Entre os muitos motivos que levam uma pessoa a sair do seu país de origem, o amor é um dos mais frequentes. Quando começa uma relação entre duas pessoas, de nacionalidades diferentes e que vivem em países distintos, começa também uma história de migração.
Foi o que aconteceu com Liliana quando em 2005 se mudou para a Suíça, depois de ter conhecido o marido, alemão, no Rio de Janeiro, em 2002. Sair da sua cidade natal, onde já tinha uma carreira de 12 anos no jornalismo, e chegar a um país novo foi um verdadeiro choque para Liliana. “Chego aqui e o que é que eu tenho: nada. Não sabia falar o idioma, não tinha amigos, não sabia nada, foi um choque”, conta ao SAPO Lifestyle.
Independentemente da mulher, é impossível não existir este primeiro “choque cultural” e a necessidade de se adaptar a uma nova realidade. O tema ficou na mente de Liliana que acabou por especializar-se nele através de um mestrado em Comunicação Intercultural na Suíça. Mas não ficou por aí. O livro, lançado no final de 2020, foi o culminar desta busca por respostas e por histórias semelhantes à sua que foi encontrando pelo caminho, até porque na Suíça existem muitos casamentos interculturais.
“De acordo com estatísticas federais mais recentes datadas de 2018, 24% dos suíços são casados com estrangeiras, 21% das suíças com pessoas de outras nações e 61% dos homens de outras nacionalidades são casados com mulheres de fora”, escreve Liliana, avançando também que “no número de casamentos entre suíços e estrangeiras, as brasileiras têm estado entre as favoritas, junto com as tailandesas, dominicanas, filipinas e outras seis nacionalidades”.
“Comecei a ter muitas perguntas sobre os casamentos. Se existem vários treinamentos para executivos que saem do seu país e vão trabalhar em outro país e têm treinamento intercultural, porque é que não tinha nada para quem se casa?”, questiona.
Não queria escrever um livro de “autoajuda”, mas queria colmatar uma falha, uma vez que não existem estudos em língua portuguesa sobre este fenómeno social. “Não é um tema muito falado. Só existem estudos sobre expatriados e não há nada sobre casamentos. Existem livros sobre casamentos interculturais em inglês. Mas em português existem poucas coisas, teses, e pouco mais”, refere.
É um tema “pouco falado” e na maioria das vezes só é mostrado o lado bom. “Basta abrir o Instagram para se deparar com mulheres brasileiras em fotos de paisagens estupendas ou em seus quotidianos fascinantes de casadas com estrangeiros pelo mundo”, escreve a autora na descrição do livro. Mas nem tudo corre como nos contos de fadas.
Preconceito e vulnerabilidade
A forma que encontrou para dar voz a estas mulheres foi a mostrar “cenários” e a “contar histórias”, não fosse Liliana jornalista de formação, a trabalhar neste momento na Swissinfo.ch. “O Brasil é tão diferente. As pessoas vêm de contextos e classes sociais tão diferentes que é óbvio que isso impacta na sua adaptação e integração a uma nova sociedade”.
Assim, nos depoimentos de mais de 50 mulheres que conta no livro, há, dentro desta diversidade de pessoas e de países, pontos em comum, como o preconceito e a vulnerabilidade.
“Uma mulher que se casa com um estrangeiro enfrenta preconceito, sim”, reconhece. Sofre quando vai contar à família ou aos amigos e é chamada de “caça passaporte ou “Maria passaporte”. Quando chega ao país, ouve que se casou por interesse. E, por outro lado, o homem sofre preconceito por parte dos nativos que dizem que “ele não foi capaz de encontrar uma mulher da nacionalidade dele e teve de ir ao terceiro mundo encontrar uma”. Aliás, existe uma expressão pejorativa em alemão que significa isso mesmo, “importar mulher”, indica.
Em muitos casos, a mulher acaba por se transformar no elo mais fraco da relação por não conseguir aprender o idioma ou afirmar-se no mercado de trabalho, tendo dificuldades em conquistar a independência financeira. Ingredientes que conjugados na mão de um abusador podem dar origem a um verdadeiro filme de terror.
“Se a pessoa já era vulnerável no seu país de origem, fica ainda mais vulnerável fora. Ela não pode simplesmente ir embora. Não tem dinheiro para comprar uma passagem ou um familiar a quem recorrer. Fica nas garras de outra pessoa”.
Liliana conheceu histórias de mulheres que foram obrigadas pelos maridos a prostituírem-se, que ficaram trancadas em caves, que eram escravizadas. Casos que são “tráfico de seres humanos disfarçados de casamento”.
A migração não é moleza
Mesmo nos casos em que tudo correu pelo melhor, Liliana reconhece que “a migração não é moleza”. “Não é um processo fácil, às vezes, é muito doloroso. Reaprender na idade adulta um idioma, códigos sociais. Passar, às vezes, por alguma humilhação. Mas esta dor transforma-te num ser muito melhor”, acredita.
Assim, dentro destes casamentos interculturais, surgem pessoas que respeitam mais e têm mais sensibilidade para compreender a cultura do outro. “Filhos que saberão navegar em diferentes mundos”. Algo que é tão necessário nos dias que correm.
Para muitas mulheres o facto de mudarem de país e saírem da sua zona de conforto é a oportunidade para crescerem e terem acesso a situações, como formação académica e progressão profissional, que dificilmente teriam no seu país de origem. “Há sempre perdas e ganhos, é preciso colocar na balança, mas quando encontramos alguém que respeita a nossa cultura, é muito bom”, conclui.
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