seu amigo durante algum tempo? Talvez esteja disposto a terminar a relação se os comportamentos egoístas continuarem? Planear os diferentes cenários é uma boa forma de se preparar para diferentes resultados e dar‑lhe‑á mais confiança na gestão de conversas difíceis. Lembre‑se de que as amizades têm uma evolução natural. Quando os laços afetivos partilhados ou os interesses pessoais divergem, não faz mal libertarmo‑nos. Talvez haja uma altura mais tarde na vida em que faça sentido voltarem a ser amigos.

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Na história de Um Conto de Natal, Charles Dickens escreve sobre Ebenezer Scrooge, um avarento de coração frio que, na noite de Natal, é visitado por três espíritos que lhe mostram o seu passado, o seu presente e o seu possível futuro se não mudar de atitude. A visita dos três espíritos pesa na sua consciência e Scrooge decide tornar‑se mais generoso. Embora a história de Scrooge personifique o espírito do Natal — dar —, julgo que é importante refletirmos sempre sobre o poder de dar em qualquer relação e em qualquer altura.

Lidar com amigos egoístas — qual é o drama?

A reciprocidade é fundamental nas relações humanas. Qualquer boa amizade baseia‑se numa troca justa e equilibrada entre dar e receber. Mesmo entre os primatas existe um «tu comes as minhas pulgas e eu como as tuas». Isto ajuda‑os a criarem laços e a terem uma sensação de segurança. Nós, seres humanos, não somos diferentes.

Embora não comamos as pulgas uns dos outros, geralmente sabemos quando e como retribuir quando recebemos um favor ou um convite de um amigo. No entanto, nem toda a gente está disposta a retribuir ou percebe a necessidade de o fazer. E algumas pessoas são simplesmente mesquinhas e limitam‑se a tirar, tirar, tirar. Pode acontecer que, numa boa amizade, as pessoas passem por momentos difíceis e não estejam financeira ou emocionalmente capazes de retribuir como normalmente fazem. Porém, como desenvolveu confiança e uma conta bancária emocional com os seus bons amigos, não está à espera de ser retribuído imediatamente, pois só quer ajudar. Muitas pessoas atualmente designam como amigo pessoas aleatórias que conhecem online, pelo que não é surpreendente que não haja um investimento emocional nas pessoas que se conhecem online para retribuir os favores. recebidos. No entanto, quando os verdadeiros amigos deixam de retribuir ou continuam a deixar a carteira em casa sempre que saem para beber e jantar, é preciso reavaliar a base da vossa amizade.

Pode muito bem ser que nos últimos tempos tenha sido demasiado generoso – algo a que alguns amigos (involuntariamente) se habituaram. Além disso, também nós precisamos de avaliar o nosso próprio comportamento quando queremos manter uma relação saudável e equilibrada com os outros.

Imagem de abertura do artigo cedida por Freepik.