O Acidente Vascular Cerebral (AVC), conhecido também por “trombose”, é um grave problema de saúde pública entre nós atingindo taxas que nos colocam nos lugares cimeiros da Europa.

O AVC é uma das principais causas de mortalidade em Portugal, com uma taxa de 200 mortes em cada cem mil habitantes. É ainda responsável pelo internamento de mais de 25 mil doentes por ano e por incapacidade permanente em 50 por cento dos sobreviventes.

As consequências do AVC, muitas vezes devastadoras, incluem perda de fala, de visão, de coordenação ou de compreensão bem como diminuição da força ou mesmo paralisia muscular nos membros superiores ou inferiores, muitas vezes na inteira metade do corpo. Além disso, 20% dos sobreviventes acaba por morrer ao fim do primeiro mês, percentagem que aumenta para 30% ao fim do primeiro ano.

Embora possa resultar de uma hemorragia, na maior parte dos casos o AVC deve-se a uma oclusão duma artéria responsável pela irrigação duma determinada zona do cérebro, quer pela formação dum coágulo local (“trombo”, daí a designação “trombose”) quer pelo deslocamento dum coágulo formado nas carótidas, localizadas no pescoço, ou mesmo no coração (esse coágulo designa-se por “êmbolo”).

Privadas de circulação que assegura o oxigénio e nutrientes necessários para se manterem vivas, as células cerebrais, irrigadas pela artéria que ocluiu, morrem, com correspondente perda da função que comandavam (por exemplo, se eram relacionadas com o controlo da fala, o doente perde essa função).

É do conhecimento geral, a associação entre alguns factores como a Hipertensão, a Diabetes, mas também, o colesterol elevado e o tabaco ao risco de AVC. De facto, a elevada prevalência de hipertensão entre nós bem como o seu incompleto controlo, na maior parte dos casos, é um problema da maior importância, devendo mobilizar quer profissionais de saúde quer a sociedade em geral (promoção de hábitos de vida saudável com destaque para a diminuição do consumo de sal).

Do mesmo modo, o tratamento do colesterol elevado com dieta e fármacos, a abstenção de fumar e a prática regular de exercício, são recomendações que nunca é de mais lembrar. As artérias cerebrais, mas também as carótidas, podem vir a sofrer das alterações degenerativas progressivas (aterosclerose) a que os factores de risco se associam.

No entanto, um em cada cinco AVC têm outra causa, dita tromboembólica, a partir de coágulos que se formam no coração e que se deslocam pela corrente sanguínea até entupir uma artéria do cérebro. Embora possa relacionar-se com determinadas doenças cardíacas das válvulas ou mesmo do músculo cardíaco, a causa mais frequente é a ocorrência duma arritmia, muito frequente em idades mais avançadas, que se designa por “Fibrilhação Auricular”.

O que se passa nessa arritmia é que as aurículas (câmaras cardíacas que recebem o sangue do corpo e dos pulmões para o injectarem nos ventrículos que depois o bombeiam para os pulmões e o corpo) perdem a sua capacidade de contrair e ficam a “tremer” anarquicamente e com muita rapidez, ao passo que os ventrículos contraem de forma arrítmica (“desencontrada”) e geralmente rápida. O sangue fica “parado” nas aurículas o que pode facilitar a formação de coágulos.

A Fibrilhação Auricular (FA) atinge 2,5% de toda a população, percentagem que pode atingir mais de 10% aos 80 anos. A FA aumenta cinco vezes o risco de AVC e nos doentes com FA que sofrem AVC o risco de morte duplica. A FA pode aparecer só ocasionalmente (paroxística) ou ser permanente, sendo que o risco de AVC é igual para ambas as formas.

Não obstante, o risco de AVC pode ser minimizado se o doente for tratado com fármacos que contrariam a formação de coágulos. O tratamento com anticoagulantes aplica-se a doentes com FA sempre que existam factores associados ao risco tromboembólico (idade >65 anos, diabetes, hipertensão, insuficiência cardíaca, doença vascular, AVC prévio ). O seu uso implicava até ao presente análises regulares para avaliar o estado de hipocoagulação do sangue.

O incómodo da necessidade dessas análises (geralmente feitas com periodicidade mensal) e a dificuldade de controlo adequado, em muitos casos, levou a desenvolverem-se novos fármacos, já disponíveis e comparticipados pelo SNS, que dispensam a necessidade de controlo, com semelhante (ou maior) grau de eficácia que os fármacos tradicionais e menor risco de hemorragias.

Além disso, não são influenciados por alimentos, tomando-se como qualquer outro fármaco. O aparecimento destes novos anticoagulantes permite estender esta terapêutica a um número muito maior de doentes, com eficácia, comodidade e segurança, alargando a possibilidade de prevenção do AVC.

Por Victor Gil, Médico Cardiologista e Coordenador da Unidade Cardiovascular do Hospital dos Lusíadas