Penim Loureiro, ilustrador de banda desenhada e animação, começou por desenhar livros de divulgação em parceria com a comunidade científica, quando regressou à BD após 30 anos afastado da 9.ª arte. O mais recente trabalho que editou, há cerca de um mês (Umbigo do Mundo), é uma obra de ficção, em que todo o cenário se desenvolve em torno de um mundo dividido entre o norte e o sul, onde já não existem continentes, as cidades ficaram submersas e as mulheres morreram de um estranho vírus.

A obra de Penim tem sido fortemente influenciada pelas alterações climáticas, até porque na opinião do autor a sociedade não está economicamente adaptada a enfrentar mudanças “face ao rumo” dos acontecimentos e a arte pode “chegar mais depressa às pessoas e tocar mais profundamente e mais rapidamente”.

Em entrevista à agência Lusa na Biblioteca Orlando Ribeiro, em Telheiras (Lisboa), onde tem patente uma exposição, o ilustrador considerou que os artistas têm uma responsabilidade na sensibilização para um problema que afeta toda a sociedade, já que conseguem comunicar de uma forma “mais emotiva”.

Participou pela primeira vez num projeto de divulgação de ciência sobre os impactos das alterações climáticas, em 2014, em parceria com o biólogo Nuno Pinto, que escreveu o argumento para um livro de BD ilustrado por 10 autores, dirigido ao segmento infantojuvenil.

“A partir daí nunca mais parei. Em 2016 fiz outra história, também de informação, de divulgação de ciência, dedicada às alterações climáticas, mas esta já toda desenhada por mim e com argumento também pelo Bruno Pinto. Este já não dedicado apenas às alterações climáticas, mas agora também às adaptações, à mitigação que se pode fazer perante essas alterações”, explicou, ao falar do álbum Reportagem Especial (Troféu Central Comics 2016).

Este livro teve a participação de uma equipa de especialistas da Universidade de Lisboa e apresenta uma repórter de televisão que, ao fazer um trabalho de preparação para o Acordo de Paris (assinado em 2015), entende que o tema merece uma abordagem mais profunda. O enredo desenvolve-se através de uma reportagem pelo país em que são apresentados cenários de destruição de estufas por tempestades, cheias e outros fenómenos causados por alterações no clima.

O climatologista Filipe Duarte Santos, coordenador geral do trabalho, é um dos cientistas retratados no álbum, num guião que inclui uma história de amor entre a jornalista e o cético operador de imagem que a acompanha, mas que parte de acontecimentos reais ocorridos em Portugal.

No primeiro volume da série Umbigo do Mundo (Alma Mãe), Penim assina o texto em coautoria com o escritor Carlos Silva: “Já não é uma história sobre ciência, mas acaba por se inspirar muito nas consequências que num futuro — é uma história de ficção – poderão trazer, pelo menos à Europa, estas alterações climáticas”.

A primeira parte passa-se no sul da Europa, mas há mais dois volumes previstos, ao ritmo de um por ano, até 2023. O próximo capítulo vai desenvolver-se no norte da Europa, desvendou Penim.

“É uma Europa dividida por um enorme muro, que divide o norte do sul, o norte, obviamente, onde todos querem ir, o sul vítima da emigração, onde a subida das águas alterou a geometria económica da Europa, o poder desestruturou-se, cada um luta por si e daí o nome ´Umbigo do Mundo´, ou seja, cada pessoa pensa no seu umbigo, para cada pessoa o seu problema é o umbigo do mundo”, resumiu o autor.

A questão climática vai continuar a estar presente na obra de Penim, formado em arquitetura e professor de desenho em engenharia civil. “No momento em que eu vir que realmente a sociedade se calhar está toda já preparada para fazer essa mudança de paradigma se calhar já não passa a ser para mim uma prioridade, mas por enquanto ainda o é”, assumiu.

Por outro lado, disse, “grande parte da comunidade de cientistas, que normalmente divulgava trabalhos através de documentos, de análise, de revistas científicas, agora está também a mudar esse método e estão a mudar para pessoas que têm a responsabilidade da comunicação de ciências e que por sua vez, muitas vezes, utilizam meios bastante mais eficazes, mais emotivos, mais imediatos, mais intuitivos: a arte; a pintura, a dança, a literatura”.

Esta interação acaba por fazer com que também o meio científico comece a olhar a comunidade artística de outra forma, “percebendo que também tem alguma responsabilidade para poder sensibilizar e dar o seu contributo para a educação ambiental, no fundo”, frisou.

“Não há dúvida de que a arte é um veículo para sensibilizar as pessoas, para convencer as pessoas, para terem uma experiência mais emotiva, mais imersiva”, defendeu o artista: “Quando conseguimos pôr uma pessoa chocada ou rapidamente a perceber uma situação ou entrar no vocabulário de uma criança, é muito mais fácil passar a mensagem”.