Doença crónica provocada pelo aumento dos níveis de açúcar no sangue, a diabetes é, juntamente com a obesidade, um dos maiores flagelos do século XXI e, em 90 por cento dos casos, consequência dos excessos alimentares e dos maus hábitos de vida.

Em Portugal, um terço da população portuguesa dos 20 aos 79 anos é diabética ou tem predisposição para vir a desenvolver esta patologia. Ter uma alimentação saudável, vigiar o peso e praticar exercício físico são os primeiros passos para prevenir e controlar a diabetes de tipo 2.

Com a ajuda de Luís Gardete Correia, endocrinologista e presidente da Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal (AFDP), saiba se os mitos que existem sobre a diabetes têm razão de ser.

O consumo excessivo de doces é a causa da diabetes: Falso

Ao contrário do que vulgarmente se acredita, o aparecimento da diabetes não é uma consequência exclusiva da ingestão de alimentos açucarados. Os hábitos alimentares exercem uma forte influência na diabetes de tipo 2, que representa 90 por cento dos casos, mas o consumo de açúcar está longe de ser o único responsável pela diabetes.

Como esclarece Luís Gardete Correia, a diabetes «está ligada aos hábitos de vida pouco saudáveis, como a obesidade, o sedentarismo e os excessos alimentares, onde o consumo exagerado de açúcar é apenas um entre muitos outros factores de risco».

A diabetes de tipo 1, mais rara e que corresponde a apenas dez por cento dos casos, «é consequência de uma agressão imunológica que destrói a quase totalidade das células produtoras de insulina», explica.

A diabetes de tipo 1 não é tão grave como a de tipo 2: Falso

O facto da diabetes de tipo 1 atingir maioritariamente os mais jovens e provocar a destruição quase total da célula beta que produz insulina, obrigando a tratamentos através de injecções, leva a crer que esta variante da doença tenha consequências mais graves do que a de tipo 2, em que há insulina, mas a produção é desequilibrada.

No entanto, esta ideia não corresponde à verdade. Segundo o presidente da Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal (AFDP), a diabetes de tipo 2 «causa os mesmos danos se os pacientes não prestarem atenção aos níveis de glicose no sangue, que, quando elevados, podem destruir os pequenos e os grandes vasos, resultando em complicações sérias, como a cegueira, os ataques cardíacos ou mesmo a amputação».

E continua: «A diabetes é uma doença vascular; atinge os vasos, especificamente, os pequenos vasos, e acelera a doença dos grandes vasos, que é a arteriosclerose. Onde há vasos podem existir lesões. Se é no fundo do olho pode provocar cegueira.

Se é no rim pode resultar insuficiência hepática, se é nos grandes vasos pode levar a amputações.

Quando a circulação é deficitária para determinado ponto, é normal haver falta de oxigénio nas extremidades, provocando necroses (morte de uma célula ou a parte de um tecido) e subsequentes amputações. Existem mecanismos para evitar estas consequências, às vezes com sucesso, outras vezes não.»

A diabetes de tipo 2 é própria dos adultos e apenas as crianças têm a 1: Falso

Os maus hábitos de vida das sociedades pós-modernas ameaçam transformar a diabetes de tipo 2 numa pandemia. Estima-se que, em 2025, a doença atinja cerca de 380 milhões de pessoas em todo o mundo.

Já existem casos de jovens com menos de 20 anos a ser afectados pela diabetes, embora sem impacto significativo.

«A ideia de que a diabetes tipo 2 é exclusiva dos adultos está ultrapassada. Há hoje jovens com 16 e 18 anos que são muito obesos, sobretudo das classes sociais mais desfavorecidas, que comem muitos alimentos fast food, pois são mais baratos e fáceis de aceder», refere o médico.

A diabetes de tipo 1 afecta maioritariamente crianças e jovens, sem que seja possível evitar o problema. «Não há nenhum mecanismo para proteger as crianças desta diabetes. Existem várias experiências, mas sem resultados concretos», lamenta.

Os diabéticos nunca podem consumir açúcar e álcool: Verdadeiro

A ideia popular de que não há regra sem excepção também se aplica à diabetes. «O açúcar é um produto que chegou a Portugal há 200 e tal anos. Antes, o que havia era o açúcar do pão, das massas, da batata, do arroz e da fruta. Estes açúcares são lentamente absorvidos e fazem parte da alimentação para nos fornecerem energia. O nosso organismo não está preparado para absorver muito rapidamente os açúcares de pacote, os que estão presentes na coca-cola e noutros refrigerantes, não está preparado para respostas bruscas», adverte o especialista.

O médico admite, no entanto, que «se possa ingerir doces esporadicamente, de preferência, a seguir a uma refeição para a absorção não ser tão rápida». O mesmo acontece com as bebidas alcoólicas: «Uma vez por festa, mas deve-se evitar as bebidas brancas que são muito ricas em açúcar.».

O excesso de peso pode desencadear a doença: Verdadeiro

O excesso de peso e a obesidade influenciam o aparecimento da diabetes de tipo 2. Como medida de prevenção ou para controlar a glicemia, Luís Gardete Correia aconselha a manter o peso ideal ao longo da vida: «As pessoas com diabetes tipo 2 têm frequentemente resistência à insulina nos tecidos corporais (músculos, fígado, tecido adiposo e rins).

O excesso de gordura, sobretudo abdominal, contribui para esta insulinorresistência e para o aumento da glicemia. Nestas situações, a perda de peso moderada, entre sete a cinco quilos, ajuda a manter os níveis correctos de glicemia. Mesmo uma pequena diminuição do peso tem reflexos benéficos».

As pessoas magras também podem, avisa, «desenvolver a doença se não seguirem hábitos de vida correctos, em especial à medida que a idade avança».

O médico lembra que «a compensação não deve ser apenas ao nível da glicemia. A tensão arterial, os níveis elevados de colesterol e de triglicéridos são factores de risco igualmente perigosos».

A diabetes é hereditária: Verdadeiro

Embora não se nasça diabético, a carga genética é uma das principais condicionantes para o desenvolvimento da doença. «Na diabetes de tipo 2 são necessários os tais factores desencadeantes. Se adoptar hábitos de vida saudáveis, a pessoa nunca chega a ter diabetes, mesmo com historial genético.»

«No caso da 1, é um fenómeno de autoimunidade. Se temos uma infecção, existem anticorpos que nos protegem dos agentes agressores. Estas pessoas herdam um erro genético e as armas que deveriam ser de protecção viram-se contra elas. Acontece com os doentes renais crónicos, doenças do estômago, etc. Há vários factores que desencadeiam esta deficiência imunulógica, como é o caso dos vírus», refere Luís Gardete Correia.

O exercício físico não ajuda a controlar a diabetes: Falso

A prática de exercício físico é uma condição indispensável para prevenir e controlar a doença.

«A actividade física faz consumir muito açúcar, agindo como um mecanismo de defesa de qualquer agressão; ajuda à circulação periférica e a perder peso», justifica.

Contudo, a actividade deve ser escolhida, aconselha o especialista, «depois da realização de exames médicos e em função do tempo de evolução da diabetes, bem como da existência ou não de complicações como a neuropatia, retinopatia, nefropatia, problemas de circulação periférica, hipertensão arterial ou complicações cardíacas».

Deve-se igualmente evitar o stress, uma vez que «eleva dos níveis de açúcar no sangue».

As injecções de insulina são muito dolorosas: Falso

O tipo de tratamento depende das características da doença e das necessidades de cada um. «Através de análises consegue-se perceber como estão os índices de glicose no sangue», refere o médico.

«Enquanto os doentes com a diabetes de tipo 1 são insulinodependentes, necessitando de várias doses de insulina ao longo do dia, as pessoas que sofrem de diabetes de tipo 2 até podem nem necessitar de injecções de insulina ou, eventualmente, administrarem uma dose para regular a compensação. A dosagem é sempre muito variável», indica o endrocrinologista.

«O receio de que as injecções de insulina sejam muito dolorosas não tem razão de ser. As agulhas são extremamente finas e as injecções são indolores».

As diabéticas não devem engravidar: Falso

Com a qualidade do acompanhamento médico existente nos dias de hoje não faz sentido recear uma gravidez.

«As diabéticas podem engravidar sem qualquer problema. No entanto, têm de saber quando é que pretendem engravidar para, alguns meses antes, andarem rigorosamente bem compensadas».

«E, quando grávidas, devem ser seguidas numa consulta de alto risco para que a monitorização seja adequada. Se estiver bem acompanhada, o risco de vir a ter problemas é muito reduzido», confirma.

A diabetes não tem qualquer relação na disfunção sexual: Falso

Tratando-se de uma doença vascular, que provoca alterações nas artérias ou nas veias, a diabetes pode comprometer o aparelho sexual feminino e masculino, gerando disfunções sexuais, com perda da sensibilidade.

«A obstrução das artérias que levam o sangue ao pénis provoca disfunção eréctil, nas veias não permite manter a erecção. Os próprios medicamentos que os diabéticos tomam para controlar outras patologias, como é o caso de alguns antihipertensores, também podem perturbar a erecção», esclarece.

No caso das mulheres, «a presença de açúcares na urina e o aumento de açúcar nos tecidos, que propicia o aparecimento de infecções, podem causar a secura das mucosas, dificultando a penetração e dificultando o orgasmo». Existem, conclui, «alguns medicamentos recentes que permitem melhorar a vida sexual».

Texto: Fátima Lopes Cardoso