É médica de medicina geral e familiar e abriu há cinco anos o Centro Clínico da Luz (CCL) no Cacém, cujas consultas divide com o filho, médico dentista. Consciente das dificuldades da região onde mora, Maria da Luz Ribeiro decidiu atender os doentes a um preço extremamente acessível para não privar as pessoas do seu direito à saúde. Fala com tanto entusiasmo da sua profissão que se percebe de imediato que não podia ter sido outra coisa na vida: Maria da Luz nasceu para ser médica!

Como é o seu percurso profissional?

Tive um consultório em Cascais durante 20 anos que dividia com o meu primeiro marido, cirurgião, pai do meu único filho que é médico dentista. Quando nos separámos, decidi fechar o consultório e ir morar para um quinta no Cacém onde abri há cinco anos o Centro Clinico da Luz (CCL).

Qual é a sua especialidade?

Sou estomatologista, e ainda trabalhei alguns anos em dentes, mas nunca deixei a clínica geral. Quando o meu filho terminou a medicina dentária, abri a CCL e começamos os dois a trabalhar: eu a dar consultas de clínica geral e ele na medicina dentária.

Só trabalha na sua clínica?

Também trabalho nos centros de saúde à volta do Cacém, onde me cruzo todos os dias com pessoas em sérias dificuldades económicas. Foi por isso que decidi fazer uma consulta baratíssima, apenas por 20€, para ajudar quem mais precisa e o Cacém é uma zona de grande pobreza.

Os centros de saúde não dão resposta às necessidades das pessoas?

De maneira nenhuma. Os doentes vão às três da manhã para a fila do Centro de Saúde para encontrar uma vaga para consulta e não encontram. Estou de rastos com isto. Podia sair daqui, ir trabalhar para qualquer parte do mundo, mas não quero desistir. Não quero abandonar o meu país.

Não pode ser tudo mau?

Claro que não. Tenho lidado com jovens médicos nas especialidades e renasci. Apanho-me a estudar para estar atualizada porque me interessa. Estive dois anos em Mafra e cheguei a estar sozinha com um enfermeiro a fazer urgências e adorei a experiência. É muito gratificante sentir que os doentes gostam de mim.

Vê-se que gosta do que faz!

Gosto muito. Quando era jovem, queria estudar belas artes porque sempre fui muito ligada às artes e tenho um sentido estético muito apurado. Só que aos 18 anos apaixonei-me pelo meu marido que me convenceu a ir para Medicina e foi fantástico! Tenho todas as potencialidades para me dedicar às pessoas.

O que a medicina lhe ensinou?

Tudo. E aprendi sobretudo que quando temos para dar, temos muito que fazer.  Toda a gente tem algo de bom para nos dar. Os meus doentes chegam à consulta a queixar-se e saem de lá outras pessoas. Todos gostam de desabafar comigo e eu também. Todos os dias faço psicoterapia.

E mexe nos doentes como os médicos de antigamente?

Claro que sim. Vejo desde crianças recém nascidas até pessoas muito velhinhas. Sinto que elas precisam desse toque para se sentirem confortadas. As funcionárias dos centros de saúde adoram ter-me lá porque eu nunca digo que não a ninguém, faz-me muita pena ver as pessoas irem para casa sem serem consultadas.

Já tem netos?

Ainda não, nem penso nisso, mas quando tiver, mudo de ideias. Temos de esperar o inesperado.

Está bem com a vida?

Muito bem. Embora esteja preocupada com a situação do país. Estou a aprender muito com a minha experiencia diária, porque a vida não é só ganhar dinheiro. Às vezes, a vida facilitada não deixar dar-lhe o valor que ela tem.

Gosta de trabalhar?

Gosto e quando não tenho que fazer não me sinto bem. Tenho uma vida muito intensa: acordo às seis da manhã e trabalho todos os dias 12 horas, faço o jantar quando chego a casa e antes ainda vou às compras. Tenho marido, filho, netos do marido, gatos, cães e não me queixo. Sou proactiva, detesto estar quieta.

O que lhe dá mais prazer na vida?

Gosto de estar rodeada de pessoas todas contentes. Em casa ouço muita música e temos um ecrã gigante para vermos óperas e concertos e isso preenche-me a alma. Tudo o que me enriquece culturalmente enche-me a alma. Perder tempo não é comigo, a vida tem de ser bem aproveitada.

Qual é a sua máxima?
Cada minuto tem de ser vivido como se fosse o último!

Tem medo de envelhecer?

Não. Ser velho é chorar o passado e eu não suporto velhos que choram e se queixam.

A situação do país está a deixar os portugueses mais doentes?

Completamente! O país está doente, está tudo deprimido. Os portugueses esquecem-se deles próprios. Lá fora somos potentes, damos as maiores provas, cá dentro só nos queixamos, e a televisão também é responsável por essa depressão generalizada em que o país está mergulhado.

Tem muitos amigos?

Tenho. Nasci em Moçambique e vivi lá até me casar. Ainda tenho amigos da minha terra e em todo o lado, até nos meus doentes. Os amigos dão-me imenso, sem eles não sobrevivo!

Como é o seu núcleo familiar?

O meu marido, o meu filho, a minha mãe, a minha irmã e os meus sobrinhos. Já perdi o meu pai e o meu irmão. O facto de termos vindo de Moçambique como retornados deu-nos muita força e ainda hoje nos reunimos em casa da minha mãe em Oeiras todas as semanas para manter o clã.

Que idade tem a sua mãe?
Tem 82 anos e vai ao ginásio todos os dias. Toda a gente a conhece.

É uma optimista?

Sou. Temos de saber ir buscar a parte boa da vida a qualquer lugar. O homem precisa de desenvolver a alma e o mais importante é sermos bons enquanto cá estamos.