Sara, é uso dizer-se que no “início era o Verbo”. No caso da Sara, a sua relação com a escrita foi precoce e não envolveu apenas o Verbo. Quer partilhar connosco essas suas memórias infantis?
Sim. Foi uma relação que começou cedo. Acreditava muito que os adultos, e talvez ainda acredite um pouco, descredibilizavam muito do que as crianças diziam, então encontrei na escrita uma forma de ser “ouvida” sem interrupções. Começou de forma simplista, recados aos meus pais, pequenas cartas, registos de momentos muito felizes e de outros mais amargos, e essa abordagem foi-se mutando e adaptando ao meu crescimento.
“Ando distraída a pensar no que é ser pessoa”, escreve a Sara a abrir o seu livro. As suas distrações já a levaram ao caminho onde se consegue encontrar como pessoa? Como definiria essa pessoa?
Posso dizer que estou encontrada, mas usando o clichê “é um caminho”, ainda há muita coisa por descobrir e certamente hei de morrer sem conhecer todas as peças do meu puzzle. Sou uma pessoa muito feliz, ambiciosa e criativa. Gosto de desafios, apesar de isto trazer muitas vezes atrelado um par de receios [risos].
Porque nos diz que não consegue compreender as pessoas crescidas? É uma reflexão sobre si mesma?
Excelente leitura...sim. Inicialmente era uma incompreensão do outro, mas atingindo determinada idade, percebo que também eu sou feita de contradições. Irei mudar de opinião, cometer erros e questionar-me de coisas que tomava por certas. Os adultos não são seres divinos e esclarecidos, como acreditamos em idades mais jovens. Somos todos na verdade crianças camufladas.
O trabalho da Sara tem também uma forte componente visual. O desenho antecede a escrita ou é a escrita que motiva o desenho?
O desenho é, por norma, uma ilustração do texto/poema que nasce primeiro. Depende do contexto, por vezes surge uma ideia de trocadilho visual ou algo específico que quero ilustrar e o desenho vem antes, ou até sem conteúdo escrito anexado.
O que são as Taritices?
As Taritices são o projeto fundador da minha carreira como artista independente. O nome vem do meu apelido Tarita e é a coleção de ilustrações e respetivas memórias descritivas que comecei a partilhar no Instagram em 2018. Reflexões sobre a vida, em amor e humor.
Sobre as Fases Contou-me a Lua intitula o seu livro publicado com a chancela Manuscrito. Uma obra que a Sara quis dividir em quatro momentos, tantos quantas as fases que, ao que nos diz, são as da sua vida. Amor, perda, propósito e crescimento surgem-nos por esta ordem. Quer pormenorizar o porquê desta sequência?
Queria muito que o livro começasse e terminasse num tom esperançoso e essencialmente porque é a ordem mais lógica que dou às nossas fases, tudo leva ao crescimento.
Porque sentiu que chegara o momento de compilar poemas, escritos vários, entre outros textos, neste livro?
Tenho vindo a compilar de forma intencional nos últimos quatro anos. A ideia sempre foi o livro, só não se concretizou antes porque alguns textos acabaram descartados, queria compor as quatro fases de forma coerente, e porque na realidade, a ideia de partilhar vulnerabilidade num livro assustava-me. Mesmo que o faça diariamente na internet, é outro formato.
Há no seu livro uma mensagem endereçada a alguém em particular?
Não, não gosto de “enviar recados”. Escrevi sobre muitas situações e algumas pessoas que fizeram ou fazem parte da minha vida, mas não é nada direcionado. A intenção do livro é ter encaixe na realidade de quem o lê, uma espécie de colo, não desabafar sobre as minhas histórias.
Em certo momento lemos no seu livro: “sou boa com as palavras, mas tenho medo de algumas”. Quais são as palavras que a assustam?
Aquelas que são ditas para causar dano. Vivo (ainda) na utopia de que as pessoas são inatamente boas, quando oiço ou leio muita maldade, começo a ter algum receio do rumo da humanidade.
“Acontecem coisas estranhas quando me abro”. As palavras são da Sara. Porquê coisas estranhas? Ao verbalizá-las ou ao escrevê-las materializa territórios escondidos em si?
Sim. Escrever, não sendo terapia, é terapêutico. É o momento em que sai de nós qualquer coisa que só vivia na nossa cabeça, e por isso há alguma estranheza.
O amor tem de ser sempre grande? Motiva-nos esta pergunta uma expressão que retiramos do seu livro – “Se é pequeno, não é amor”. Não podemos ter “caixinhas” onde guardamos amores pequenos, quase envergonhados, que nunca assumem a coragem de se expressar?
Não sei se os amores que não se expressam são necessariamente pequenos [risos]. Acho que o amor tem muitos tamanhos, mas “pequeno” é demasiado redutor - passo o pleonasmo – para um sentimento tão complexo. Às vezes os amores envergonhados são os que ocupam mais espaço, só têm medo de sair da caixinha. Faz sentido? Na teoria é tudo muito simples.
Sara, a Lua reinicia perpetuamente o seu ciclo. Se hoje a vemos plena, amanhã sabemo-la minguante e há de estar nova, tão escura como o céu que lhe dá entorno. O seu livro termina com a fase de crescimento. O que se lhe seguirá?
Segue-se a vida, com todos os seus ciclos e previsibilidades. Tenho ainda muito que crescer e aprender.
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