«Pouco conhecido pelo público», o mieloma múltiplo é um tumor que afecta as células do sangue da medula óssea provocando anemia, alterações na função do rim e destruição óssea do osso e estimula a sua destruição.

De acordo com dados da Associação Portuguesa Contra a Leucemia, «todos os anos são diagnosticados cerca de 400 novos casos em Portugal».

Esta doença atinge ligeiramente mais os homens do que as mulheres e, por regra, aparece em pessoas de 50 anos, sendo cada vez mais frequente à medida que a idade aumenta, havendo um pico de incidência entre os 60 e 65 anos.

Embora seja considerada uma doença incurável e fatal, «os doentes com mieloma têm uma sobrevida muito variável, podendo ir de alguns meses a muitos anos, por vezes mais de dez», refere Paulo Lúcio, hematologista e director do Hospital Militar de Belém. Contudo, «esta panorâmica está a melhorar», devido ao surgimento de «uma série de novos medicamentos cada vez mais eficazes e menos tóxicos que vieram modificar a história natural da doença», revela.

Sintomas e factores de risco

Paulo Lúcio afirma que, embora já «se considere que pode existir alguma predisposição genética para o aparecimento de mieloma, para além da exposição a radiações, não há comportamentos considerados de risco para contrair esta doença», nem existe nenhum método efectivo de prevenção deste tipo de tumor. Trata-se ainda de uma doença cuja etiologia não está completamente esclarecida.

Assim sendo, geralmente, «o doente recorre ao médico porque se sente cansado ou porque aparecem alterações nas análises de rotina, como por exemplo anemia, alterações das proteínas ou cálcio elevado», revela o hematologista. Dores nos ossos e fracturas espontâneas («não associadas a traumatismos»), insuficiência renal, náuseas e vómitos são também alguns dos sintomas que podem levar o doente ao médico.

A importância de um diagnóstico precoce

«As análises de rotina dão uma grande ajuda», afirma o director do Hospital Militar de Belém, pois «o mieloma múltiplo começa por manifestar-se por alterações analíticas antes de ocorrer qualquer sintoma». Caso surjam alterações suspeitas, o «diagnóstico é confirmado por outros exames, para provar a existência do aumento de imunoglobulinas», radiografias aos ossos, por um exame à medula óssea (mielograma) e uma biópsia óssea e, eventualmente, por outros exames como a ressonância magnética ou a Tomografia por Emissão de Positrões (PET) à medula óssea.

No que diz respeito à sua evolução clínica, é muito importante fazer-se um diagnóstico precoce. Desta forma, consegue-se «evitar o aparecimento de lesões irreversíveis, como as já citadas. «Se estes cenários forem evitados, é possível oferecer aos doentes uma qualidade de vida razoável por períodos muito longos, décadas», garante Paulo Lúcio. O hematologista acredita que «oferecer a uma pessoa de 60 ou 70 anos o controle da doença durante anos, pode ser transformar aquilo que seria uma doença fatal numa doença crónica».

Tratamentos e efeitos secundários

Tal como na maioria dos cancros, o tratamento é feito com quimioterapia ou radioterapia. No caso dos doentes mais jovens inclui-se nesta estratégia o auto-transplante de medula óssea que consiste, segundo a Associação Portuguesa Contra a Leucemia, na «recolha de células precursoras hematopoiéticas do próprio doente em que, depois de sujeito a quimioterapia de alta dose, o doente recebe as suas próprias células».

«Os efeitos secundários dependem do protocolo terapêutico seleccionado», afirma o especialista em hematologia, segundo o qual «a maioria dos novos fármacos já não provoca os quadros clássicos de náuseas, vómitos e queda de cabelo». Nos tratamentos utilizados para esta doença, «é mais vulgar o doente ficar susceptível a infecções, com prisão de ventre ou sentir os dedos dormentes e uma diminuição da sensibilidade das mãos e pés e ter obstipação», revela.

Medicina alternativa vs medicina tradicional

«Nas medicina dita convencional utilizamos fármacos muito potentes, com uma enorme eficácia mas também com uma grande toxicidade e com interacções muito complexas, exigindo ao médico o domínio de tudo o que está a acontecer ao doente. Ao introduzir fármacos de medicinas alternativas, cujos efeitos não são controláveis, perdemos esse domínio, o que resulta em prejuízo para o próprio doente», alerta Paulo Lúcio.

Segundo o hematologista, «raras vezes o doente se entrega completamente na mão da medicina alternativa, preferindo incluir por sua iniciativa alguns produtos «naturais» no tratamento mas mantendo sempre a protecção da medicina convencional. Admito que algumas ofertas da medicina alternativa possam ser eficazes para alívio sintomático de algumas queixas, como a obstipação, mas não mais do que isso. Até porque quando aparece algum produto realmente eficaz, este é integrado na oferta da medicina convencional», acrescenta.

Perspectivas para o futuro

Paulo Lúcio explica que os novos medicamentos que têm surgido «são cada vez mais potentes e menos tóxicos» e «actuam de formas muito variadas e originais: para além da clássica destruição das células tumorais, estes fármacos interferem no ambiente celular onde o mieloma cresce, tornando-o hostil ao tumor, ou estimulam as defesas imunológicas do doente que, desta forma, complementam a acção dos próprios fármacos».

O hematologista revela ainda que «estão em curso muitos ensaios clínicos, ainda não disponíveis no mercado, mas que exploram estas áreas de intervenção no micro-ambiente do tumor e que potencialmente serão uma mais- valia para o resultado final do tratamento. Estamos numa fase de grande entusiasmo e de grande evolução no que diz respeito ao tratamento do mieloma múltiplo», finaliza.

Texto: Claúdia Vale da Silva com Paulo Lúcio (hematologista e director clínico do Hospital Militar de Belém)