Lembra-se da primeira vez que pegou numa máquina fotográfica e tirou a sua primeira fotografia?

Talvez tivesse 14 ou 15 anos. Não me recordo tão bem disso como da primeira vez que vi uma fotografia a surgir no revelador, na sala escura. Isso, sim, marcou-me. Na altura devia ter 16 anos, e quando estamos ali com o tabuleiro de revelação e vemos a imagem a aparecer… tive uma epifania. Pensei: "Isto vai ser uma parte importante da minha vida." Isso terá sido em 1981.

Aos 20 anos já trabalhava como fotojornalista para um dos jornais mais prestigiados de mundo, o The Times. Durante esse período tirou uma fotografia que viria a mudar a sua carreira: do jogador argentino Diego Maradona a segurar o troféu da FIFA World Cup no México, em 1986. 

Na altura, não teve grande impacto porque eu era muito jovem, mas provavelmente o tempo ajudou. Agora é a terceira fotografia desportiva mais vendida de sempre. Vou voltar para Nápoles esta noite e, em Nápoles, é, obviamente, uma imagem muito conhecida. Mas sim, foi importante. Tirei essa fotografia com uma máquina que me custou 100 euros. Isso prova que nem tudo se resume ao valor do equipamento.

Ainda pensa nesse dia? É algo que recorda muitas vezes, ainda nos dias de hoje?

Costumo pensar muito nesse momento porque estava tão entusiasmado. Não conseguia dormir e o jogo era ao meio-dia. Cheguei ao estádio às seis da manhã. A segurança, em 1986, não era tão apertada, mas iam estar 120 mil pessoas no estádio. Subornei o guarda mexicano com algum dinheiro e perguntei: "Posso simplesmente andar de uma ponta à outra do campo?" Eram seis da manhã e já estava no relvado. Lembro-me de pensar que aquele ia ser o dia mais importante da minha vida.

Nos 25 jogos anteriores que fotografei, não tinha conseguido fazer nada de especial. Era demasiado novo, ainda não era bom o suficiente. No México, durante o dia, com o sol no ponto mais alto, é muito difícil captar detalhes nos rostos dos jogadores — a luz vem de cima e queima tudo. Mas naquele momento, foi pura sorte: o ângulo do sol e a composição encaixaram na perfeição.

A razão pela qual consegui aproximar-me do Maradona foi porque os adeptos argentinos invadiram o campo. E se tens duas ou três máquinas e várias objetivas, como quase todos os fotógrafos, não consegues correr ou aproximar-te com facilidade. Então deixei o meu equipamento, avaliado em 10 mil dólares, junto à baliza. Pensei: "Se o perder, perco o equipamento." Quando voltei, o material ainda lá estava. Sempre tive uma simpatia especial pelos argentinos depois disso — deixaram o equipamento em paz. Estavam mais interessados em festejar.

Trabalha sobretudo a preto e branco. O que é que o atrai nesse tipo de fotografia?

Trabalho a preto e branco, principalmente porque é redutor, interpretativo — ao contrário da cor, que é mais literal, mais próxima da realidade. Mas, de vez em quando, há coisas que só fazem sentido a cores, como aquele carro vermelho, os tons de rosa num carro cor-de-rosa, ou os orangotangos, que associamos naturalmente ao laranja. Ainda assim, o preto e branco acrescenta sempre uma certa dimensão temporal. Desde o início, tem esse poder.

Tirei essa fotografia [ao Diego Maradona] com uma máquina que custou 100 euros

Acredita que a ausência de cor permite criar uma conexão mais profunda e emocional entre a audiência e o sujeito retratado?

Sim, é uma das velhas citações do mundo da fotografia: "Se fotografares pessoas a cores, vês a roupa delas. Se as fotografares a preto e branco, vês as suas almas." Acho que é verdade. Porque, a cores, olho para o teu rosa em vez de olhar para ti. Em preto e branco, isso não aconteceria.

O preto e branco também funciona melhor na maioria das salas. É por isso que o Armani o faz. É por isso que o Tom Ford o faz. O Andy Warhol, Henri Matisse...

David Yarrow
David Yarrow créditos: David Yarrow

É uma resposta bastante longa, mas vou tentar resumir. Do que é que senti falta? Na verdade, não tive muitas saudades. Eu era fotógrafo desportivo e, se estivermos a fotografar um torneio de ténis ou de golfe com 100 fotógrafos à volta do campo, é muito difícil conseguir uma imagem que mais ninguém tenha. Eventos como os Jogos Olímpicos não são particularmente divertidos: todos se esforçam muito para conseguir algo diferente, andam sempre a correr de um lado para o outro, há muita competição e os dias de trabalho são longos.

Essa foi uma das razões que me levou a abandonar a fotografia. Isso, e o facto de não haver muitas pessoas que eu aspirasse a ser. Todos os meus amigos começaram a trabalhar no sector bancário e senti alguma pressão por parte da família. E, naquela altura, era um trabalho glamoroso — o [realizador] Oliver Stone tinha acabado de fazer o Wall Street.

O que me fez sair foi o facto de tudo o resto na minha vida ter ficado confuso: tinha o meu próprio negócio, trabalhava demasiado, tinha uma família jovem, nunca via a minha mulher, ela odiava-me… E depois o mundo ficou de pernas para o ar com o colapso do Lehman Brothers e a crise do subprime — que, aqui, aconteceu com o Grupo Espírito Santo.

Pensei: "Estou a meio da minha vida e estou a fazer algo de que não gosto, mas tenho de encontrar uma forma de ganhar dinheiro." E a fotografia não é, propriamente, uma maneira de o fazer. O fotógrafo comum ganha, penso eu, 35 mil dólares por ano. Mas eu tinha dois filhos na escola, tinha a minha ex-mulher para sustentar… Passei cinco anos a trabalhar num plano. E foram precisos quinze anos para que esse plano se concretizasse — mas no fim acabou por acontecer.

Achei que havia uma lacuna no mercado para fotógrafos de fine art.

Ela [Cindy Crawford] nunca se atrasa. Todos os outros modelos com quem trabalho chegam atrasados

Em 2014, decidiu voltar para aquela que é a sua verdadeira paixão e começou a explorar a vida selvagem, as espécies em vias de extinção e as paisagens naturais. Sei que não gosta de ser colocado numa caixa, mas este é o género fotográfico no qual se sente mais confortável?

Não. Não me importo de ser citado sobre este assunto.

Antes de mim, houve dois fotógrafos de vida selvagem que tiveram impacto na América. O Peter Beard, que é um ícone — já faleceu, mas sou amigo da família dele — e um tipo chamado Nick Brandt, que era muito bom. Depois comecei a progredir um pouco nesta área, mas não sei se foi uma combinação do nosso trabalho ou não, o mercado ficou saturado. Porque, se formos à parte certa de África, com o equipamento certo, conseguimos boas fotografias de elefantes, leões ou tigres.

E, de repente, como eu estava a vender fotografias por 30, 40 mil euros, o mercado inundou-se. Se hoje formos às grandes feiras ou galerias de arte, e alguém disser: "Sou fotógrafo de vida selvagem", a resposta vai ser: "Por favor, pode sair? Por favor, vá-se embora."

E o mesmo acontece com fotógrafos de paisagem ou de desporto. Faço um pouco de tudo, todos os anos, mas agora é algo muito diferente. Limitamo-nos a contar histórias.

Vou contar-te duas histórias. O meu filho agora trabalha comigo. Eu não me identifico como fotógrafo; identifico-me como pai. Esse é o trabalho mais importante. Nas últimas duas semanas, passei dois dias com ele e com o Jeff Bezos, da Amazon, e não me preocupei muito com as minhas responsabilidades como fotógrafo. Mas, como pai, senti que tinha feito bem essa parte do meu trabalho ao proporcionar ao meu filho a oportunidade de ouvir e falar com o Jeff durante dois dias.

Porque, se fosse banqueiro, nunca me iria encontrar com o Jeff Bezos. Essa é a parte mais importante do meu trabalho: proporcionar experiências à minha família e ajudá-la na sua educação e no seu percurso de vida. Conhecer pessoas como a Cindy [Crawford], que eles conhecem bem, e a Kaia [Gerber], e saber que são pessoas normais.

Storytelling, uma exposição gratuita em Lisboa que reúne imagens de Cindy Crawford e muita vida selvagem
Storytelling, uma exposição gratuita em Lisboa que reúne imagens de Cindy Crawford e muita vida selvagem créditos: David Yarrow

Ela não envelheceu. É assustador, para dizer a verdade. Ela tem a minha idade e eu pareço 20 anos mais velho. Estes são cães Tamaskans, que são 99% lobo. Algumas destas fotografias são com lobos, mas esta foi uma fotografia mais antiga que fiz com ela.

Acho que, entre nós, já angariámos cerca de três milhões e meio para o tratamento do cancro pediátrico. Ela perdeu o irmão para a doença, por isso juntámo-nos. E ela trabalha de graça; partilhamos os lucros.

Acho que a coisa mais importante ao trabalhar com alguém como ela é que a minha equipa vê uma pessoa que tem todo o dinheiro e reputação do mundo e, mesmo assim, faz questão de estar com os membros menos importantes da equipa, conversa com eles sobre as suas famílias e as suas vidas. Ela não é hierárquica. Vai ter com a pessoa que talvez se sinta menos incluída.

Ela nunca se atrasa. Todos os outros modelos com quem trabalho chegam atrasados.

A fotografia mais importante da minha vida é a que tirei no Sudão do Sul. Ela mudou a minha vida. Soube isso no momento em que a tirei

Até mesmo o modelo David Gandy?

[risos] Não, mas ele é um homem. Todas as outras modelos com quem trabalho.

De onde veio a vontade de explorar a ligação entre humanos e animais através da fotografia?

Acho que, no fundo, só queres ser autêntico, queres ser original, e nós temos a capacidade para o fazer e os contactos certos. Então, por que não? Por que não juntar os dois? Porque, se fosse apenas uma chita, seria ok. Se fosse apenas ela [Cara Delevingne], também seria ok, mas quando juntamos os dois isso acaba por elevar a fasquia.

Atualmente, mais ninguém consegue fazer isto. Quando colocámos o lobo em frente a Wall Street, pensei que, mais cedo ou mais tarde, alguém o iria fazer. Mas fomos nós, e tivemos de transportar o lobo de avião na American Airlines desde Los Angeles. Se vais transportar lobos — ou Tamaskans — tens de reservar a primeira classe inteira, porque ninguém quer estar em primeira classe com um lobo. Foi bastante caro, mas valeu a pena.

Como é que se prepara para uma sessão fotográfica? Costuma trabalhar sozinho ou costuma viajar com uma grande equipa?

Na semana passada, eu sabia que ia estar a fotografar em Nápoles na segunda, terça e quarta-feira desta semana. Sabia que íamos gastar muito dinheiro todos os dias — acho que o orçamento era de 75 mil euros por dia. É muito dinheiro.

Cheguei quatro dias antes, sozinho, para ver cada local e perceber o que estava em falta. Um dos locais era em Atrani, na Costa Amalfitana. Gostei da composição, mas disse: “Precisamos de mudar isto. Está tudo muito bonito, mas preciso que seja diferente.” Pedi a uns jardineiros para criarem uma trepadeira com limões.

Então, o que acabaste de ver transformou-se nisto. E pensei: podemos contar uma história diferente. Ninguém viu isto ainda.

O resultado está completamente diferente e com a inclusão de algo tão simples.

Sim. Nápoles é uma cidade tão movimentada, grande, bonita e histórica. Sempre conheci este sítio no hotel e estava a pensar: “O que podemos fazer? Não podemos simplesmente ter uma rapariga sentada em primeiro plano com aquele cenário de fundo.” Andava pela cidade a pensar sozinho o tempo todo: “O que posso fazer de diferente?”

Então, de repente, pensei: “Com o que é que as pessoas associam Nápoles? Com comida, com culinária, com massa.” Depois pesquisei no Google ‘mulheres a comer massa’ para ver se havia algumas fotos inspiradoras que pudesse aproveitar. Na verdade, encontrei uma de uma famosa atriz italiana e disse: “É isto que vamos fazer. Vamos fazer uma fotografia onde ela está a comer massa e teremos Nápoles como pano de fundo.”

Mas isso só me surgiu quando estava a vaguear pela cidade. Então, foi isso que acabámos por fazer.

É a modelo Alessandra Ambrossio.

Sim, ela ainda é magra e comeu massa. [risos]

[Apresentar os assuntos de forma fresca, poderosa e inovadora] Acho que é uma necessidade. Caso contrário, as pessoas não vão querer ver o meu trabalho

Mas quando tudo é tão meticulosamente planeado, ainda há espaço para a espontaneidade e vulnerabilidade?

Espero que sim. Espero mesmo que sim. O Brad Pitt tem uma empresa de produção chamada Plan B Productions. Mas eu não estou no Plano B, estou no Plano F ou no Plano G. Por isso, temos de nos adaptar o tempo todo. Se chove, aproveita-se a chuva.

Tenta tirar proveito dos contratempos.

Sim. A palavra mais importante é adaptabilidade. Este é o Jeff Bezos à chuva e ele nunca foi fotografado assim antes.

Qual é o tempo mais longo que passou a trabalhar numa única fotografia? Como é que sabe que tirou a money shot?

Acho que é mais fácil dizer que sabemos os momentos em que não tirámos a money shot. A fotografia mais importante da minha vida é a que tirei no Sudão do Sul. Ela mudou a minha vida. Soube disso no momento em que a tirei, enquanto estava em cima daquela escada.

Isto foi tirado no Nilo, onde a terra é muito plana, e para conseguir criar alguma inclinação, sabia que tinha de trazer uma escada.

Falou sobre a importância dos ângulos e que não poupa esforços para tirar uma boa fotografia. É interessante ouvir esta explicação, porque o público não tem ideia do trabalho e do esforço necessários para criar uma imagem assim...

Depois do almoço, tenho um avião privado para me levar até Nápoles. Aconteça o que acontecer, há um grande jogo de futebol esta noite e, se Nápoles ganhar, haverá dois milhões de pessoas na praça principal. Por isso, a minha equipa colocou escadas por toda a praça principal para eu usar, para conseguir uma posição elevada. Porque, se estiver ao nível de todas as pessoas, não vou conseguir uma boa fotografia.

[Como fotógrafos devemos] ter muito medo do banal. Ter muito medo do que já foi feito antes

O que o inspira a apresentar os assuntos de forma fresca, poderosa e inovadora?

Acho que é uma necessidade. Caso contrário, as pessoas não vão querer ver o meu trabalho. Tens de as surpreender, de te desafiar o tempo todo. A única indústria que pode dar às pessoas mais do mesmo e ter sucesso é a restauração. Os restaurantes são bem sucedidos ao oferecer o mesmo menu. Quando as pessoas regressam, nem perguntam pelo menu porque já sabem o que querem.

Sim, porque é a nossa comida de conforto.

Não podes fazer isso no teu trabalho. Tens de variar e fazer coisas diferentes.

David Yarrow
David Yarrow créditos: David Yarrow

Storytelling, que é o tema desta exposição, também é o título de um dos seus livros. De que forma é que as fotografias aqui expostas estão relacionadas com esse lançamento?

Acho que tenho tentado tornar-me um melhor contador de histórias à medida que vou envelhecendo. Há fotografias que, se apenas capturam um momento no tempo, como um jogo desportivo ou a vida selvagem, é questionável se isso é uma história. É um pouco literal demais. Não é um trabalho interpretativo, mas literal, e por isso é questionável se é arte ou não.

Se tirares uma fotografia, como estas duas de vida selvagem, para que estejam numa parede de galeria, tem de haver algo mais do que uma imagem de um leopardo negro ou de um touro. Tem de ir mais além. Eu sou muito exigente.

Isto transcende porque os quatro pés estão no ar, ele está a voar na minha direção e está nítido. Aqui, porque estou tão perto e ele está a avançar contra mim, tens essa sensação de lugar, de localização. Isso permite contar mais uma história.

Mas acho que estamos sempre a tentar contar histórias autênticas e frescas. Isto é em Itália, em Palm Beach. Não é uma fotografia de ténis, é muito mais do que isso. É o que eu chamo um tableau. O tableau é quando todas as pessoas estão posicionada por mim. Eu crio e enceno estas fotografias, em vez de simplesmente as tirar.

Descreve-se como um contador de histórias. Considera que para contar uma grande história é necessário ser disruptivo?

Acho que tens de ultrapassar limites e ter muito medo do banal, do que já foi feito antes. Tenho muito receio de aborrecer as pessoas. Fico nervoso com isso. Por essa razão tento não o fazer.

A palavra número um no mundo da fotografia é emoção. Se uma fotografia não tem emoção, não tem muito valor

Desde 2017, angariou 18 milhões de dólares para instituições de caridade. O que o inspirou a juntar a sua paixão pela fotografia com a conservação da vida selvagem e o cancro pediátrico? Que legado pretende deixar?

Acho que a filantropia dá um sentido de propósito ao que fazemos. A minha ex-mulher, Carmen, é quem gere [a The David Yarrow Family Foundation] e a minha família está toda envolvida. Conhecemos pessoas maravilhosas, que tiveram vidas muito difíceis, e isso deve encher-nos de gratidão pelas nossas próprias vidas.

Sinto essa responsabilidade. Recebo muitas críticas porque, na fotografia, há muitas pessoas invejosas. Se fores piloto de Fórmula 1 no Mónaco, algumas pessoas têm um pouco de ódio, mas, no geral, admiram-nas. Não posso imaginar conduzir um carro a 320 km/h, mas como toda a gente acha que pode tirar fotografias, e muitos têm dificuldade em monetizar a sua arte, quando veem o que nós vendemos, percebo como alguns fotógrafos mais jovens, com sede financeira, ficam zangados.

Temos inimigos que estão à espera que eu cometa um erro. Mas a quantidade de dinheiro que damos de volta acho que nos resguarda um pouco, porque eles talvez dêem 100 libras aqui e ali, não 20 milhões. Por isso, acho que isso nos protege um pouco.

David Yarrow
David Yarrow créditos: David Yarrow

Agora dou menos dinheiro para a conservação ambiental do que antes, porque há muita política envolvida. Como disse antes, sou pragmático. Não gosto da forma como a Greta [Thunberg] fala com as pessoas, nem da política de muitos conservacionistas.

Por exemplo, em África há muita corrupção, mas na África Oriental tens dois grandes países coloniais, o Quénia e a Tanzânia. A Tanzânia permite caça, o Quénia não. Muitos conservacionistas concordam com a caça porque as concessões de caça preservam o habitat e permitem que mais animais vivam lá.

Mas se eu der dinheiro à Tanzânia, aparecem pessoas a dizer: ‘Como é que ousas fazer isso? És idiota? Entendes que ainda aprovam a caça?’ A realidade é que a caça é boa para a vida selvagem, mas não necessariamente para o caçador. E isso não quer dizer que eu apoie os caçadores, mas isso é outra questão.

Há muita política. Se deres dinheiro a um hospital de cancro pediátrico, ninguém te critica.

Mas fazer o bem e ajudar os outros, como valor universal, não devia ser posto em causa.

Sim. Conheço pessoas extraordinárias através da filantropia. A minha mulher esteve ontem com o Príncipe William, e isso não tinha acontecido de outra forma. Estavam a abrir algo juntos na Escócia. Somos muito sortudos pelas pessoas que conhecemos através da caridade.

A minha mentalidade é de gratidão e de tentar lembrar as pessoas de como o mundo é visualmente arrebatador

É descrito como um dos fotógrafos mais vendidos do mundo. O que significa este título para si?

Há muitos outros títulos que não gosto, como 'vencedor de prémios', porque o que isso quer dizer? Podes ganhar um prémio local. Podes ganhar um prémio numa escola. Acho que importa porque, se tens liderança no mercado, isso é uma forma de auto-propaganda. Se tens uma galeria em Nova Iorque querem dizer que este tipo está no topo porque não queres comprar uma obra do número 56. Tudo o que penso é que temos de continuar neste caminho, e temos de continuar a trabalhar muito.

Como fotógrafo, está sempre a olhar para fora.

Eu olho para ambos os lados.

Acha que a fotografia também o ajuda a conectar com o seu eu interior?

Sim, sou uma pessoa emocional. Choro em filmes de comédia estúpidos onde todos estão a rir e a chorar. Sou uma pessoa emocional, e espero que a lente olhe para os dois lados: olhe para fora e olhe para dentro também. A palavra número um no mundo da fotografia é emoção. Se uma fotografia não tem emoção, não tem muito valor.

David Yarrow
David Yarrow créditos: David Yarrow

Se as suas fotografias pudessem falar, para além de ser uma pessoa emotiva, o que diriam sobre si e sobre o tipo de pessoa que é?

Acho que é muito importante não te levares demasiado a sério, ter leveza, sorrir, ser duro contigo mesmo, mas estar sempre cheio de gratidão pelas oportunidades que surgem e ter muita energia. Toda a gente com quem trabalho tem muita energia.

Ao longo dos anos já contou muitas histórias. Que tipo de histórias sente vontade de contar este ano?  

Eu só quero relembrar as pessoas de que o mundo é um lugar bonito. Más notícias podemos encontrar em todo o lado. Mas eu não consigo acreditar que a vida em outro planeta consiga aproximar-se daquilo que temos aqui. Quer dizer, este é um lugar maravilhoso para viver. Temos muita sorte em viver aqui. Por isso, a minha mentalidade é de gratidão e de tentar lembrar as pessoas de como o mundo é visualmente arrebatador. Não quero contar histórias de refugiados sírios a chegar às praias da Grécia. Isso é algo para o The New York Times fazer. Quero celebrar mais, pensar nas coisas boas que acontecem por aqui.

Se eu conseguir tirar cinco boas fotografias por ano, é isso que quero

Qual a sua opinião sobre esta nova vaga de fotógrafos?

Vejo coisas no Instagram em que alguém diz: "Acabei de voltar de África e agora tenho de editar 16 mil fotografias." E eu fico a pensar: "Tiraste 16 mil fotografias?" Eu fui a África há pouco tempo, e quando voltei tinha tirado 16 fotografias. Por isso não ia demorar muito tempo a editá-las. Acho que o grande erro, nesta era de pluralidade, é que se tenta dar uma aparência muito trabalhada e cheia de ego a essa pluralidade. Se eu conseguir tirar cinco boas fotografias por ano, é isso que quero.

Portanto ‘mais é menos’.

Sim, menos é mais. E este ano tirei algumas que considero boas, mas acho que ainda precisamos de fazer grandes imagens na segunda metade do ano. Esse é o objetivo. Fizemos um bom trabalho até agora, mas podemos sempre fazer melhor.

Informações

Quando: 22 de maio de 1 de junho

Onde: Galeria pop up In The Pink, Rua Santo António à Estrela, 74

Horário: 10h00 e as 18h00

Preço: gratuito

Apesar de esta não ser a sua primeira vez em Portugal, que projetos de fotografia gostaria de desenvolver por cá?

Queremos fazer a fotografia da onda gigante quando for a altura certa e está na nossa lista de coisas a fazer para o último trimestre deste ano. O problema é que fico com a agenda cheia quando faço digressões pela América e outros projetos. Mas, se nos disserem que vem uma grande onda para a Nazaré, nós queremos ir porque parece espetacular. Esse é um projeto português que está na nossa lista.

[Fotografar a onda gigante da Nazaré] é um projeto português que está na nossa lista

Alguma vez teve a oportunidade de explorar este tipo de fotografia?

Não, mas acho muito estranha essa categorização. É só uma máquina fotográfica. É tudo uma questão de sentido de espaço, lugar, execução correta. Se me perguntares: "já fotografei surf?". Já fotografei dois Jogos Olímpicos, e isso é a maior parte dos desportos. Se posso fotografar um esquiador de downhill, também posso fotografar um surfista.

A minha questão é no sentido de saber se esse é um projeto que o entusiasma.

O próximo projeto tem de ser sempre entusiasmante. Caso contrário, não o faria. Não há nada pior que isso. Lembro-me da última vez que fui ao aeroporto de Nairobi [no Quénia], que é um dos piores aeroportos do mundo. Se estás a sair de Londres para Nairobi e não estás entusiasmado, isso significa que tens de parar de fazer aquela atividade em particular. E eu parei porque já tirei tantas fotografias de elefantes ou de hipopótamos enormes na minha vida. A questão era "Esses são os dois maiores elefantes do mundo juntos e vou ter dificuldade em superar isso." Tens de estar entusiasmado. E estou entusiasmado com aquilo que vai acontecer esta noite em Nápoles, por isso estou a fazer a coisa certa.