Corri tudo. Vasculhei todos os locais onde ela poderia estar. Subi escadas. Desci escadas. Virei salas, escritório, armários e gavetas. Quando comecei a avaliar as perdas o coração encolheu. Milhares de músicas e fotografias, e incontáveis horas de trabalho.

"Pára, criatura! Respira fundo. Uma memória externa não se desmaterializa!" E, ao parar no meio da sala, olhei em volta e lá estava ela. Em cima de uma prateleira, mesmo em frente à minha cara, a desafiar-me com ar de gozo.

Ora no momento em que a irritação se foi, chegou a reflexão... Sou do tempo (sim, mesmo tendo só 39 anos, com o ritmo evolutivo destas últimas décadas, sinto-me no direito de falar assim!) em que as memórias se guardavam no cérebro (e coração?!) e, quanto muito, tínhamos álbuns de fotografias, blocos de notas e outros artefactos similares para nos ajudarem a reter a vida já vivida.

Nos dias que correm, quando perdemos a memória externa, sentimo-nos lobotomizados, profanados de grande parte da nossa identidade, reféns de uma existência que ficou, mais do que coxa, amputada.

Será inteligente depositarmos partes tão importantes das nossas vidas em pequeninas caixas de megabites? A não ser aí, onde as guardaríamos, então? Na cabeça (e coração) por vezes tantas memórias não cabem, e escorrem, fugidias, para um qualquer limbo perdido, só voltando à consciência quando se vêem as fotos, ouvem as músicas ou lêem os textos.

Quando eu era miúda, tiravam-se fotografias nas ocasiões especiais. Hoje qualquer momento bom é registado. E se temos a possibilidade de ver, tempos depois, milhares e milhares de imagens que nos fazem reviver outras tantas vivências especiais, devemos rejubilar por isso! A memória externa é algo genialmente fabuloso que cumpre bem a função de nos fazer mais perfeitos, por isso vou comprar outra e guardar duplamente tudo para não apanhar mais sustos!

Ana Amorim Dias
Biografia