Tinha 14 anos quando decidiu fugir de casa. Já não aguentava mais a violência e os maus-tratos do pai, que ameaçava matá-lo. O progenitor, um cigano romeno, queria que fosse pugilista como a maior parte dos homens da família e reagiu muito mal quando descobriu que tinha um filho que gostava de pessoas do mesmo sexo, como relata em "Gipsy boy" e "Gipsy boy on the run", disponíveis em Portugal em inglês.
Apesar do primeiro ter sido lançado em 2009, só agora foi traduzido para espanhol. Uma oportunidade para Mikey Walsh, a identidade que assumiu entretanto, recordar o calvário por que passou. Na infância, foram poucas as vezes em que interagiu diretamente com pessoas fora do seu acampamento e ainda menos aquelas em que foi à escola. Autodidata, depois de fugir, aprendeu a ler e a escrever sozinho.
Depois de arranjar trabalho numa hamburgueria para sobreviver, o agora ativista dos direitos dos homossexuais começou a registar num diário o que lhe ia na alma. "Senti-me muito sozinho. Tinha muitas saudades de casa e da minha família mas não podia regressar", assume Mikey Walsh, que ainda hoje sofre de sociofobia, um transtorno de ansiedade social, em entrevista ao jornal espanhol El País, a propósito do novo lançamento ibérico. "Disseram-me um milhão de vezes que a homossexualidade não existe na nossa comunidade. É uma das muitas coisas que ainda lhes custa aceitar", critica o britânico.
Na única vez que tentou regressar a casa, anos depois da fuga, o pai, que estava sentado, levantou-se num impulso e deu-lhe um murro na boca. "És um maricas venenoso. Como é que te atreves a voltar aqui?", inquiriu. Desde os cinco anos que o pai o pressionava para treinar pugilismo e desde os seis que um membro da comunidade abusava dele, um martírio que se arrastou até à altura em que decidiu fugir dali.
"Rezei muito para não ser homossexual quando era criança", confidencia. "Dia após dia, odiava-me por ser um monstro no meio dos ciganos. Além do pai, também teve de enfrentar a fúria da irmã. Inconformada, batia-lhe mas, por mais que ele reagisse, ela era sempre mais forte. O pai, que não suportava a ideia dele não se conseguir defender de uma mulher, sempre que assistia a um confronto, reagia com violência.
"Estava habituado a que ele passasse o dia a chamar-me maricas e a demonstrar-me o desprezo que essa minha condição lhe provocada. Gozava comigo, cuspia-me e repetia um dicionário inteiro de insultos homofóbicos uma centena de vezes ao dia", conta o escritor. "Amo muito a minha cultura e tenho orgulho em ser um cigano gay", afirma Mikey Walsh. Apesar da mágoa que guarda, continua a gostar do progenitor.
"A minha família está a par dos livros e foi muito compreensiva. O meu pai continua a não querer ouvir falar da minha homossexualidade mas eu já lido melhor com isso. Sei que lhe leram o livro quando ele [que é analfabeto] esteve na prisão. Apesar da sua forma de ser, acredito que ele, na altura, estivesse completamente perdido e que fizesse o que fizesse porque acreditava que me poderia mudar", refere o escritor.
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