É pediatra de formação mas ao longo de 40 anos de carreira não limitou a atenção aos mais pequenos. Autor de diversos livros sobre a família e conhecido pelas suas posições firmes e por vezes controversas face à educação, Aldo Nauori debruçou-se sobre um dos temas mais comentados e satirizados de todos os tempos, as sogras, para escrever «Les belles-mères, les beaux-pères, leurs brus et leurs genres».
«As sogras, os sogros, as suas noras e os seus genros», em tradução literal, lançado originalmente em setembro de 2011, foi pretexto para uma conversa com a Saber Viver para abordar um tipo de relacionamento que, desde os primórdios dos tempos, nem sempre é dos mais fáceis, estando muitas vezes na origem de picardias e de discórdias familiares.
Por que razão resolveu escrever este livro?
Porque, ao longo de toda a minha carreira, ouvi os recém-pais queixarem-se das sogras e as recém-avós queixarem-se dos seus genros e noras. Porque passei todos os meses de janeiro a reconciliar casais em risco de rutura por causa das festas familiares de fim de ano.
Quando pesquisou expressões usadas em várias línguas para designar os laços familiares o que mais o surpreendeu?
As palavras francesas para sogra (belle-mère), sogro (beau-père), nora (belle-fille) e genro (beau-fils).
Porquê?
Porque não percebi o que a estética tinha a ver com isto. Primeiro, fiquei surpreso e depois constatei o carácter universal desta tensão entre indivíduos, apesar de tudo, designados aliados. Quando a linguística não revelava diretamente a tensão presente nestes laços, eram os provérbios ou as anedotas que davam continuidade à ideia. O mais extraordinário foi o significado do ideograma chinês que designa a nora como aquela que varre.
Qual é o estatuto das sogras hoje em dia?
São aquilo que sempre foram, embora o seu poder seja menor. A tensão persiste, mas no que respeita ao seu poder tive de chegar ao fim da investigação para concluir que a sogra da nora já não tem praticamente qualquer poder, ao passo que a sogra do genro tem mais poder do que nunca.
Distingue dois tipos de sogra. A da nora e a do genro. Existem diferenças?
Sim, muito evidentes. A nora não suporta a intervenção da sogra no seu casamento, enquanto aceita e considera normal a intervenção da mãe. Como se pensasse que o seu parceiro não devesse ter mãe e que a única mãe admitida seja a sua. Podemos afirmar que se trata de uma história de mulheres que apenas se toleram se são verdadeiramente próximas.
Veja na página seguinte: O papel do sogro
Qual é o papel do sogro?
Regra geral modesto. E, aliás, pouco ouvido, porque é conciliador tanto com a nora como com o genro. O que contradiz a ideia de que a tensão entre a sogra e a nora resulta do facto de serem duas mulheres que amam, ainda que de forma distinta, o mesmo homem. Por que razão no caso do sogro e do genro (que amam a mesma mulher também de forma distinta) existe um bom entendimento?
Define o casamento como a aliança entre duas famílias para toda a vida mas, mais adiante, refere que «uma relação termina a cada 30 segundos na Europa». Numa família reconstituída, como podemos renovar esta aliança?
Nos casos de famílias compostas, o facto de uma nora ter tido várias sogras equivale a não ter nenhuma. A sogra da nora desaparece, mas permanece em cena e impossível de afastar a sogra do genro, ou seja, a avó materna. Assistimos aqui ao triunfo do matriarcado.
Como podemos estabelecer um bom relacionamento com sogros?
É importante recordar e restaurar a diferença geracional. Não é assim tão simples hoje em dia, em que cada um mantém uma mentalidade adolescente e não compreende que deve mostrar respeito pelos mais velhos.
No primeiro contacto, genro e nora agem da mesma forma?
O genro, geralmente, supera esta dificuldade ao seduzir um pouco a sogra que, por sua vez, não hesita em seduzi-lo para dissuadi-lo de tomar o partido da sua filha contra ela. Quanto à nora, não lhe resta outra alternativa senão mostrar um respeito irrepreensível pela sogra. É esta atitude que lhe permitirá obter em retorno o seu respeito e não submeter o parceiro a uma divisão insuportável.
No seu livro refere que, muitas vezes, o entendimento entre as famílias não passa da fase de apresentações...
Se este entendimento entre as famílias não perdura é porque cada uma censura a outra por, supostamente, desejar absorver o seu filho. Os sogros de genro recearão que a família dele queira afastá-los da sua filha e vice-versa. Isto não existe nas sociedades onde há regras rígidas, que cada um aceita.
Nas sociedades árabes, o casamento afasta radicalmente a filha dos seus pais. Na maioria das sociedades ocidentais, sucede o inverso, mas não é algo oficial. As boas relações com as sogras existem quando as famílias que se unem seguem a linha do patriarcado.
Quem tem mais facilidade em lidar com a família do parceiro, o genro ou a nora?
Podemos considerar que é o genro, porque é menos reativo e acomoda-se à presença e até à intervenção da sogra. Isto sem contar com o facto de ter uma relação fácil com o sogro. A nora, que pode até apreciar o sogro, não suporta a sensação de ser desmascarada, o que em parte é verdade, pela sua sogra.
Veja na página seguinte: Quando noras e sogras se dão bem
O que explica que algumas noras se entendam bem com as sogras?
Passa-se sempre dessa forma quando a nora teve um pai reconhecido como tal pela sua mãe e a sogra beneficiou da mesma vantagem. Outra situação, contrária à anterior, acontece quando a nora e a sogra fazem uma guerra comum ao masculino.
Que indícios revelam estarmos perante uma sogra problemática?
Não é preciso procurar muito longe. É aquela que não cortou o cordão com o seu filho ou filha e que se autoriza a invadir a vida do casal.
Como podemos mostrar ao parceiro que a sua mãe tem má influência no casal?
A única forma de o conseguir consiste em falar e em tentar examinar a situação sob todos os prismas e sem ideias pré-concebidas. Dizer claramente que isso não tem nada a ver com o amor que sentimos ou com a ligação que temos e que nada disso deve ser posto em causa.
Não se trata de fazer o julgamento das pessoas mas o balanço dos laços que as unem. Não podemos esquecer que a formação de um casal muda o papel de cada um. A pessoa já não é filha dos seus pais mas, acima de tudo, parceira do seu cônjuge.
Em Portugal, é comum dizer-se a família não se escolhe. Devemos tolerar tudo?
Defendo que a vida de casal é uma aventura difícil mas incrivelmente formadora. Cada elemento do casal tem por missão ajudar o outro a manter a distância certa dos seus pais. Pode fazê-lo ao interpor-se entre os seus sogros e o seu parceiro. É uma questão de sensibilidade e subtileza.
E, é claro, não é proibido impor limites. O pior erro é querer fazê-lo logo no início. Os pais são seres ansiosos que é preciso domar sem deixar que ultrapassem os limites.
Após ter feito um retrato da humanidade, diz que não evoluímos e que estamos em risco de regressão. Porquê?
Afirmo, sobretudo, que acreditamos ter evoluído ao ritmo do progresso tecnológico, o que é um erro, uma vez que continuamos a ser movidos pelo egocentrismo, pulsões e a relação com o prazer. O individualismo narcisista que se desenvolveu, e que continuará a crescer, nas nossas sociedades é o sinal mais evidente desta regressão. A partir de agora é cada um por si… E já nem sequer Deus por todos!
Veja na página seguinte: Qual das sogras corre maior perigo
Podemos dizer que a sogra está em vias de extinção?
Sim. Mais concretamente a sogra da nora. Contudo, a sogra de genro também corre esse risco, devido ao desaparecimento do ou dos genros. A única que resta é a avó, a mãe e a criança, como no famoso quadro de Leonardo da Vinci.
Qual é o segredo de uma relação saudável entre as sogras, sogros, noras e genros?
O respeito que cada um deve mostrar pela liberdade e dignidade de cada um dos outros.
A chegada de um bebé muda a vida de um casal. O que diria aos recém-pais?
Daria um só conselho. Não pensem na criança primeiro mas no casal primeiro, em todas as circunstâncias. O que implica retomar, o mais rápido possível, a vida de casal e zelar pela sua manutenção.
Afirma que o laço mãe-filho é mais forte do que o laço pai-filho. Porquê?
O laço mãe-filho é um laço biológico, natural e que existe desde sempre. O laço pai-filho é um laço tardio na história da nossa espécie. É um laço cultural. Claude Lévi-Strauss definia o casal como «a união dramática entre a natureza e a cultura». O pai da criança é aquele que é designado pela mãe como tal. Se ela não o fizer, ele será simplesmente o progenitor e não poderá criar laços sólidos.
Qual é o papel do pai?
Hoje em dia, o pai está quase condenado a ser uma segunda mãe. Visto não ter um laço biológico tangível com a criança (não foi ele que a carregou no ventre nem que ficou registado no cérebro do bebé desde a décima-sexta semana de gestação), ele faz o que pode para encontrar um lugar.
Ora, o único lugar que tem algum valor é o de ser um bom amante da mãe, recordá-la da sua feminilidade e distraí-la, assim, do seu filho. É principalmente desta forma que ele se interpõe e liberta a criança.
Quem é Aldo Naouri
Nasceu na Líbia mas é em França que tem vivido grande parte da sua vida. Exerceu pediatria durante mais de 40 anos em Paris e o seu interesse pela psicanálise levou-o a aplicar esta disciplina no seu trabalho. Aldo Naouri tem mais de uma dezena de livros publicados. Em Portugal, o autor conta com várias obras traduzidas, sendo «Educar os filhos – Uma urgência nos dias que correm» (Livros d'Hoje), uma das mais emblemáticas.
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