Na consulta de Endocrinologia é, sem dúvida, um dos temas mais abordados. Por isso começo por dar resposta precisamente a essas questões:
- Podemos afirmar que até ao momento não há evidência da doença autoimune da tiroide ser fator de risco para infeção por COVID-19, nem para o aumento da sua gravidade. E que a medicação deve, quase sempre, ser mantida (decisão que tem de ser tomada fruto de discussão com o médico) .
- Cientificamente não existem razões para acreditar que quando a doença da tiroide está controlada, o risco de infeção por COVID-19 seja maior - a medicação da tiroide não enfraquece o sistema imunitário. No entanto, é possível que o hipotiroidismo ou o hipertiroidismo descompensados (por ausência de medicação adequada), estejam associados a manifestações da infeção de maior gravidade. Daí ser tão importante manter a vigilância com o seu médico assistente e estar atento aos sintomas.
Mas o que é a doença autoimune da tiroide?
A doença autoimune da tiroide surge quando o organismo não reconhece a tiroide como sua parte integrante e começa a defender-se dela, através de anticorpos dirigidos contra a glândula tiroide, que podem estimular ou destruir a glândula. São exemplo de doenças autoimunes a tiroidite de Hashimoto/tiroidite autoimune crónica (associada ao hipotiroidismo) e a Doença de Graves (associada ao hipertiroidismo), que pode estar associada a manifestações oculares.
Os últimos estudos realizados em Portugal sugerem que 11,9% a 15,1% da população tem doença Autoimune da tiroide.
Ter uma doença autoimune da tiroide não significa que se seja imunocompremetido ou incapaz de se defender de uma infecção viral. Significa que o sistema imune está a agredir a tiroide. São situações diferentes.
Salienta-se que a medicação da tiroide não enfraquece o sistema imunitário. Apenas os imunossupressores o fazem e as pessoas sob este tipo de medicamentos devem estar muito vigilantes. Nestes casos há maior risco de formas graves de COVID-19.
Se estiver sob doses elevadas de corticoides, como as que, por vezes, são necessárias para tratar as manifestações oculares da doença de Graves, necessita de extrema vigilância pelos especialistas que o acompanham.
Nos restantes casos de doenças da tiroide é muito importante que se mantenha a medicação de acordo com prescrição médica e estar atento aos sintomas e sinais de alerta que lhe foram ensinados na consulta, nomeadamente se está medicado para o hipertiroidismo.
Em doentes sob terapêutica para o hipertiroidismo pode, muito raramente, surgir um quadro de neutropenia que cursa com febre, dores de garganta e aftas e que se pode confundir com os sintomas de COVID-19. Nestes casos, deverá contactar imediatamente o seu médico para realizar um hemograma. Pode ser pertinente um teste de COVID-19.
Se houver mais alguma alteração não deve adiar a procura de ajuda médica por receio de contrair covid. Importa reforçar que as as unidades de saúde têm circuitos e protocolos aplicados para segurança de doentes e profissionais de saúde. Assim, novos sintomas e sinais de alerta como - palpitações, cansaço, oscilações de peso e de humor sem justificação aparente, e se estiver grávida são motivo para reavaliação com o seu Endocrinologista. A suas consultas de rotina devem ser retomadas.
Não posso deixar de referir que a infecção por COVID-19 também pode envolver a glândula tiroideia. Nestes longos meses, muito artigos científicos têm sido publicados e há relatos de quadros de tiroidites subagudas e alterações da função tiroideia, comuns em doentes internados nas Unidades de Cuidados Intensivos. Na maioria dos casos, e como é habitual, tratam-se de alterações transitórias. Mas só o tempo e a continuação dos estudos vão ajudar a determinar o verdadeiro impacto do COVID-19 na Tiroide.
Concluindo, até à data não há evidência de que a doença autoimune da tiroide aumente o risco de infeção por COVID-19 ou as suas complicações. Quase todos os doentes devem manter a medicação que estão a fazer e estar atentos ao aparecimento de novos sintomas. Nos doentes com infecções graves por COVID-19, alterações transitórias da função tiroideia podem ocorrer, mas só a investigação continua permitirá determinar a existência de sequelas.
Nunca é demais salientar as regras que todos devemos ter: lavar regularmente as mãos, usar corretamente a máscara, bem como todas as medidas divulgadas pela DGS para diminuir o risco de infeção, devem ser respeitadas. Prevenir é sempre melhor do que remediar.
Um artigo da médica Inês Sapinho, Coordenadora de Endocrinologia e da Unidade da Tiroide do Hospital CUF Descobertas. É também autora do livro “Os segredos da sua Tiroide”.
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