Em Portugal estima-se que, por exemplo, a morte súbita cardíaca atinja, todos os anos, cerca de 40 a 100 jovens, com idades entre os 18 e os 35 anos.

Importa, por isso, alertar os portugueses para as consequências das doenças cardiovasculares e para a necessidade de um rastreio de diagnóstico atempado.

 As doenças cardiovasculares são uma das principais causas de morte em Portugal e uma grande parte delas é por arritmias cardíacas, que são perturbações do ritmo cardíaco (alteração sequência e velocidade dos batimentos cardíacos), que podem ter consequências fatais quando não tratadas.

A falta de informação é um dos principais fatores que pode levar à morte inesperada, repentina e não acidental, conhecida como morte súbita. Apesar de existir, com frequência, informação relativa a casos de desportistas que sofrem desfechos trágicos, existem duas questões que ficam no ar sem resposta. Qual foi a causa? Será que estes casos ocorrem apenas em desportistas?

Os estudos internacionais demonstram que a causa mais frequente de morte súbita cardíaca no jovem adulto é a miocardiopatia hipertrófica. É também sabido que apesar de o desporto de alta competição aumentar o risco deste tipo de eventos em cerca de duas vezes, a maioria dos casos ocorre em jovens não desportistas, dado que a maior parte da nossa população jovem não se dedica a esta prática. Porém, dado que esses casos não são publicitados, estes eventos e a sua real prevalência permanecem distantes daqueles que se encontram longe da prática hospitalar.

Outra questão que fica no ar é a dos estupefacientes que poderão estar associados a estes casos. Porém, é sabido que na maioria das mortes estes são apenas um estímulo facilitador para a ocorrência de um evento que ocorre face à presença de uma doença cardíaca de base. Serão poucos os casos em que o estupefaciente (ou substância dopante), só por si, tenha levado à morte súbita cardíaca, na ausência de uma doença cardíaca concomitante.

A miocardiopatia hipertrófica ocorre na nossa população com uma prevalência (frequência) de  um em cada 500. Desta forma, são inúmeros os jovens com esta patologia que pode ser facilmente detetada por eletrocardiograma. Porém, dado que este exame não é obrigatório ou realizado por norma a partir dos 18 anos, a maior parte deles permanece na ignorância do seu estado de saúde, não podendo por isso tomar as devidas medidas (que existem e são variadas, para se adequarem a cada caso) para se proteger.

Como esta doença existem algumas outras que estão associadas a este tipo de desfecho e que podem ser tratadas ou controladas, nomeadamente o Síndrome de Wolff-Parkinson-White ocorre em um em cada 300 (e tem atualmente um tratamento muitíssimo eficaz: a ablação percutânea), o Síndrome de Brugada, a não compactação do ventrículo esquerdo, a displasia do ventrículo direito e o Síndrome de QT longo, são algumas patologias que embora menos frequentes, também possuem tratamento eficaz nos dias de hoje.

Um rastreio realizado em Itália desde há 20 anos, mas limitado a desportistas de alta competição, baseado em eletrocardiograma e avaliação clínica conseguiu diminuir o número de casos em mais de 90% desde então. Resultados semelhantes foram obtidos numa iniciativa parecida iniciada há 10 anos em Israel. Foi pelo facto de haver tantas mortes evitáveis (o diagnóstico e tratamento atempados são possíveis na sua grande maioria) na nossa população jovem que decidimos agir.

O projeto pioneiro SCDSOS (Sudden Cardiac Death Screening of Risk Factos), lançado em Coimbra em fevereiro de 2012, baseia-se na aplicação dos métodos do rastreio italiano e seguimento das recomendações internacionais.

Porém, versa não os desportistas em particular, mas sim toda a população jovem no geral da região de Coimbra.

Temos por objetivo incluir o número maior possível de jovens (cerca de 20.000) de forma a demonstrar que existe um grande número de pessoas em risco nesta classe etária, que pode ser eficazmente diagnosticada desta forma.

Assim, pretendemos demonstrar que se esta prática fosse implementada por norma em todos os jovens de 18 anos, um grande número de vidas poderia ser salvo. A iniciativa, inédita no nosso país, é uma das maiores já alguma vez realizadas na Europa e, até ao momento, já rastreou mais de 4.000 jovens e confirmou 15 diagnósticos de risco (12 diagnósticos de síndrome de wolf-parkinson-white, um diagnóstico de síndrome de QT longo e dois diagnósticos de miocardiopatia hipertrófica).

Para além destes diagnósticos já confirmados existem também mais de 30 jovens em condições cardiovasculares a necessitar de maior avaliação, por fortes suspeitas de patologias como miocardiopatia hipertrófica, não compactação do ventrículo esquerdo e síndrome de Brugada. Por cada novo diagnóstico, no caso da miocardiopatia hipertrófica e algumas destas outras doenças, face ao seu tipo de hereditariedade, esperam-se em norma que sejam realizados mais alguns diagnósticos nos familiares.

Desta forma, o número de pessoas em risco detetadas pelo rastreio irá com certeza ascender em larga escala. A mensagem que se pretende deixar aos jovens é a de que não devem ter receio de participar nestes tipo de rastreios. Perante este tipo de doenças o pior que pode acontecer é não conseguirem tomar as medidas necessárias para se proteger se forem portadores de uma delas e não o souberem. Por isso, é importante que participem no rastreio. Para se tranquilizarem (em caso de não terem alterações) ou para conseguirem tomar as medidas necessárias para terem uma vida completamente normal (caso tenham alterações).

Texto: Rui Providência (coordenador do projecto SCDSOS «Dá-nos 5 minutos e nós damos-te uma vida», médico cardiologista do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra e assistente convidado da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra)