Não existem dados oficiais estruturados e organizados mas estima-se que ande perto de um milhão o número de doentes vítimas de doença renal em Portugal.
Nas últimas décadas, no entanto, o número de pessoas a viver só com um rim ou com um rim transplantado cirurgicamente aumentou consideravelmente.
Em entrevista à Prevenir, Fernanda Carvalho, vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Nefrologia, explica em que situações se pode recorrer a um transplante renal, enuncia os principais fatores de risco da perda de função renal e desmistifica a ideia de que é mesmo necessário ter dois rins.
Em que casos é necessário recorrer a um transplante renal?
A partir de certo grau de insuficiência renal crónica (estádio 5), o doente tem duas opções, fazer diálise ou submeter-se a um transplante renal. A maior parte das pessoas que sofrem desta patologia vê com agrado a segunda possibilidade porque lhes permite ter um estilo de vida mais independente (não têm que ir fazer diálise 3 vezes por semana) e uma dieta menos restritiva.
Contudo, há que ter em consideração que existem condicionantes. O doente tem de estar disposto a ir a todas as consultas e a fazer todos os exames necessários à preparação para a transplantação. Tem de estar preparado para esperar semanas, meses e mesmo anos pelo aparecimento de um órgão compatível, tem de cumprir rigorosamente todas as instruções dos seus médicos após a transplantação e tem de estar disposto a tomar medicamentos para a resto da sua vida.
Se a pessoa que sofre de insuficiência renal estiver determinada a acatar estas etapas, está pronta para a avaliação pré-transplante que definirá se é um bom candidato, ou seja, se tem as condições clínicas exigidas para ser submetido a uma cirurgia. Todo o paciente renal crónico pode submeter-se a um transplante desde que possa suportar uma cirurgia, não tenha lesões noutros órgãos que impeçam o transplante, como cirrose, cancro ou acidentes vasculares e não tenha problemas imunológicos.
Como se processa um transplante renal? Quais são as maiores complexidades e os maiores perigos que esta cirurgia encerra?
No dia do transplante, o doente faz a preparação habitual para uma cirurgia, são -lhe feitas análises, radiografia do torax, electrocardiograma, é-lhe explicado o que vai fazer e faz um exame físico. Ainda no pré-transplante começa a fazer medicação. Depois da cirurgia é natural que o doente sinta desconforto e dores mas estes sintomas tendem a desaparecer nos dias seguintes.
Apesar do período de recuperação de uma cirurgia de transplante renal ser variável, por norma, se não existirem complicações, o internamento dura uma a duas semanas. Para o organismo do doente transplantado o novo rim é um órgão estranho que o sistema imunológico não conhece e tende a rejeitar. Por isso, é imprescindível que o doente tome, para toda a vida, imunossupressores.
Esta medicação, receitada imediatamente a seguir ao transplante, vai sendo reduzida mediante o comportamento do organismo. O doente vai a consultas periódicas e, através de análises e do exame físico, sabe-se se o rim está bem funcionante. Frequentemente, se a função do rim se deteriora, será necessário efetuar uma biópsia do rim para averiguar a causa da insuficiência renal e atuar rapidamente.
É possível viver apenas com um rim sem limitações? Nessas situações, que tipos de cuidados as pessoas devem ter? O que é que podem e o que é que não podem fazer?
Estudos internacionais recentes estimam que uma em cada 750 pessoas nasce apenas com um rim e que, apesar de ser recomendada a alimentação e estilo de vida saudáveis e análises periódicas ao sangue e urina e medição pressão arterial (como a qualquer pessoa com os dois rins), estas pessoas vivem de forma normal, sem restrições ou qualquer medida extraordinária de precaução.
A campanha que assinalou o Dia Mundial do Rim em 2012, «Doar – Rins para a Vida – Receber», teve o objectivo de destacar os resultados positivos do transplante renal e o facto de a doação salvar vidas porque a percentagem de dadores que têm de fazer diálise ao fim de 20, 30 ou 40 anos é de 0,1 por cento.
Quais são os principais fatores de risco da perda de função renal?
A ingestão frequente e excessiva de álcool, sal, gordura e consumo excessivo de tabaco, a vida sedentária e a prevalência de uma alimentação deficitária são factores que, associados à incidência de diabetes, hipertensão arterial e obesidade, fazem com que haja um sério risco de ser ou vir a ser futuramente um doente renal crónico.
Quais são as causas mais frequentes para a doença renal crónica? Que situações é que podem estar na origem de uma situação de falência renal?
As principais doenças que afetam os rins de uma forma crónica estão relacionadas com a diabetes mellitus, sobretudo a diabetes tipo 2, além da hipertensão arterial. Num patamar imediatamente a seguir estão as doenças vulgarmente chamadas de nefrites, de que são exemplo, as pielonefrites associadas à litíase urinária (cálculos renais) e as glomerulonefrites. A maior parte destas não têm uma causa identificada. Finalmente, estão as doenças hereditárias, de que é exemplo principal, a doença renal poliquística.
Como podemos evitar o aparecimento da doença?
A melhor forma de prevenir o aparecimento das patologias de foro renal é a adoção de estilos de vida saudáveis como a prática de exercício físico, uma alimentação variada, com alimentos frescos, rica em vegetais e frutos, e pobre em gorduras, sem excesso de proteínas e com pouco sal, limitar a ingestão de álcool, não fumar e controlar a hipertensão arterial e a diabetes.
É também aconselhável que as pessoas sejam examinadas periodicamente e que façam análises simples de sangue e urina.
Estas atitudes preventivas serão fundamentais para detetar e travar qualquer sintoma de doença crónica renal.
Em termos terapêuticos e/ou farmacológicos, quais as lacunas em termos de tratamentos que ainda existem atualmente? O que é que, na sua opinião, deveria ser prioritário?
A terapêutica farmacológica no transplante renal tem evoluído muito ao longo dos anos. Os benefícios dessa evolução, registam-se sobretudo ao nível da melhor aceitação, pelo receptor, do rim estranho, digamos assim, que tende sempre a rejeitar. Na última década com o advento de novas drogas imunossupressoras, tem-se verificado uma notável diminuição do número de rejeições do enxerto renal.
Deste facto decorre a curto/ médio prazo uma maior sobrevida do rim enxertado e uma melhor qualidade de vida para o receptor. Contudo, em alguns transplantados, a longo prazo, outros problemas surgem no órgão enxertado (a rejeição crónica), para os quais os fármacos de que dispomos, ainda não conseguem ultrapassar de forma tão eficaz.
O avanço no conhecimento do funcionamento do complexo sistema imunológico, bem como dos mecanismos causais da rejeição crónica e o investimento em drogas mais eficazes e menos agressivas para os doentes, constituem actualmente o cerne da investigação na área do transplante renal. Outro ponto importante na terapêutica do transplante é o custo da medicação imunossupressora.
Nesta área económica, dois aspectos poderão reduzir os custos sem alterar a eficácia terapêutica. Por um lado incentivar o transplante de dador vivo aparentado (menor risco de rejeição) e, por outro, a opção, já em vigor, em alguns hospitais, por fármacos genéricos de qualidade testada e comprovada.
Quais são as condições essenciais para ser doador de um rim? Qualquer pessoa pode sê-lo?
A doação pode ser feita por pessoas vivas e pessoas em morte cerebral. O doador vivo pode ser da família (pai, mãe, irmão e/ou filhos).
Atualmente já podem ser realizados transplantes com doador vivo não relacionado, como os cônjuges. Nesses casos, a investigação realizada é mais elaborada e deve haver algum grau de compatibilidade dos tecidos para não haver rejeição.
Os dadores vivos devem ser cuidadosamente analisados, não só para garantir que são compatíveis com o recetor mas também para acautelar que são suficientemente saudáveis para viverem apenas com um rim. Se a seleção do dador for feita de forma correta a transplantação tem poucos riscos e é um ato bastante gratificante porque salva a vida de uma pessoa e tem consequências mínimas para o dador. Apenas 0,1% dos dadores podem vir a ter problemas renais.
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