Um pouco por todo o mundo, sucedem-se os estudos. Apesar de já se ter percebido que a pandemia global de COVID-19 que obrigou o mundo a isolar-se em casa e a afastar-se de familiares, amigos, colegas e vizinhos tem afetado a saúde mental dos cidadãos, investigadores de vários quadrantes reúnem-se para estudar o fenómeno e para definir estratégias de intervenção que minimizem futuramente esses impactos. Muitos deles vaticinam que as feridas entretanto abertas vão levar tempo a sarar.
Isolados no interior das habitações, afastados das rotinas tradicionais e do círculo social habitual ou internados longe de entes queridos em ambientes que nem sempre são os mais acolhedores, muitos indivíduos desenvolveram ou viram agravados quadros de depressão, de ansiedade, de nervosismo, de stresse e até de síndrome de Burnout, um esgotamento físico e mental intenso que tem consequências físicas, emocionais, cognitivas, comportamentais, laborais e até existenciais.
As consequências estão à vista e alarmam os profissionais de saúde um pouco por todo o mundo. Para além de maior tristeza, apatia, frustração, raiva e revolta, o surto viral provocado pelo SARS-CoV-2 está também, em maior ou menor grau, na origem de uma maior irritabilidade, de problemas de concentração, de ruminações, de isolamento e de conflitos. Uma maior lentificação na realização de tarefas, um decréscimo da criatividade e a alteração da visão que se tinha da vida são outras das consequências mais apontadas pelos especialistas. A automedicação e o aumento do consumo de tabaco, de álcool e de drogas na tentativa de escapar à realidade no último ano também têm reflexos diretos na saúde mental dos cidadãos.
Novas realidades laborais e familiares são outra das consequências da crise sanitária que, apesar dos processos de vacinação em curso, ainda não tem o fim à vista. No trabalho, o panorama é marcado por atrasos, absentismo, baixas médicas, maior número de erros no desempenho das funções, menor produtividade e eficácia profissional e baixa realização profissional. Apesar das vantagens comprovadas para os trabalhadores e para as empresas, o teletrabalho também tem desvantagens.
Em muitas situações, leva os funcionários a trabalharem mais horas, ignorando as rotinas que tinham antes da pandemia. Nalguns casos, os horários prolongaram-se e as habituais pausas para as refeições ou para um café e dois dedos de conversa com os colegas, condições essenciais a um equilíbrio psicológico na opinião de muitos psicólogos e psiquiatras de todo o mundo, foram pura e simplesmente suprimidas. A redução desse tipo de socialização quotidiana também tem impactos.
Casos de violência doméstica aumentaram
Do mesmo modo que afastou muitas pessoas, o novo coronavírus também aproximou outras, ainda que essa reaproximação nem sempre tenha sido benéfica. Muitos casais e muitas famílias viram-se confrontados, de um momento para o outro, com o facto de terem de passar a conviver durante mais horas do que aquelas a que estavam habituados, o que também se refletiu nos relacionamentos interpessoais. No primeiro confinamento, que durou um mês e meio, as agressões em casa aumentaram.
De acordo com a segunda versão do relatório "Violência contra as mulheres e violência doméstica em tempos de pandemia", elaborado pela Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), só nesse período foram reportados 683 casos. Desses, 83% das vítimas são do sexo feminino e 17% dos agredidos do sexo masculino. A análise das queixas revela que 34,1% das agressões ocorre no seio familiar e não se limitam ao casal. Do total, 12,6% foram infligidas a crianças e 14,9% contra idosos.
Impacto psicológico moderado a severo
No segundo semestre de 2020, a Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) e o Centro de Trauma, uma unidade do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, anunciaram a participação numa investigação internacional sobre a adaptação e a resiliência das populações face à pandemia. O projeto, intitulado "COVID-19: Stress, adaptação e trauma - Um estudo pan-europeu", pretende avaliar o impacto que o surto está a ter na saúde mental da população.
Nessa altura, já uma equipa de investigadores da Universidade de Oxford, em Inglaterra, tinha iniciado a sua análise. As conclusões, apresentadas entretanto, não deixam dúvidas. Cerca de 20% dos inquiridos manifestaram sintomas de ansiedade e depressão após a generalização da pandemia. Por cá, a percentagem foi de quase o dobro. Um estudo realizado pelo Mind - Instituto de Psicologia Clínica e Forense, desenvolvido em parceria com o Centro de Investigação em Psicologia da Universidade Autónoma de Lisboa e do Departamento de Educação e Psicologia da Universidade de Aveiro, concluiu que, na fase inicial da pandemia, quase metade dos portugueses, cerca de 49,2%, sentiu um impacto psicológico moderado a severo.
Stresse, ansiedade e depressão foram os sintomas mais apontados. Para preservar a saúde mental nacional em tempo de pandemia, a Ordem dos Psicólogos Portugueses elaborou uma lista com estratégias que permitem encarar o período de desgaste que vivemos com (mais) esperança e otimismo. Viver um dia de cada vez e não se isolar são duas das recomendações. Ocupar o tempo com atividades prazerosas que sejam, ao mesmo tempo, tranquilizadoras é outro dos conselhos deste organismo.
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