Qual é o balanço que faz da transplantação em Portugal?

Realizam-se transplantes de forma regular em Portugal desde 1980, ano em que foram efectuados os primeiros 2 transplantes renais com rim de cadáver. Mas, em 1969, Linhares Furtado já tinha realizado um primeiro transplante renal.

Ao longo dos mais de 30 anos de actividade transplantadora em Portugal, largos milhares de doentes beneficiaram de transplantes de rim, fígado, coração, pulmão, pâncreas, córnea e medula. Diversas unidades de transplantação efectuam os mais diversos tipos de transplante com qualidade ao nível das melhores unidades de transplantação internacionais.

As taxas de transplantação em Portugal são elevadas e, só em 2009, realizaram-se nos hospitais portugueses mais de mil transplantes, o que significa um aumento de 8,2% em relação a 2008. Em 2009, foram realizados 47 transplantes cardíacos, 595 renais, 255 de fígado, 11 de pulmão, 20 de pâncreas, 755 de córnea e 423 de medula.

No transplante renal e no transplante hepático Portugal está nos lugares cimeiros nas taxas de transplantação. Isto deve-se ao facto de Portugal possuir uma das maiores taxas de doações a nível mundial: 31 por cada milhão de habitantes. No entanto deve referir-se que a doação de órgãos provém principalmente da colheita em cadáver sendo os níveis de doação em vida inferiores ao desejável.

O que significa ser dador vivo?

A lei portuguesa, revista há poucos anos, permite que qualquer pessoa, como cônjuges ou amigos, possam ser dador de órgãos em vida, independentemente de haver relação de consanguinidade. Em geral, o dador deverá ser um indivíduo saudável, mentalmente capaz de afirmar a sua vontade de doação, sem pressões de ordem emocional ou socioeconómica.

Este processo requer sempre uma entrevista ao dador e ao receptor pelas entidades hospitalares para a Verificação da Admissibilidade ao Transplante e uma completa avaliação clínica, social e psicológica dos dadores. A doação em vida mais comum é a de rins. A doação de um rim é um processo relativamente seguro para um dador saudável.

Existem ainda assim alguns riscos inerentes ao acto cirúrgico que devem ser sempre bem compreendidos por todos os envolvidos neste processo para que possam fornecer o consentimento informado. São também efectuados transplantes de fracções de fígado e tecido pulmonar provenientes de dadores vivos, mas com muito menos frequência e com maior risco do que na doação de rim.

Que medidas devem ser tomadas para que haja mais dadores vivos?

A Sociedade Portuguesa de Transplantação tem vindo a reunir esforços realizando e apoiando campanhas de sensibilização da população e dos profissionais de saúde para esta necessidade. Recentemente, a 20 de Julho de 2010, foi celebrado o Dia do Transplante e lançada uma petição para institucionalizar esta data. Acreditamos que o esclarecimento de todo o procedimento permite que cada vez mais pessoas se sintam à vontade para se tornarem potenciais dadores.

A aprovação recente da Portaria n.º 802 2010 pelo Ministério da Saúde, que cria o Programa Nacional de Doação Renal Cruzada (PNDRC) para inscrição de pares dador-receptor de rim e respectiva alocação cruzada, poderá ser mais um contributo para o aumento da doação de rins em vida. As campanhas realizadas em torno da medula óssea, que apesar de não ser um órgão também é um transplante em vida, são um exemplo da eficácia dos programas de promoção da doação junto da população.

Quais são os órgãos e tecidos que têm uma maior lista de espera?

A lista de espera existe essencialmente para o transplante renal pois os doentes podem manter-se vivos durante muitos anos através das técnicas de diálise. Actualmente, em Portugal existem mais de 10000 doentes a realizar hemodiálise ou diálise peritoneal. Desses, cerca de 20 a 25% têm condições de ordem clínica para serem transplantados e assim estão em lista de espera até que lhes surja um rim compatível.

A espera é variável e depende de diversos factores como o tempo em diálise, a idade com prioridade em receptores pediátricos e critérios imunológicos em que estão incluídas as compatibilidades e o grau prévio de sensibilização. Apesar do tempo de espera ainda ser elevado nos anos de 2008 e 2009 a lista de espera para transplante renal não aumentou e em 2009 verificou-se mesmo um decréscimo significativo.

Como é que se pode melhorar a qualidade dos órgãos transplantados?

O
feliz decréscimo dos acidentes de viação que se verificou no nosso país
nos últimos anos diminuiu o número de dadores com causas traumáticas.
Assim, a maioria dos dadores cadáver actuais são provenientes de doenças
do foro médico como os acidentes vasculares cerebrais e com idade mais
elevada. Estes órgãos não têm a mesma qualidade dos provenientes de
dadores mais jovens e por causas traumáticas. A necessidade de utilizar o
maior número possível de órgãos, no entanto, justifica a sua
utilização.

Para melhorar a sua qualidade é necessário um
adequado suporte do cadáver em condições optimizadas, melhorar ao máximo
a preservação dos órgãos entre a colheita no dador e a implantação no
receptor e diminuir também o tempo que medeia entre a colheita e a
implantação. A doação em vida de rins também é uma forma de obter órgãos
de excelente qualidade. Os resultados com rins provenientes de dador
vivo são habitualmente ainda melhores que a partir de dador cadáver.

Qual a importância da adesão à medicação para o sucesso do transplante?

Ainda não é possível manter os órgãos transplantados sem o recurso à imunossupressão. Isso implica que na maioria dos casos os doentes transplantados necessitem de tomar fármacos imunossupressores para toda a vida do seu transplante. Os medicamentos têm por vezes efeitos indesejáveis e a sua toma nem sempre é cómoda. A não adesão à terapêutica de forma continuada ou ocasional é um factor importante na promoção de mau funcionamento dos enxertos e pode levar a fenómenos de rejeição dos mesmos.

O incumprimento da medicação é hoje reconhecido como o factor determinante para o aumento da morbilidade e mortalidade, redução da qualidade de vida, aumento dos custos médicos e excesso da utilização dos serviços de saúde para os doentes transplantados. A medicação assume um papel fundamental no sucesso do transplante. O doente não deve modificar ou interromper a terapêutica indicada pelo médico sob pena de rejeição ou mesmo falhar os exames de rotina.

Qual é a importância das células estaminais na transplantação?

Esta
não é uma área à qual eu me tenha dedicado particularmente pelo que não
sou a pessoa ideal para dar uma resposta de maior rigor científico. As
células estaminais são as «células mestras» do ser humano. O seu destino
ainda não foi decidido e têm o potencial de se transformar nos mais
diversos tipos de células diferentes, através de um processo chamado
«diferenciação».

Este é um fenómeno que ocorre na fase inicial do
desenvolvimento humano, quando as células estaminais do embrião se
«diferenciam» em todos os tipos de células existentes no organismo
(cérebro, ossos, coração, músculos, pele, etc.). Ao longo da
vida estas células têm também a capacidade de «reparar» tecidos
danificados, uma vez que possuem o potencial de se transformarem em
células com funções mais especializadas, tais como células do músculo
cardíaco, ou neurónios, por exemplo.

A investigação sugere que o seu
potencial «reparador» pode tratar patologias potencialmente mortais ou
incapacitantes como as doenças cardiovasculares, doença de Alzheimer,
Parkinson ou mesmo, sugerem vários estudos, Esclerose Múltipla.

Quais são os principais desafios futuros da transplantação?

É
preciso transplantar mais e cada vez melhor. Como já referi, um dos
aspectos a melhorar é a promoção da doação em vida no caso do rim. É
também fundamental melhorar a qualidade de seguimento dos doentes
transplantados que são doentes para toda a vida com necessidade de
acompanhamento contínuo.

A vida dos órgãos transplantados não é,
em regra, infinita pelo que importa promover todas as atitudes que
protejam os órgãos e os doentes de todas as agressões a que estão
sujeitos. Algumas unidades de transplantação nacionais lidam com
dificuldades de recursos humanos e de equipamentos para acompanhar o
crescimento da actividade transplantadora que se observou nos últimos
anos pelo que este problema deve ser encarado com brevidade. É
necessário cativar jovens profissionais de saúde para esta actividade.

A
escassez de órgãos e a vida finita dos mesmos leva a desafios
científicos para se conseguirem fontes alternativas de órgãos, para o
desenvolvimento de órgãos bioartificiais, para a eterna procura para
ultrapassar as barreiras da xenotransplantação e na procura de fármacos e
métodos de imunossupressão menos tóxicos e mais eficazes.

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