O terceiro curso mais famoso da Universidade de Harvard em Cambridge, Massachusetts, nos EUA, é, agora, um livro. Falamos de «O Caminho da Vida», escrito a quatro mãos por Michael Puett, professor catedrático de história chinesa na universidade, em parceria com Christine Gross-Loth, jornalista e escritora. Esta obra é uma autêntica viagem pelo pensamento de vários filósofos chineses que viveram há séculos, tal como são as aulas do autor no seu concorrido curso de filosofia chinesa, onde não existem apontamentos, diapositivos e leituras obrigatórias.

Nessas aulas, há apenas conversa sobre os escritos dos filósofos e uma promessa de Michael Puett. «Se levarem a sério as ideias contidas nestes textos, elas mudarão a vossa vida», assegura o docente universitário norte-americano. O objetivo do professor, muito requisitado nos EUA, é fazer crescer os seus alunos, para estes serem melhores pessoas e, com isso, melhorar toda a sociedade.

Nós e os outros

Confúcio, Mêncio, Lao-Tsé, Zhuangzi e Xunzi são alguns dos filósofos que surgem no livro e cada um tem um caminho próprio para atingir o objetivo atrás proposto. Será que isto não deixará os leitores confusos? Foi com esta interrogação que começámos a conversa com Michael Puett e Christine Gross-Loth, aquando da sua passagem por Portugal em 2016. O professor de Harvard não tem dúvidas, ideias diferentes não representam qualquer problema. Muito pelo contrário!

«É muito estimulante, porque nenhum revela um caminho claro a seguir, mas dão ideias, e o que nós queremos é que as pessoas rompam com o que pensam que são e com o que pensam que os outros são», refere. «Mais do que sabermos quem somos», continua Michael Puett, «é preciso olharmos também para os outros. Centrar-nos em nós, criou uma sociedade narcisista e isso gerou uma sociedade triste», acrescenta.

De acordo com as teorias dos filósofos chineses, a sociedade atual caracteriza-se por um conjunto de rotinas e padrões que nos prendem e dizem «Eu sou assim e devo ser feliz por ser quem sou», em vez de nos incentivar a mudar, como explica o professor de Harvard. «Perseguir a felicidade é muito limitador porque estamos em constante mudança e o que nos faz felizes hoje, pode não o fazer amanhã. Se nos concentrarmos no que nos faz feliz num determinado momento, deixamos de lado todas as outras coisas que também nos poderiam fazer felizes», acrescenta Christine Gross-Loth.

A (atual) crise de pensamentos

Na opinião de Michael Puett, esta corrente de pensamento atual foi abalada pela crise económica e obrigou muitas pessoas a seguirem caminhos diferentes. «A crise fez-nos despertar para o perigo deste sistema económico e, também, para o perigo da sociedade que estamos a criar. Muitas pessoas tiveram que seguir caminhos diferentes daqueles que tinham calculado para si e até então pensava-se que tínhamos resolvido os problemas do mundo, mas não, estes estavam a crescer e todos fomos complacentes», confirma o professor.

«Estamos a viver em piloto automático, sempre com as mesmas rotinas», acrescenta Christine Gross-Loth. E o que os filósofos orientais aconselhavam «era a prestar atenção às pequenas coisas do quotidiano e até a esquecer o mindfulness, onde nos centramos no momento presente». Para Michael Puett, os filósofos chineses diriam que «os seres humanos são muito confusos, repletos de emoções, disposições, desejos e capacidades».

«E, porque somos confusos, quando interagimos com outras pessoas, estamos continuamente a provocar respostas. O que nos define é a forma como interagimos com o mundo. Se alguém sorri para mim, isso provoca uma reação boa em mim, o contrário acontece se alguém franze as sobrancelhas», exemplifica.

Na verdade, as relações que construímos e as atividades em que nos envolvemos definem quem somos. Com o passar do tempo e com as experiências, tornamo-nos diferentes. «A nossa personalidade é formada a partir dessas interações e dá origem a comportamentos estereotipados, os quais devemos quebrar se não vamos passar a vida a responder da mesma forma e não evoluímos», salienta o professor de Harvard.

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O treino de emoções que se exige

A solução passa por, de acordo com Michael Puett, «treinar as emoções e a forma como reagimos a determinado problema. Em vez de nos chatearmos, de nos zangarmos ou ficarmos tristes, podemos respirar e acalmar-nos para responder calmamente e ganhar controlo, em vez de responder mal e alimentar uma discussão que não terá fim, porque ninguém quer dar o braço a torcer», defende.

Prestar atenção às pessoas que estão à nossa volta, «evita que caiamos sempre nos mesmos erros e, ao mudarmos a forma de interagir com os outros, evitam-se conflitos», diz o professor. Há gestos tão simples, de acordo com Michael Puett, que podem melhorar os nossos dias e o das outras pessoas. «Dizer bom dia quando se entra no autocarro, sorrir a um desconhecido ou segurar uma porta para quem vem a seguir», exemplifica.

Terminámos a nossa conversa, tal como a começámos, com uma provocação. Mas será que hoje em dia a China é assim tão diferente do que era no passado? «Durante o século passado, rejeitou-se por completo o passado. Primeiro, foi a revolução comunista. Depois, o neoliberalismo onde tudo passou a ter um preço mas, na última década, as coisas têm vindo a mudar», assegura.

«Os textos dos filósofos votaram a ser debatidos e a tradição ganhou importância», remata Michael Puett, que quer continuar a mudar a vida de todos nós com pequenos (mas grandes) ensinamentos orientais. Veja também o artigo que defende que deve abraçar o otimismo em nome da sua saúde mental e a galeria de imagens que lhe aponta 7 passos (verdadeiramente) essenciais para um bem-estar maior.

Texto: Rita Caetano