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Dados da OMS indicam que consumo de substâncias ilegais estão entre os primeiros fatores de risco
Os problemas de saúde relacionados com o consumo de substâncias psicoativas constituem um motivo de consulta frequente na prática clínica quotidiana e a sua dimensão pressupõe um grave problema de saúde pública em todo o mundo.
Segundo o relatório da OMS de 2009, o consumo de tabaco, álcool e substâncias ilegais estão entre os primeiros 20 fatores de risco para a saúde.
Calcula-se que o consumo de tabaco seja responsável por 8,7% de todas as mortes registadas no mundo e de 3,7% das doenças, o consumo de álcool de 3,8% das mortes e 4,5% de doenças, e o consumo de substâncias ilegais representa 0,4% das mortes e 0,9% de doenças.
Além disso, o consumo excessivo destas substâncias são também fatores de risco importantes para uma ampla variedade de problemas sociais, económicos e jurídicos para o indivíduo e para a comunidade, bem como nos relacionamentos interpessoais e familiares.
Com a crescente tendência para o consumo de múltiplas substâncias, de uma só vez ou em diferentes momentos, os riscos poderão aumentar ainda mais.
Face à gravidade do problema, é de primordial importância que aos indivíduos com comportamentos aditivos e/ou dependências lhes seja garantido o fácil acesso aos serviços de tratamento e reabilitação e a especialização das intervenções terapêuticas.
Numa perspetiva histórica, vamos encontrar em Portugal uma rede de serviços especializados para o tratamento das dependências de substâncias psicoativas que foram criados na década de oitenta e noventa do século passado para dar resposta, essencialmente, ao problema do consumo de heroína. O consumo de heroína no nosso país apresentava-se, nessa altura, com graves consequências para a saúde pública, com o aumento de doenças infectocontagiosas (VIH/SIDA, Hepatites B e C, Tuberculose, etc.), e para a sociedade, através da estigmatização e marginalidade que surgiam associados aos consumos dessa substância.
Estes problemas emergiram com tal intensidade que, num prazo muito curto, desencadearam um elevadíssimo pedido de ajuda por parte dos doentes e dos seus familiares, a que se associaram graves consequências sociais resultantes dos consumos, o que levou à necessidade de dar uma resposta imediata e especializada. Uma resposta que os serviços de saúde públicos não podiam e não estavam preparados para dar.
Com o decorrer dos anos foram várias as mudanças que foram ocorrendo no panorama dos comportamentos aditivos e das dependências, mudanças que muito contribuíram para que se fossem esbatendo os pressupostos que levaram à criação dessa rede especializada.
Mudanças que têm a ver com a melhoria da qualidade das intervenções; com a progressiva mudança nos padrões de consumo, para além dos problemas com o consumo de heroína, surgem agora pedidos de ajuda para problemas com o consumo de cocaína, de cannabis, do álcool, das novas substâncias psicoativas, etc., algumas num padrão de policonsumo; com o aumento dos pedidos de ajuda para dependentes do tabaco; com os problemas que estão a surgir com as perturbações aditivas sem substância; jogo patológico, internet, compras, etc.; e com uma mudança na atitude e na perceção que os cidadãos têm sobre o problema dos comportamentos aditivos e das dependências.
Esta nova realidade aconselha a explorar novas vias de organização e funcionamento dos serviços assistenciais, para que sejam encontradas as respostas necessárias e mais eficientes em termos de deteção e diagnóstico precoce dos problemas relacionados com o consumo de substâncias psicoativas, bem como determinar qual o tratamento integrado mais indicado para esse caso.
Neste sentido, é necessário alargar os tratamentos aos outros serviços de saúde, cuidados de saúde primários e unidades hospitalares, permitindo assim que as dependências de substâncias sejam tratadas como as outras doenças crónicas. O modelo a implementar permitirá um continuum de serviços, cuidados primários, unidades especializadas nas dependências e saúde mental, que são diferenciados no seu modo de intervenção, mas interdependentes.
A intervenção a nível dos cuidados primários é uma boa oportunidade para identificar e intervir em consumidores com consumos de risco e nocivo. As atividades de promoção da saúde e de prevenção das doenças que desenvolvem junto das populações da sua área de intervenção, permitem a deteção precoce de várias doenças como as relacionadas com a diabetes, obesidade, hipertensão, consumo de tabaco e outros comportamentos de risco.
A necessidade de estar atento aos comportamentos aditivos pode ser uma oportunidade para detetar precocemente problemas e intervir de imediato antes que se desenvolvam problemas graves pelo consumo de substâncias e dependência.
Numa altura em que as unidades especializadas em dependências estão já integradas nas ARS e passaram a fazer parte do serviço nacional de saúde, é necessário avançar para que a intervenção em comportamentos aditivos e dependências seja alargada a todas as unidades de saúde garantindo o acesso dos doentes e familiares, nas mesmas condições de todos os outros doentes, a esses serviços.
Para isso consideramos importante que seja criada, a nível nacional, uma rede de referenciação/articulação em comportamentos aditivos e dependências, que se elaborem guidelines para intervenção nesta área (como se intervém e quem o faz em cada momento), e que se perspetive um programa de formação em comportamentos aditivos e dependências para os profissionais dos cuidados primários e dos serviços hospitalares.
Por José Rocha Almeida, Médico Especialista em Psiquiatria
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