A atriz brasileira Fernanda Montenegro fez há dias uma declaração cheia de significado político. Referindo-se à personagem lésbica que deverá interpretar em 2015 numa telenovela da Globo, a decana do teatro brasileiro afirmou, citada pelo jornal O Globo: “Meu grande amigo Sérgio Britto sempre dizia que odiava essa palavra [“gay”]. Que, para ele, foi a maior invenção preconceituosa para aliviar o preconceito homossexual. Achava que era uma palavra boba. Então, se eu fizer a novela, não serei um casal ‘gay’ com [a atriz] Nathalia [Timberg], mas, sim, um casal homossexual.”

Porque é que Fernanda Montenegro distingue as palavras “gay” e “homossexual”? Onde está a diferença? A diferença parece estar na ideologia.

O académico norte-americano David M. Halperin explica no ensaio How to Be Gay, publicado em 2012, que a palavra “gay” tem por objetivo neutralizar a identidade homossexual. 

“Ao identificar-me como ‘gay’ estou representar a minha sexualidade como uma componente neutra do meu ser social”, escreve David M. Halperin. “Neste sentido, é uma palavra respeitável cuja função é idêntica à da expressão ‘marido e mulher’: descreve uma identidade sexual sem chamar a atenção para as práticas sexuais que estão em causa.”

Prossegue o académico, nas páginas 74 a 76 daquele livro: “Dizer ‘gay’ permite que a minha sexualidade se declare no espaço público sob uma capa bem-educada, como um eufemismo.”

À superfície, “gay” é sinónimo de “homossexual” – na língua inglesa e na portuguesa. Ambas as palavras são usadas indiscriminadamente, ainda que nos EUA a comunicação social opte por escrever mais vezes “gay” em vez de “homossexual”.

O Livro de Estilo (conjunto de normas internas) do jornal “The New York Times” recomenda aos jornalistas a utilização preferencial de “gay”. “Homossexual utiliza-se quando é preciso referir atos sexuais e questões psicológicas ou clínicas.”

A agência de notícias Associated Press e o jornal The Washington Post têm a mesma política. Mas nem sempre foi assim. Até 1988, o New York Times escrevia quase sempre “homossexual”. A mudança deu-se por influência da GLAAD, associação de defesa de direitos homossexuais.

Há razões históricas que podem explicar o alegado sentido negativo de “homossexual”. David M. Halperin refere-se a isso: “Dizer ‘gay’ faz com que não seja necessário recorrer a uma linguagem pejorativa ou contaminada pelo discurso criminal, sociológico, médico ou moral, que cunhou palavras como pervertido, sodomita, psicopata, homossexual.”

A Encyclopedia of Homosexuality, de Wayne R. Dynes, aponta no mesmo sentido. “Alguns ativistas rejeitam energicamente o termo ‘homossexualidade’ porque acreditam, de forma errada, que este tem uma origem médica que comporta o estigma da homossexualidade como doença.”

A mesma enciclopédia, publicada nos EUA em 1990 e hoje disponível na internet, explica a origem de “gay”. No dialeto provençal, “gai” significava nobre ou elevado. No século XVII, em Inglaterra, “gay” passou a designar homens com muitas parceiras sexuais. No fim do século XIX, a palavra era aplicada a mulheres prostitutas. Daí até ser empregue a quem tivesse comportamentos sexuais não conformes às normas culturais vigentes foi um passo. A enciclopédia acrescenta que a aceção contemporânea de “gay” aparece nos EUA em 1933.

O reconhecimento da palavra por movimentos de libertação “gay” – que surgem de forma organizada em Nova Iorque a partir de 1969 – teve que ver com a apropriação e reinterpretação feitas por esses mesmos movimentos.

David M. Halperin tem uma leitura crítica desta mudança: “A promoção da identidade ‘gay’ em lugar da sexualidade ‘gay’ pode levar à construção de uma identidade ‘gay’ pública totalmente divorciada da ideia de sexo.” Ideia de sexo, essa, que a palavra “homossexual”, segundo o autor, transmite de forma mais fiel.

Bruno Horta