Fundada por Marta Martins e Valquíria Porto, a manamiga, “coletivo ainda pequeno”, vai ser inaugurada na próxima quarta-feira.
Não falta espaço no Largo Residências, que se instalou no antigo quartel de Cabeço da Bola, em Lisboa, onde proliferam projetos artísticos, culturais e sociais. Foi ali que a escola feminista do projeto manamiga escolheu assentar arraiais, desde logo para beneficiar da rede de coletivos, que permitirá “formar comunidade” e “pensar junto”, destaca Valquíria Porto, formada em administração de empresas e especializada em comunicação e consultoria de marca.
Em conversa com a Lusa, as fundadoras contam que o projeto de criar uma escola feminista surgiu de conversas e partilhas diárias reveladoras de “camadas de opressão, de desigualdade e de exploração” das mulheres, que nem sempre as percecionam como tal.
“Sendo mais ténue ou mais acentuada, essa desigualdade, essa opressão é patente, existe e vivemo-la no dia-a-dia”, assinala Marta Martins, gestora cultural e diretora executiva da Artemrede.
Além dos números “flagrantes” da violência doméstica, do feminicídio, da discriminação, da desigualdade salarial, há “as coisas” do quotidiano. “Não somos valorizadas, somos caladas, temos menos oportunidades de acesso a determinados espaços – espaços de poder, por exemplo”, reflete.
É desse quotidiano de desigualdade e discriminação que ambas partem para a defesa de uma educação feminista, que abra caminho a uma tomada de consciência.
Com esse fim, a manamiga é dirigida “a toda a gente”, tanto a quem já tem algum conhecimento ou interesse sobre o feminismo, como também a quem defende a igualdade de género mas recusa o rótulo de feminista.
“Queremos que percebam que são feministas exatamente por serem a favor da igualdade de género e que o feminismo é uma atitude perante a vida, uma forma de imaginar um outro futuro, um futuro mais igual, mais justo, mais solidário” para “homens, mulheres e pessoas não-binárias”, realça Marta Martins.
O feminismo – frisa – “é uma luta transversal”, que abarca outras causas, como a igualdade de classes, o respeito pela diversidade, o combate ao racismo ou a justiça climática.
Tendo presente que “estão sempre a aparecer coisas novas”, Valquíria Porto descreve o feminismo como um movimento que “abraça, pega a mão de todo o mundo”, e que não é apenas uma teoria, mas “uma práxis”.
O projeto educativo da manamiga propõe um leque amplo de cursos e formações, do mais elaborado ao mais simples (a página oficial, https://manamiga.pt/, já lista os cursos disponíveis a partir de maio).
Uma das propostas passa por um curso mensal, “mais leve”, chamado “Feminismo no dia-a-dia”, destinado a quem quer “entender um pouco melhor sobre género, […] saber como é a linguagem não-binária” ou como se deve “portar com um colega de trabalho” ou falar com os filhos sobre o machismo sistémico, para que não o reproduzam.
“Há um preconceito da sociedade relativamente à palavra feminismo, à palavra feminista, como se ela estivesse datada, como se já não fosse necessária, porque os direitos estão todos na lei. A verdade é que […] existe igualdade jurídica, mas não existe igualdade real, quotidiana, e por isso é que o feminismo é tão importante e tão urgente”, justifica Marta Martins.
Reconhecendo que a palavra feminismo tem uma carga negativa, a fundadora não duvida de que é por isso que a escola que agora será lançada é tão importante. Mas, concede, “a luta feminista mete medo a muita gente”.
Ambicionando chegar às escolas, a manamiga — que, por ora, subsiste com recursos e financiamento próprios — poderá tornar-se numa associação em breve”. Entretanto, está à procura de parcerias (em estudo está, por exemplo, uma colaboração com a Biblioteca de Belém, onde se encontra o espólio feminista da escritora Ana de Castro Osório).
O projeto manamiga tem já uma agenda cultural feminista, disponível nas redes sociais, que desde novembro divulga projetos artísticos e culturais de mulheres ou de temas transversais ao feminismo.
No início, recordam as fundadoras, tiveram de “ir atrás” dessa informação, mas hoje já são contactadas pelos próprios grupos que querem divulgar os seus projetos na agenda.
A inauguração da primeira escola feminista em Portugal vai acontecer no dia 19, às 19:00, com uma assembleia aberta a quem queira debater os temas da educação e do feminismo no país.
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