Apesar de estar acompanhada, entrei para o carro a rir sozinha. Esperava tudo menos terminar a noite a conduzir um motard francês e outro alemão para uma ceia tardia que se veio a revelar numa caudalosa nascente de gargalhadas e crónicas.
- Esperavas terminar hoje a tua noite com dois escritores meios loucos, Ralf? - Perguntei ao alemão que só regressará a Munique lá para finais de Abril.
- Eu sou surpreendido a cada instante, Ana! A vida é um inesperado constante e interminável... E é fantástico!-
- Hum... Já descobriste a energia certa para a viver.- comentei com um certo ar catedrático.
O inesperado tem outro sabor e valor. O inesperado ensina-nos muito e torna-nos mais humildes e sábios. Mas fiquei a perguntar-me: os maravilhosos inesperados da vida atingirão mais quem se põe a jeito? Ou atingem todos por igual e apenas há quem saiba tirar deles maior partido? Desconfio que as pessoas demasiados inertes e pouco dadas à emoção perdem milhões de surpresas. Quem não se abre a partilhas humanas fica enjaulado em si mesmo. Quem não se deixa levar por impulsos de aproximação ao próximo perde quase todo o encanto da existência. Quem não entrega a sua genuinidade completa, olhos nos olhos, não está apto para se relacionar de verdade; para tocar e ser tocado.
Não esperava terminar a noite da primeira apresentação do meu último livro a cear apenas com o Eric e o Ralf. Mas o realmente inesperado foi, ao levantar os meus olhos durante um discurso inflamado, deparar-me com o ar fascinado com que olhavam os dois para mim.
E,vendo bem, o que me fascina no inesperado é perceber que o posso potenciar eu mesma.
Ana Amorim Dias
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