“Prendemo-lo aos nossos pulsos e penduramo-lo nas nossas paredes. Marcamos a sua passagem com velas e fogo de artificio, enquanto ele, por sua vez, marca os nossos rostos com linhas e rugas. Poderá ser desperdiçado e morto. Gasto e salvo. Conservado e perdido”. Em poucas palavras, o britânico Colin Stuart, divulgador de astronomia, sintetiza a matéria do tempo e a forma como o procuramos tornar palpável. Stuart é autor do livro Tempo: 10 coisas que deve saber (edição Vogais), obra que sintetiza numa dezena de momentos, repostas a questões como: "O tempo pode ser parado?", "A viagem no tempo é possível?", "O tempo existe?"

O jornalista e escritor especializado em astronomia, autor de artigos publicados no jornal The Guardian endereça-nos neste seu livro um tema que há séculos fascina gerações de cientistas, historiadores, estudiosos. Colin Stuart recorre à física, história e filosofia, geologia para fundamentar as suas explicações.

No prefácio que faz ao presente livro, Colin Stuart sublinha que este título “é a minha tentativa de explicar o tempo a partir do ponto de vista de um físico (...) O tempo não é apenas um dos mistérios mais persistentes de toda a experiência humana. Embarcamos numa viagem desde quando começámos a acompanhar o tempo, há milhares de anos, até à vanguarda da investigação moderna”.

Ao longo das mais de 120 páginas de Tempo: 10 coisas que deve saber, o autor deixa-nos perguntas tão desconcertantes como “Podemos matar Hitler?” ou afirmações como “Os seus pés são mais novos do que a sua cabeça”. Para cada um dos capítulos há respostas por parte do jornalista, membro da Royal Astronomical Society.

Do livro, publicamos o excerto abaixo:

Os viajantes do tempo caminham entre nós

Gennady Padalka tinha 11 anos quando Neil Armstrong pisou a Lua pela primeira vez. Como muitas crianças da sua geração, começou a sonhar com as estrelas. Após uma carreira exemplar na Força Aérea russa, juntou-se ao programa espacial soviético, cinco meses antes da queda do Muro de Berlim, em 1989. Hoje, Padalka é um veterano do espaço, tendo voado em cinco missões diferentes, realizado 10 passeios espaciais e batido um recorde de 879 dias a orbitar a Terra. É também o maior viajante no tempo da história da humanidade.

As páginas de ficção científica estão cheias de histórias de viajantes no tempo, pessoas que avançaram rapidamente no tempo e saltaram para o futuro. No segundo filme da trilogia Regresso ao Futuro, Doc Brown e Marty McFly saltam de 1985 para 2015, encontrando um mundo futurista de hoverboards e carros voadores. Dar uma espreitadela ao futuro é uma perspetiva fascinante, mas muito poucas pessoas têm a noção de que os viajantes no tempo já caminham entre nós. Gennady Padalka está longe de ser um nome familiar, apesar de ser o que de mais parecido com Marty McFly que alguma vez tivemos.

Colin Stuart
Colin Stuart é jornalista e escritor especializado em astronomia.

Na vida real, a viagem no tempo ao futuro depende de um efeito chamado dilatação do tempo. Imagine que está a participar numa corrida de 100 metros com o vencedor de oito medalhas de ouro olímpicas e recordista mundial Usain Bolt. Dificilmente ficaria surpreendido se ele alcançasse a meta antes de si. Afinal, ele tem a capacidade de se mover através do espaço mais rapidamente do que o leitor (espaço, enquanto espaço físico, não o espaço sideral). Exceto que os dois não estão realmente a correr através do espaço. Estão a correr através do espaço-tempo — o tecido do Universo que discutimos no capítulo anterior. O espaço e o tempo estão tão intimamente ligados que Bolt não viaja apenas através do espaço mais depressa do que o leitor, também viaja através do tempo mais depressa do que o leitor. Ao chegar primeiro à meta, também chega primeiro ao futuro.

A diferença de velocidade entre si e Bolt — embora possa parecer gritante no momento — é tão minúscula que o valor pelo qual ele o vence na chegada ao amanhã é mínimo. O leitor, simplesmente, não dá por isso.

Com Padalka, a história é ligeiramente diferente. Ele passou algum tempo a bordo da Mir e da Estação Espacial Internacional — postos orbitais que se movem velozmente à volta da Terra, a 27 500 quilómetros por hora. Padalka foi projetado através do espaço-tempo muito mais rapidamente do que aqueles de nós que ficaram à superfície, durante um total de 879 dias. Ao fazer isso, viajou no tempo para o futuro cerca de 0,025 segundos, mais do que qualquer um na história. O cosmonauta é também um crononauta.

Astronautas como Padalka são os nossos viajantes no tempo mais bem-sucedidos, mas não são as únicas pessoas a fazê-lo. Nós também somos viajantes no tempo. A dilatação do tempo significa que, cada vez que acelera, alcança o futuro mais depressa do que se permanecesse parado. Por exemplo, um voo de regresso de Londres para Nova Iorque fará com que viaje no tempo para o futuro em 19 milésimos de milionésimo de segundo (19 nanossegundos).

tempo: 10 coisas que deve saber
"Tempo: 10 coisas que deve saber" tem edição da Vogais e conta com tradução de Miguel Monteiro.

Até algo tão simples quanto caminhar o faz. Os passos que dará ao longo da sua vida farão com que viaje três nanossegundos para o futuro, em vez de apenas ficar parado. Poderá estar a pensar que nenhum destes valores parece particularmente impressionante. No entanto, mostram que viajar no tempo para o futuro é mais do que possível. É tão simples, que até nós o fazemos por nós próprios, sem um Doc Brown ou um DeLorean por perto. Tudo o que temos de fazer para o tornar mais interessante — mais digno da ficção científica —, é viajar mais rapidamente através do espaço-tempo.

Frequentemente, quando as pessoas ouvem falar pela primeira vez acerca da dilatação do tempo, ficam altamente céticas. Isso vai contra a sua experiência quotidiana do tempo, a tal ponto, que simplesmente não acreditam nela. No entanto, dependemos fortemente da dilatação do tempo cada vez que usamos uma ferramenta indispensável da vida moderna: o GPS. O Global Positioning System (Sistema de Posicionamento Global) funciona graças a uma frota de satélites que orbita a Terra. Se usar a aplicação de mapas no seu telefone, ela receberá sinais desses satélites. Quanto mais depressa um sinal regressar, mais perto estará desse satélite. Ao usar vários satélites ao mesmo tempo, o seu telefone poderá identificar com precisão a sua localização. Porém, para que isso funcione, os satélites necessitam de ter a bordo relógios atómicos para cronometrar quanto tempo os sinais demoram a chegar. O problema é que essas máquinas giram em volta da Terra a cerca de metade da velocidade dos astronautas a bordo da Estação Espacial Internacional. Graças à dilatação do tempo, os relógios dos satélites ficam dessincronizados do relógio do seu telefone. Temos de ajustar os relógios atómicos do GPS para que voltem a estar em sintonia. Se não fizéssemos uma correção que tivesse em conta o facto de terem viajado no tempo, todo o sistema depressa se tornaria inútil. Se não for corrigido durante apenas um dia, o pequeno ponto azul que indica onde se encontra estaria afastado cerca de 10 quilómetros.

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É surpreendente que tão poucas pessoas conheçam este caminho infalível para o sucesso da viagem no tempo. Afinal de contas, temos provas dos seus efeitos desde a década de 1940, graças a minúsculas partículas subatómicas chamadas muões. O nosso planeta é constantemente bombardeado por partículas de alta energia vindas do espaço. Os físicos chamam-lhes raios cósmicos. Quando um raio cósmico colide com um átomo na nossa atmosfera, cria uma chuva de outras partículas, incluindo muões.

Isto está a acontecer, neste preciso momento, sobre a sua cabeça, a tal ponto que 10 mil muões atingem cada metro quadrado da superfície terrestre a cada minuto. De início, os cientistas ficaram intrigados com o enorme número de muões que chegava aqui abaixo. Os muões decaem, tal como os átomos radioativos que encontrámos no Capítulo 2. A sua semivida é incrivelmente curta — apenas 1,56 milionésimos de segundo.

Os muões pareciam levar mais de 100 semividas a chegar ao solo. Com cada semivida a reduzir o número de muões em 50 por cento, é tempo mais do que suficiente para que quase todos decaiam e desapareçam. Então, como é que tantos muões chegam inalterados? O mistério foi solucionado ao ter-se em consideração a dilatação do tempo e o facto de os muões viajarem perto da velocidade da luz. Passa consideravelmente menos tempo para eles do que para nós, o que significa que, do seu ponto de vista, apenas decorrem algumas semividas no caminho para o solo e uma fração substancial não decai. Assim que se leva em conta a dilatação do tempo, o número de muões que alcança o nível do mar coincide perfeitamente com as previsões.

Se os seres humanos se pudessem deslocar mesmo com metade da rapidez dos muões, a nossa capacidade para viajar no tempo já não estaria restrita a frações minúsculas de 1 segundo, mas seria medida em dias, meses e até anos. Se nos aproximássemos um pouco mais da sua velocidade, estaríamos a falar de décadas. Uma maneira de ilustrar o potencial incrível da dilatação do tempo é imaginar um par de gémeas idênticas. Nascidas com uma diferença de apenas alguns minutos no mesmo hospital, ao crescerem, escolhem carreiras diferentes. Uma torna-se médica, a outra astronauta. Quando ambas têm 40 anos, a astronauta abandona a Terra para comandar uma missão audaciosa a outro sistema estelar. A tecnologia de foguetões melhorou tanto que pode viajar até lá e regressar a 90 por cento da velocidade da luz. Quase tão depressa quanto um muão. Para si, a viagem completa demora pouco menos de 20 anos e regressa mesmo a tempo de celebrar o seu sexagésimo aniversário. A sua irmã gémea lembra-se bem da sua festa do sexagésimo aniversário — foi há 25 anos. Passou mais tempo para a gémea que ficou na Terra, pois estava a viajar mais lentamente através do espaço-tempo. Tem agora 85 anos e os seus bisnetos estão a seus pés e está a contar-lhes a história da sua irmã astronauta que viajou no tempo um  quarto de século para o futuro.

Porquê parar aí? Digamos que viajamos através da galáxia numa grande volta a 99,9999 por cento da velocidade da luz — ainda mais depressa do que um muão — durante 10 anos. Regressa uma década mais velho, mas terão passado sete mil anos na Terra enquanto esteve fora. Trocou o século XXI pelo século XCI, experimentando uma vida muito para além do seu tempo de vida. Esse é o tipo de viagem no tempo em que as pessoas estão geralmente interessadas e não há nada nas leis da física que o proíba. Precisamos apenas de aprender a viajar mais depressa e durante mais tempo do que Padalka fez até agora.

No entanto, uma viagem no tempo assim tão extrema não está isenta de problemas. Imagine transportar alguém que vive há sete mil anos — um habitante da Idade da Pedra — para o meio da Times Square, na atual Manhattan. Isso é um terrível choque cultural. Será que os seres humanos ainda existirão num futuro tão distante? Se existirem, será que então se lembrarão de quem nós somos? Se depositasse 1 euro numa conta bancária antes de partir, receberia sete mil anos de juros? Todas estas questões e muitas mais terão um dia de ser consideradas e resolvidas se formos viajar regularmente através do tempo em quantidades tão elevadas.

Há um problema ainda maior: a dilatação do tempo é um bilhete apenas de ida. A menos que consigamos inventar uma maneira completamente diferente de viajar para trás no tempo, regressar para onde — ou quando — partimos será impossível. Não estamos a inverter a seta do tempo, apenas a carregar no botão de avanço rápido e a chegar ao futuro mais depressa. Não podemos usar a dilatação do tempo por si só para ir no sentido contrário. Ainda assim, ficar encalhado no futuro é um preço que muitos pagariam para ver um mundo muito para além do amanhã. Será o seu caso?