Quando disse aos pais que queria ser toureira, os pais pensaram que era um capricho de menina.

Enganaram-se: Sonia Matias é uma toureira que nos enche de orgulho. No início sentiu-se discriminada por ser mulher, mas hoje já atingiu um nível em que é respeitada por todos.

O seu maior sonho é brilhar no México e em toda a América Latina, mas como quer continuar a evoluir e é muito sonhadora há-de lá chegar, porque tudo o que ambiciona ela consegue.

Está sempre elegantíssima. O seu peso não se altera um grama, como consegue?

Não faço nada para isso mas admito que a preparação física para as corridas ajude a minha boa forma. Passo muitas horas por dia a montar a cavalo e o calor é terrível, destila-se imenso.

A paixão pelos cavalos começa logo de pequenina. Foi influência do seu pai?

Não tinha ninguém na família relacionada com touros nem cavalos, mas os meus pais eram aficionados assíduos das quintas-feiras do Campo Pequeno.

Costumava ir com eles?

Ia e ficava deslumbrada. Logo muito novinha comecei a montar aqueles cavalinhos de aluguer, e, aos 13 anos, decidi que queria seguir esta profissão e tudo começou a partir daí.

Como convenceu o seu pai?

Inicialmente não foi nada fácil. Pensavam que era um capricho de menina e que o entusiasmo ia passar com o tempo. E quando começaram a tomar consciência de que não era só um capricho, assustaram-se.

Assusta ver um filho seguir uma profissão que envolve tantos riscos.

Quando viram que a minha convicção era tanta, foram aceitando aos poucos. Começaram por me comprar o primeiro cavalo quando eu tinha 13 anos e tudo foi evoluindo naturalmente.

Onde mora agora?

Estou a morar em Alcochete mas na altura morava em Lisboa num apartamento sem o mínimo de infra-estruturas para abraçar esta profissão. Daí o choque para a família. Mesmo sendo aficionados, os meus pais jamais imaginaram que eu ia enveredar por esta profissão.

Conseguiu estudar até quando?

Até terminar a licenciatura em Gestão de Ambiente.

Que nunca chegou a usar?

Não porque o meu principal objetivo sempre foi dedicar-me a tempo inteiro à profissão que eu gosto e considero um grande privilégio poder fazer o que gosto. Nem todas as pessoas, infelizmente, têm a sorte que eu tenho.

Entretanto o seu pai passou a ser seu empresário.

Consegui incutir esse gosto no meu pai e isso foi muito importante para a minha carreira porque é uma grande base de confiança.

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E conseguem não misturar o lado profissional com o lado pessoal? Ele é sempre seu pai…

Temos conseguido separar as águas e as coisas estão a resultar muito bem. Como eu costumo dizer, tenho o melhor apoderado do mundo.

Tem feito corridas em todo o lado?

Já fui a França, a Espanha, aos Estados Unidos, mas ainda me falta a América Latina e, em particular, o México que é o meu maior sonho, e hei-de lá chegar. Tudo com o seu tempo.

O facto de ser menina ajuda ou atrapalha?

No início não foi fácil porque era uma profissão exclusivamente masculina e eu fui a primeira mulher a tornar-me profissional. Alguns colegas não me recebiam com agrado, mas tudo se ultrapassou. O meu objetivo sempre foi atingir o meu patamar sem facilitismos. Nunca quis que me dessem o touro mais pequeno ou que me amaciassem as coisas… sempre quis estar em pé de igualdade. Hoje os meus colegas já me respeitam e tenho grandes amigos na Festa.

Já apanhou grandes sustos?

Vários e já tive lesões bastante graves. Este ano iniciei a época com uma grande colhida que me impediu de voltar de novo à arena e tive de ficar no hospital. Não parti nada mas sofri hematomas que ainda hoje estão a ser absorvidos pelo organismo…

Não teme que as sequelas dessas lesões se reflitam mais tarde?

Já sinto tantas dores. Ainda ontem caí e não ficou a doer-me nada mas hoje estou aflita, mal consigo andar. São mazelas antigas que se vão acumulando, ossos do ofício.

Quem corre por gosto não cansa?

Não cansa mesmo. Ainda ontem ficou tudo aflito quando eu caí e a primeira coisa que fiz foi levantar-me e voltar a pôr-me em cima do cavalo para tourear até ao fim. É como em tudo na vida: quando fazemos o que gostamos, por mais dificuldades que surjam, é sempre fácil contorná-las.

Como está a sua vida pessoal?

Está bem. Claro que gostava de me casar e ter filhos, mas quando se têm objetivos para atingir a nível profissional, vão-se adiando as coisas um bocadinho. Por outro lado, quando se pensa ter um filho, temos de abdicar de muitas coisas e ainda não estou preparada para isso.

Os seus pais já têm netos?

Não. Sou a filha mais velha e tenho um irmão e uma irmã, a Tânia tem 22 anos e o Pedro, 21. Tenho uns irmãos fantásticos que abdicaram de muitas coisas para acompanhar a minha profissão e vão a todas as corridas com um papel ativo: a minha irmã tem a função de moça de espadas que é quem trata da roupa, que dá agua, marca os hotéis e trata de toda a logística.

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Tem a família toda envolvida na sua profissão.

É verdade. O meu irmão trata dos cavalos e funciona junto dos empregados para ver se os cavalos estão bem, e medica-os se for preciso, ou seja, toma conta de toda a outra parte, e ambos estão a estudar.

Esta profissão é compensadora?

Não, é tudo muito caro, desde os empregados, aos fatos, à alimentação, ao veterinário, ao camião para os cavalos, e basta haver a perda de um cavalo para haver um prejuízo enorme. É preciso muito dinheiro, é por isso que antigamente só os ricos é que eram toureiros.

Hoje já consegue suportar todas estas despesas?

Consigo mas tem de haver uma grande orientação. Sou como a formiguinha, amealha no verão para comer no inverno.

Onde é que quer chegar?

O meu maior objetivo é a América Latina. A nível de Portugal tenho um patamar considerável, faço em média 40 corridas por ano, que é bastante bom.

Quem lhe deu a alternativa?

O João Moura, há onze anos.

Continua sempre feminina, sempre bonita. Nunca abdica disso, até coxa vem de saltos altos.

É verdade. Gosto muito de ser eu e de continuar a ser feminina mesmo dentro da arena. Há quatro anos optei por fazer um traje muito mais feminino e a Fátima Lopes desenhou-me uma casaca lindíssima que teve um impacto fantástico na Festa.

Quando está de férias o que a distrai?

Gosto de estar em sossego.

Nunca viaja?

Viajo normalmente no fim do ano e procuro sempre sítios calmos. Quando acaba a época aqui vou fazer corridas à Califórnia, e, da última vez, aproveitei estar nos Estados Unidos para ir ao Hawai.

Qual é o seu maior sonho?

Tourear no México.

Texto: Palmira Correia