Manuel Antunes de Sousa tinha feito 70 anos em fevereiro, dias antes do primeiro caso oficial de COVID-19 em Portugal ter sido confirmado pelas autoridades oficiais. Morreu no Hospital de São Francisco Xavier, em Lisboa, no dia 30 de julho de 2020, numa altura em que a pandemia viral causada pelo SARS-CoV-2 já tinha feito milhares de vítimas em território nacional. Foi uma das duas mortes que a imprensa noticiou nesse dia. Natural de Vila Verde, no distrito de Braga, morava no concelho de Oeiras.
"Entrou no hospital no dia 26 de junho pelo proprio pé e já não saiu", desabafou Oriana Sousa no comentário de uma publicação nas redes sociais. Manuel Branco, 82 anos, um dos utentes do Lar da Santa Casa da Misericórdia da Marinha Grande, um dos muitos onde se registaram surtos, deu entrada no Hospital de Santo André, em Leiria, pouco mais de quatro meses depois. Foi internado no dia 02 de novembro. A demência avançada de que o idoso sofria não lhe permitiu perceber a gravidade da situação.
"Saiu de lá no dia 11, sem nunca ter conseguido explicar o que sentia nem nunca ter percebido o que lhe estaria a acontecer. Morreu sem nunca ter visto um rosto, pelo menos, que lhe fosse familiar, nem que fosse o da vizinha, como me chamava. Há muito que não era a filha mas não importava", relata Dina Silva. "Morreu ali e acabou. Nunca me foi permitido vê-lo em vida, muito menos depois da morte. Foi, simplesmente um corpo ensacado e encaixotado, com uma etiqueta, como se de um engenho explosivo se tratasse. Foi diretamente para o crematório. Ainda me questiono e vou questionar sempre se seria mesmo o meu pai", confidencia.
Cláudia Maciel é outra das vítimas enlutadas da pandemia. "O meu companheiro, Filipe Bretes, tinha 44 anos. Morreu no dia 7 de dezembro de 2020. Já estava doente mas a situação dele agravou-se com a COVID-19. Não pudemos acompanhá-lo [quando foi para o hospital]. Nunca mais o vimos. A minha filha ficou sem pai e ainda não tem dois anos! É tão triste e tão doloroso", desabafa. A impossibilidade de se poderem despedir dos entes queridos é uma das mágoas que muitos carregam. Uma ferida difícil de sarar.
"O meu avô, Mário Padilha das Neves, com 90 anos, deu entrada nas urgências do Hospital de São João, no Porto, completamente consciente no dia 20 de janeiro deste ano, acabando por não resistir e por falecer no dia seguinte. A rapidez com que tudo evoluiu e o facto de nunca mais o podermos ver, nem sequer o corpo, deixa toda a família com um vazio e com muitas questões por responder", assume a neta, Leonor Padilha de Melo. Nesse dia, a imprensa noticiava 221 mortes em Portugal, um novo máximo diário.
Numa das fases mais críticas a seguir às festas natalícias, foram identificados mais 13.544 casos, o segundo registo mais alto de sempre. O número de internamentos aumentava, então, consecutivamente há 20 dias. Mónica Fonseca integra a lista negra dos que perderam mais do que um familiar. Em menos de um mês, o seu mundo desabou. Maria Rosete Fonseca, a mãe, tinha 74 anos. Manuel Nicolau Fonseca, o irmão, ainda não tinha feito 37. "Faleceram ambos com um intervalo de três semanas", lamenta.
Ao contrário de Mónica Fonseca, Rosa Costa ainda sabia pouco sobre o novo coronavírus quando foi confrontada com ele. "A minha mãe, Maria Rosa Rocha, foi um dos primeiros casos em Portugal. Foi infetada dentro do hospital de Coimbra. Entrou para fazer uma cirurgia ao colo do fémur, uma operação que correu mal. Tinha 84 anos", recorda, quase um ano depois, a filha. Alcina Filipe estava a apenas quatro meses de completar 100 anos. Também ela foi infetada no hospital para onde foi levada após sofrer uma queda.
Henrique Pereira ainda fez 69 anos mas já não os pôde celebrar. Passou-os em coma induzido, ligado a um ventilador. "Entrou pelo seu pé sem saber que não voltaria mais a sair, sem se despedir. Disse apenas um até já à sua mulher, que o deixara no serviço de urgências. Faleceu no dia 12 de janeiro de 2021, no Hospital de São Bernardo, em Setúbal. Fez anos a 9 de janeiro. Tinha dado entrada no dia 3 janeiro", recorda Rute Pereira, a filha. Helena Coelho também perdeu dois dos seus pilares, a mãe e a avó, Maria Isabel Coelho e Maria Helena Machado. "Morreram com 11 dias de diferença", revelou no comentário de uma das publicações de Rita Marrafa de Carvalho, uma das jornalistas da redação da RTP.
Para uma reportagem de homenagem, pedia nomes. Muitos dos seguidores responderam com histórias sofridas, relatos doridos e desabafos sentidos. "A minha querida mãe, Ana Maria Camilo, faleceu com 65 anos no Hospital José Joaquim Fernandes, em Beja, onde estava internada. Estivemos uma semana a receber notícias a conta-gotas e nunca nos podemos despedir dela. Isso é o que mais nos custa", confidencia Maria Camilo. Em poucos dias, foram duas as más notícias e também distintas as duas experiências vividas.
"Passadas 48 horas, o meu querido avô, Francisco Godinho, também partiu aos 91 anos com COVID-19 mas, ao contrário da minha mãe, faleceu em casa e todos nós nos pudemos despedir dele. Não teve nada a ver. Eram pai e filha", sublinha a familiar enlutada. José Chagas Cumbrenhas, outra das vítimas do surto, morreu há menos de um mês, no dia 4 de fevereiro, no Hospital Curry Cabral, em Lisboa. "Protegia-se sempre e eram poucas as vezes que saía de casa", garante a filha, Paula Pardal. Tinha 79 anos.
"Lutou durante 10 dias. Pedi-lhe para resistir, mas não conseguiu. Morreu só, sem as visitas que amparam e encorajam e a despedida foi também solitária", lamenta. "Este vírus é cruel e silencioso, aprendi-o da pior maneira", desabafa ainda. A COVID-19 não acabou apenas com a vida dos mais velhos. Bruno Daniel Batista tinha 27 anos quando a pandemia viral o levou. "Eu perdi um pai e sei que é uma dor difícil. Mas não devem haver palavras para explicar o sofrimento de perder um filho", considera Sónia Freitas.
Até ao momento, já morreram em Portugal 16.351 pessoas com COVID-19. O número de infetados ultrapassa os 805.000. Experiências dolorosas e traumáticas são mais do que muitas. "A minha avó, Maria Figueiredo, faleceu aos 95 anos no Hospital dos Covões, em Coimbra, a 2 de novembro. Quando ela morreu, nós também estávamos infetados. Tivemos de assistir às celebrações fúnebres através da plataforma digital Zoom. É uma mágoa que nunca vai passar", refere Inês Ribeiro, um dos mais de 720.000 recuperados.
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