Sente-se ansiosa se não verifica as mensagens que recebeu no email ou voice-mail nas últimas 12 horas?

Acha que não é capaz de fazer uma refeição sem a ajuda de gadgets? Fica perturbada se sabe que nas redondezas
não existe um multibanco?

Sente dificuldade em escrever sem ser ao computador ou em terminar uma pesquisa na Internet? Sente complexos
de inferioridade em relação a colegas mais tecnológicos?

Se as suas respostas a estas perguntas, lançadas por Michelle Weil e Larry Rosen na sua obra «Technostress:Coping with Technology @ Work @ Home @ Play», for sim, a sua relação com gadgets não é a mais saudável.

Esta perturbação, a que os especialistas chamam dependência grave das tecnologias, está cada vez mais presente nas novas fontes de stress. Vamos ajudá-la a escapar-lhe.

Mudança de atitude

Mudança de atitude

Na última década, o panorama à nossa volta tem vindo a sofrer alterações
em grande parte provocadas pela tecnologia: estamos mais alheadas do mundo, submersas em conversas telefónicas, enquanto atravessamos a rua, ou perdidas nas músicas do MP3, no autocarro a caminho do trabalho.

As denominadas TIC (Tecnologias de Informação e Comunicação) trouxeram «profundas alterações na forma como as pessoas se organizam
e vivem o seu dia-a-dia, tendo um grande impacto na maneira
como acabam por organizar o seu tempo e se relacionam com os outros», explica Maria do Carmo Gomes.

Segundo esta socióloga, algumas dessas alterações comportamentais são, por vezes, entendidas como «perniciosas e capazes de fazer com que as pessoas se isolem e deixem de comunicar com outras, passando a ser apenas seres humanos dependentes de máquinas». Uma ideia que pode, na opinião da especialista,
não ser a mais correcta.

Mais sociáveis?

Mais sociáveis?

Na opinião de Maria do Carmo Gomes, a forma como as TIC entraram
na nossa vida podem, pelo contrário, levar a um «aumento e a um reforço das redes de sociabilidade, redes essas por vezes muito mais alargadas e amplas do que se tinha antes de começar a utilizar as tecnologias
desta forma mais habitual».

Um exemplo claro está na Internet, já que a sua utilização, «de uma forma habitual e regular, faz com que as pessoas reforcem e intensifiquem as suas redes de comunicação e de sociabilidade».

Ainda assim, Vítor Rodrigues, psicólogo clínico, sublinha que as relações interpessoais «foram alteradas por completo». Enquanto antigamente
a perspectiva de uma longa deslocação, «para ir conversar
com uma pessoa querida, podia tornar mágico o tempo passado com ela», hoje em dia, «o menor impulso de comunicação satisfaz-se ao telemóvel com escassa preparação e valor».

Este especialista considera que existe uma facilidade
de alienação dos jovens que podem passar «horas infindáveis ao computador a jogar contra adversários virtuais, estando cada vez mais viciados
na Internet ou em videojogos».

Veja na página seguinte: A culpa é só da tecnologia?

Benção e maldição

Benção e maldição

Mas será que as tecnologias são, efectivamente, a causa de todos os males? Vítor Rodrigues não irá tão longe, mas defende que, «infelizmente para muitas pessoas», a tecnologia se tornou «sinónimo de coisa boa para consumir», razão pela qual acredita que a tecnologia moderna será, «simultaneamente, uma bênção e uma maldição».

A verdade é que, se por um lado «ela produz
muito conforto e muita qualidade de vida», por outro também cria «um volume enorme de consumos supérfluos e um impacto ambiental que ameaça a própria espécie humana».

Já a socióloga considera que a tecnologia está longe de ser a origem de todos os males. Maria do Carmo Gomes recorda que «as TIC mudam as sociedades porque as pessoas se apropriam delas» e essa apropriação altera-se «de acordo com as qualificações e as necessidades de cada um». Maria do Carmo Gomes defende que a maior parte dos medos que existem face às TIC.

Stress tecnológico

Stress tecnológico

Apesar desta habituação, a ansiedade resultante
da abstinência do uso de tecnologias é algo possível. Apesar de não existirem estudos nesse sentido em Portugal, Maria do Carmo Gomes considera que seria importante saber como vivem as pessoas sem as tecnologias, depois de se terem habituado a elas.

Na verdade, não ter a agenda do telemóvel disponível, «pode causar tanta angústia como não ter a antiga agenda em papel», exemplifica.
Outro aspecto considerado «verdadeiramente
stressante», por Maria do Carmo Gomes, «é a questão da mobilidade e da urgência da resposta».

A ideia de comunicação on-line, instantânea, acaba por «provocar pressão, no sentido de se ter respostas urgentes, de arranjar soluções imediatas». São muitas as pessoas que sentem necessidade
de responder a um email no exacto momento em que o recebem, sendo que, «se não o fizerem, essa situação pode causar-lhes stress».

Também o facto de se estar a apostar cada vez mais na mobilidade, «leva a que todos os tempos da nossa vida sejam sempre inundados com as diferentes possibilidades que as TIC oferecem, criando um adensar de comunicação
para o qual os seres humanos podem não estar preparados», acrescenta.

Regras e códigos

Regras e códigos

A criação de um código de conduta capaz de permitir lidar com este tipo de problemática seria uma resposta talvez exagerada, embora
Vítor Rodrigues considere que, da parte dos fabricantes, seria interessante que, antes do seu lançamento, cada novo produto fosse estudado «quanto ao seu potencial para viciar e alterar as relações pessoais e sociais».

Maria do Carmo Gomes sublinha que existe já um conjunto de regras que balizam a utilização, por exemplo, dos telemóveis. Segundo um estudo realizado pelo Instituto Superior de Ciências do Trabalho e Empresas (ISCTE), questionadas sobre os locais onde seria importante ter este tipo de aparelhos sempre desligados, os inquiridos não hesitavam:

«Deviam desligar-se nas cerimónias fúnebres ou nas igrejas». No entanto, curiosamente, as actividades lúdicas e de lazer não estavam contempladas neste caso.

Texto: Claudia Marina com Vítor Rodrigues (psicólogo) e Maria do Carmo Gomes (socióloga e investigadora do CIES-ISCTE)