Não é preciso recuar muito no tempo. Em 2009, um seminário realizado na capital do Uganda, Kampala, juntou, entre outros oradores, três líderes religiosos cristãos e evangélicos dos EUA e um ex-gay que assegura que consegue curar as pessoas da homossexualidade. Pouco depois, era revelada uma lista com fotografias, nomes e moradas de gays e lésbicas. Muitos deles seriam perseguidos e torturados. Outros acabariam mesmo por morrer.

Em 2013, foi aprovado um pacote de legislação contra os homossexuais. O Uruguai, a Islândia, a Dinamarca, o Canadá, o Reino Unido, a Holanda, a França, a Suécia e a Bélgica, em contrapartida, figuram entre os países que melhor acolhem pessoas lésbicas, gays, bissexuais e transgéneros (LGBT). «Ainda há muitos aspetos por melhorar mas nós [LGBT], na Europa, vivemos uma vida privilegiada», considera Conchita Wurst, cantora austríaca e porta-voz dos direitos LGBT.

A vencedora do Festival Eurovisão da Canção de 2014, que esteve em Lisboa numa conferência para falar de direitos identitários, tem procurado utilizar a visibilidade pública para desmistificar a questão. «Ainda há pessoas que aconselham os gays a ir ao médico», critica a intérprete de «Rise like a phoenix», que também sentiu algumas injustiças na pele depois de assumir a homossexualidade.

«Perdi amigos», revela. Em casa, na cidade «muito conservadora» em que cresceu, acabaria por ter o apoio dos pais, mas apenas depois de passado o choque inicial. «Eu não conseguia perceber porque é que eles não percebiam que eu era assim», admite hoje, sem se querer vitimizar. «Há histórias piores do que a minha. Eu acabei, depois, por ter o apoio de muitos familiares e amigos», sublinha, contudo.

Bandeira hasteada num dia em que se relembram abusos

Não é preciso, todavia, ir muito longe para encontrar quem continue a ser vítima do preconceito. Foi preciso esperar até ao dia 17 de maio de 2016 para ver uma bandeira do arco-íris, símbolo da comunidade LGBT, hasteada numa câmara municipal ou numa instituição pública portuguesa. Coincidindo com o primeiro Dia Nacional contra a Homofobia e Transfobia, a Câmara Municipal de Lisboa exibe uma bandeira da causa LGBT.

É «a marca visível para uma luta que faz sentido numa cidade que se quer solidária e inclusiva», orgulha-se o movimento Cidadãos por Lisboa. Ainda assim, não há só motivos para festejar. A associação ILGA Portugal - Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual e Transgénero recebeu, em 2015, 158 denúncias de crimes ou incidentes contra pessoas LGBT. A maior parte são relativas a abusos ou ameaças verbais mas também agressões e violência sexual.

O perigo de usar direitos como símbolo de vanguarda civilizacional

A 17 de maio assinala-se anualmente o Dia Internacional contra a Homofobia e a Transfobia, uma data que muitos países desenvolvidos já comemoram, muitas vezes sem se aperceberem que estão a ser usados numa guerra que, afinal, não é a deles. «Na política global, temos assistido a uma consagração dos direitos das pessoas LGBT como um símbolo e uma medida de vanguarda civilizacional», critica Miguel Vale de Almeida, antropólogo, professor universitário e ativista LGBT.

«Os ataques [às pessoas LGBT] não são admissíveis. Devem ser combatidos», defende. Mas não de uma forma irresponsável, adverte todavia. «Estamos a correr um certo risco de transformar os direitos LGBT num teste de algodão aos poderes da democracia. Não sei até que ponto quero que isso sirva para perpetuar ideias contraditórias entre o ocidente e o resto do mundo», desabafa.

«Os direitos das pessoas LGBT não podem ser cooptados como parte de uma narrativa de superioridade civilizacional, porque senão seremos nós, homens e mulheres LGBT, que acabaremos por pagar a conta», sublinha Miguel Vale de Almeida, que não se cansa de apontar o dedo a países como a Rússia e o Uganda. «Os LGBT passaram a ser o inimigo interno, à semelhança do que aconteceu com os judeus noutros contextos», critica.

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Os países mais homofóbicos do mundo

Sergey Lazarev, representante da Rússia no Festival da Canção da Eurovisão de 2016, afirmou, em conferência de imprensa, que, caso ganhasse, não seria problemático para o seu país ter uma verdadeira enchente de pessoas LGBT a assistir ao evento. O intérprete de «You are the only one», que acabaria por ficar em terceiro lugar, disse haver muitos rumores sobre a real situação das pessoas LGBT na Rússia, garantindo que «há uma comunidade LGBT ativa».

No entanto, de acordo com o ranking elaborado pela ILGA – International Lesbian, Gay, Bisexual, Trans and Intersex Association em 2015, a Rússia figura no topo da lista dos 20 países mais homofóbicos do mundo, seguida de perto pelo Irão, pela Moldávia, pela Arábia Saudita, pela Nigéria, pelo Sudão, pela Mauritânia e pela Somália. «Temos de acreditar que as coisas vão melhorar», defende Conchita Wurst.

Essa é, pelo menos, a mensagem que procura passar em muitos dos eventos de promoção dos direitos das pessoas LGBT para que é convidada.«Eu sou só uma drag queen e não posso mudar nada. Mas não me vou cansar de trabalhar pela globalização da dignidade das pessoas LGBT. Vou continuar a incomodar muita gente com as opiniões que não me pedem», ironiza. «Para mim, o respeito e a liberdade estão associados ao conhecimento», considera.

«Temos de educar as pessoas. Temos que ter tempo e paciência de nos ouvirmos uns aos outros», defende. «No fim de contas, sou mais do que um gay. Tenho opiniões de outros interesses», assegura, enaltecendo o papel que tem vindo a desempenhar. «É bom sentir que muitas pessoas consideram que a minha opinião é relevante o suficiente para as ajudar», acrescenta ainda Conchita Wurst.

Texto: Luis Batista Gonçalves