As novas diretrizes para prevenção de acidentes vasculares cerebrais (AVC), divulgadas recentemente pela American Heart Association, têm uma recomendação especial dirigida às mulheres. Apontam para a necessidade de procurar alternativas à contraceção hormonal, especialmente à que contém estrogénios. A razão para este alerta prende-se com o impacto desta hormona no sistema cardiovascular de mulheres que apresentem fatores de risco.
Os mais preocupantes são os antecedentes familiares de doença cardiovascular, tabagismo ou enxaqueca com aura, esta última associada à ocorrência de AVC em mulheres com menos de 55 anos. Esta medida leva a redobrar a atenção para uma questão que já constava nas recomendações de Organização Mundial de Saúde. Em Portugal, segundo Tereza Paula, médica ginecologista, «estas orientações já integram a prática clínica».
«Em 2011, as sociedades de ginecologia, contraceção e medicina da reprodução portuguesas emitiram um documento (consenso) no qual definem não só a utilização da pílula nas mulheres em geral como nas que têm fatores de risco ou patologia associada», esclarece a especialista.
«Nestes casos, a contraceção hormonal combinada é contraindicada, porque pode aumentar bastante o risco de AVC», refere ainda a especialista. Tomar a pílula é muito mais do que seguir a dica de uma amiga ou aviar uma receita na farmácia. É preciso conhecer os riscos e colocar todas as dúvidas ao médico para que também ele não se limite a prescrever a contraceção, mas que fale sobre o tema, riscos e precauções.
Para a ajudar, reunimos as questões que deve levar para o consultório e as respostas que poderá obter. Em caso de dúvidas, pergunte sempre ao seu médico mas, antes, leia este artigo. Nele, encontra as principais dúvidas e respostas sobre o comprimido mais emblemático e polémico do universo feminino:
- É preciso consultar um médico antes de tomar a pílula?
Sim, sem dúvida, defende Tereza Paula. «Uma mulher não deve começar a tomar a pílula sem ir a um médico de família, um médico ginecologista ou fazer uma consulta de planeamento familiar», defende. Um erro comum a evitar é começar a tomar por iniciativa própria, «porque a escolha do tipo de pílula deve ser adaptada a cada mulher», diz.
Essa opção varia «se [a mulher] é mais nova, mais velha, tem mais ou menos peso, se é hipertensa, se tem acne, pilosidade… Há pílulas que podem ser mais adequadas do que outras, para além desses fatores de risco que é importante avaliar», adverte a especialista.
- Que exames médicos e análises devo fazer antes de iniciar a toma da pílula?
«À priori não será preciso fazer análises nem exames. Basta a história clínica familiar», explica Tereza Paula. «A avaliação principal implica falar com a pessoa e perceber se tem fatores de risco. Com base no perfil (por exemplo, se é obesa), na existência de patologias ou suspeitas devido à história clínica, podem ser pedidos exames ou análises. Se é saudável, não precisa de fazer exames, quando muito, pode medir a tensão arterial», refere.
- Que importância tem a minha história clínica familiar?
É um elemento-chave, uma vez que os principais riscos de complicações como o Acidente Vascular Cerebral podem dever-se a antecedentes familiares. Segundo a American Heart Association, estudos revelam que, nas mulheres e pacientes jovens, a probabilidade de se ter um AVC é maior se existirem casos idênticos na família direta. Para além da doença coronária e arterial, há outras situações a ter em conta, como cancro, hemofilia e patologias do foro hepático ou renal.
Veja na página seguinte: Qual das pílulas tem maiores riscos para a saúde
- Que pílula tem maiores riscos para a saúde?
«Há pílulas que são mais indicadas para umas mulheres do que para outras, mas não há pílulas que tenham mais riscos senão nunca as iríamos prescrever», afirma Tereza Paula. A escolha deve ser avaliada caso a caso.
- Como posso saber se a pílula que tomo é a mais indicada?
Não pode! Cabe ao médico avaliar o seu historial e eventuais fatores de risco para prescrever a mais indicada para o seu caso. Se detetar alterações ou efeitos secundários, deverá alertá-lo para que possa reavaliar a situação e tomar as medidas necessárias.
- A dosagem é importante?
«Hoje em dia já nem se fala em pílulas de alta e baixa dosagem», esclarece Tereza Paula. «Todas elas são consideradas de baixa dosagem», assegura. «Antigamente, a dosagem normal era de 50 mcg e hoje a máxima que temos é 35 mcg (só há uma) e a maioria das restantes é de 30. Existem ainda umas que têm 15 mcg de estrogénios», explica ainda.
- Mesmo que tenha um estilo de vida saudável, é arriscado tomar a pílula?
Na opinião de Tereza Paula, «a pílula combinada é o método de contraceção com maior eficácia e que, utilizado nas mulheres que não têm fatores de risco, para além da contraceção, tem benefícios adicionais. Está provado que a pílula tem um efeito de proteção a nível do cancro do ovário, do endométrio e do cólon», refere.
«Sabe-se que a pílula, ao diminuir a quantidade de sangue perdida, pode ter um efeito benéfico nas mulheres com tendência para a anemia», acrescenta a especialista. «E quem sofre de dores menstruais intensas também pode beneficiar», defende ainda.
- Que alterações biológicas ocorrem no corpo?
«Em princípio, uma mulher que toma a pílula não sente nada, a não ser uma diminuição da perda de sangue durante as menstruações. De facto, o que surge não é a menstruação, mas uma hemorragia de privação, que só acontece porque há uma pausa na toma da pílula. Se notar outros sintomas, deve contactar o médico», recomenda Tereza Paula.
- Já tomo a pílula há anos e nunca tive problemas. Devo ser seguida pelo médico?
«Deve ter o acompanhamento que qualquer mulher tem, com a consulta anual», adverte a especialista. «Não por tomar a pílula, mas porque é indispensável que faça um exame ginecológico com citologia para rastreio de cancro do colo do útero. Em consulta, poderá discutir as questões da contraceção hormonal», sugere Tereza Paula.
- Sou fumadora. Posso tomar a pílula sem receios?
Depende do tipo de pílula. «Nas fumadoras, não está indicada a pílula combinada, mas existe outra só com progestativo que é usada nestes casos. É a chamada pílula da amamentação que as mulheres tomam após a gravidez», sublinha Tereza Paula. A combinação pílula/tabaco torna-se ainda mais perigosa para a saúde com o avançar da idade, sendo contraindicada nas mulheres fumadoras com mais de 35 anos.
Veja na página seguinte: Ter varizes ou problemas venosos na família pode ser um fator de risco?
- Que cuidados devo ter com a saúde agora que vou tomar a pílula?
«Fazer uma alimentação saudável, exercício físico e evitar o tabagismo, tudo isto são pilares de saúde que têm a ver não só com esta temática mas com a saúde em geral», resume a médica. Segundo pesquisas citadas pela American Heart Association, manter-se fisicamente ativa pode reduzir em 30 por cento o risco de AVC, graças aos benefícios que traz a nível cardiovascular.
Mas não só. Também ao nível do aumento do colesterol HDL (o chamado bom colesterol) e do reforço da função imunitária. Medir a tensão arterial periodicamente e fazer a consulta ginecológica anual são outros cuidados a ter.
- É verdade que o risco tromboembólico é maior na gravidez ou após o parto?
«O risco de sofrer um fenómeno tromboembólico durante a gravidez é maior (30 a 60 vezes) do que ao tomar a pílula», assegura a ginecologista. «Depois do bebé nascer, nas seis semanas do puerpério, existe também um risco aumentado de tromboembolismo, pelo que não devem ser utilizadas as pílulas combinadas. Mesmo uma mulher que não amamente não deve usá-las nessa fase, deverá optar pela pílula de progestativos (também chamada pílula da amamentação)», refere Tereza Paula.
- Ter varizes ou problemas venosos na família pode ser um fator de risco?
«Não é um fator de risco para o tromboembolismo, nem sequer é contraindicação. Contudo, sabemos que os estrogénios têm um impacto negativo a nível venoso e podem provocar maior desconforto ou potenciar o aparecimento de varizes. Em alternativa, pode usar a pílula de progestativos», aconselha Tereza Paula.
- Após uma interrupção prolongada, posso retomar a toma?
«O risco tromboembólico que está associado à pílula é sempre maior no primeiro ano de utilização e depois diminui imenso», adverte a ginecologista. «Portanto, cada vez que recomeça estará a aumentar esse risco. Se não houve grandes modificações em termos de saúde, não teve doenças e sempre se deu bem, poderá retomar a mesma pílula, mas é sempre aconselhável falar com o médico», diz ainda.
- É verdade que a pílula combinada é a mais usada em Portugal?
«Sim, mas hoje em dia [em 2015] a pílula isolada, só com progestativo, já começa a ser muito utilizada, especialmente por causa das mulheres mais dos 40 anos, é uma pílula muito utilizada», refere a médica ginecologista.
- Qual é a diferença entre a pílula combinada e a pílula com progestativos?
A eficácia na contraceção é equivalente, o que as distingue é a composição e os efeitos no ciclo menstrual. A ausência de estrogénios na pílula dita isolada torna-a uma alternativa para quem tem fatores de risco associados à contraceção oral hormonal combinada.
Em termos práticos, explica Tereza Paula, «enquanto com a pílula combinada a mulher tem o controlo sobre o seu ciclo menstrual, com a pílula só com progestativos pode ir de um extremo em que não menstrua ou, pelo contrário, ter perdas diárias de sangue. Menstruar todos os meses não é muito comum com esta pílula e isso faz com que algumas mulheres não a apreciem».
Veja na página seguinte: As pílulas e as dores de cabeça
- É normal sentir dores de cabeça ou enxaqueca quando se toma a pílula?
Não. Como alerta a médica, «se as mulheres começam a ter dores de cabeça quando tomam a pílula, tem de se perceber o que se passa. A enxaqueca é uma patologia, e principalmente as enxaquecas com aura são uma contraindicação para fazer a pílula, porque sabemos que aumenta o risco de AVC. No caso de enxaquecas sem aura, se houver outro método contracetivo que a mulher pode fazer deve ser escolhido. Caso use a pílula, deverá ser mais vigiada», sugere.
- A que sinais de alarme devo estar atenta? E posso interromper a toma?
«Se surgirem dores no peito, náuseas, perdas de sangue irregulares, dores de cabeça ou qualquer outra alteração, deverá entrar em contacto com o médico. Ele poderá avaliar se há algum problema que não foi detetado antes ou se é só efeito da pílula e como se poderá resolver», acredita a especialista.
«Poderá, por exemplo, procurar uma pílula com uma dose menor de estrogénios ou mudar a via de administração (de cutânea para a oral ou vaginal para diminuir o nível de estrogénios)», alerta Tereza Paula. Nenhum dos sinais deve levar à interrupção imediata por iniciativa própria. Em vez disso, anote os sintomas para melhor os descrever ao médico.
- O que distingue a pílula dos outros métodos hormonais como o adesivo e o anel vaginal?
Existem diferenças entre os modos de atuação dos vários métodos, bem como o nível de hormona libertado. Como refere a médica, «é possível variar o nível de estrogénios através da via de administração. Sabemos que pela via transdérmica, o adesivo, se atingem concentrações mais elevadas de estrogénios o que pode ser prejudicial em mulheres com tendência para ter hipertensão».
«O anel vaginal é o que tem um nível menor e mais estável de estrogénios», sublinha Tereza Paula. «Em termos de absorção, a via vaginal é mais regular do que a via oral, que pode sofrer interferências da digestão, por outro lado não sobrecarrega a parte hepática», acrescenta ainda a especialista.
- Que alternativas existem para quem não pode tomar a pílula por motivos de saúde?
As mulheres que não podem fazer contraceção hormonal combinada, devido aos estrogénios, não podem fazê-lo por nenhuma via de administração, seja anel, adesivo ou implante. Nestes casos, podem recorrer à pílula isolada (com progestativos) ou a outros métodos como o dispositivo intrauterino só com progestativos ou sem hormonas.
- Que cuidados devo ter ao mudar de contraceção?
Deve sempre consultar o médico. «Mudar de pílula porque a amiga está a tomar uma diferente ou sugere, não é recomendado. Às vezes tem mesmo de se mudar porque há efeitos secundários que começam a surgir como pequenas perdas de sangue, mas isso deve ser avaliado pelo médico. Regra geral, não é preciso fazer um período de intervalo entre o método antigo e o novo», diz Tereza Paula.
Texto: Manuela Vasconcelos com Tereza Paula (assistente hospitalar de Ginecologia Obstetrícia na Maternidade Alfredo da Costa em Lisboa)
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