O cancro do colo do útero é causado por uma infeção persistente do Vírus do Papiloma Humano (HPV) que poderá provocar lesões que, se não forem detetadas e tratadas precocemente, poderão evoluir para um tumor maligno. A forma mais eficaz de o prevenir é estar protegido com a vacina nonavalente, ou seja contra nove serotipos do vírus, o que aumentou a proteção para cerca de 90% dos tipos de vírus do papiloma humano associados ao cancro do colo do útero e outros cancros anogenitais.
Portugal é dos países com maior taxa de cobertura vacinal, consistentemente acima dos 85%. A vacina inserida no Programa Nacional de Vacinação (PNV) confere uma percentagem de proteção de 90% para o cancro do colo do útero, 95% para o cancro do ânus, 90% para o cancro da vulva, 85% para o cancro da vagina e 90% para verrugas genitais.
Esclarecemos algumas dúvidas com o médico Pedro Vieira Baptista.
Quais são os principais grupos de risco desta doença?
Toda a população que algum dia tenha tido atividade sexual, e especialmente se não vacinada antes do início da mesma, está em risco. Mais de 80% da população tem contacto com vírus de HPV de alto risco.
Claro que, nalguns casos, o risco é superior: imunodeprimidas (VIH, uso de corticóides, transplantadas, uso de imunossupressoras), fumadoras, múltiplos parceiros, história de outras infeções de transmissão sexual, comportamentos sexuais de risco (início precoce da actividade sexual, múltiplos parceiros), fatores genéticos, existência de outras lesões relacionadas com o HPV (neoplasia intraepitelial de alto grau da vulva ou vagina) e determinados tipos de flora vaginal. O papel dos contraceptivos orais é algo controverso, mas o seu uso parece estar associado a um aumento de risco.
O que é o cancro do colo do útero e que tipos deste tumor existem?
Quando se fala de cancro do colo do útero estamos a referir-nos às lesões malignas da porção mais distal do útero (colo). Em termos de fatores de risco, prognóstico e tratamento são bastante diferentes das do corpo uterino. O HPV é um fator obrigatório para o desenvolvimento do cancro do colo do útero, porque são muito raros os casos em que este não está envolvido, não tendo qualquer papel nos do corpo uterino.
O principal tipo histológico é o carcinoma epidermóide, seguido pelo adenocarcinoma. Todos os restantes tipos são muito raros. Ainda que os epidermóides tenham vindo a diminuir gradualmente, o mesmo não se tem verificado nos adenocarcinomas – surgindo estes, habitualmente, em mulheres mais novas e tendo pior prognóstico. O seu diagnóstico por citologia (Papanicolaou) é difícil, sendo mais um argumento a favor do rastreio com teste de HPV.
O que se tem feito em Portugal para combater o cancro do colo do útero?
Portugal não se encontra bem classificado a nível europeu em termos de taxa de incidência; ocupa uma posição um pouco melhor em termos de taxa de mortalidade. Contrariamente a este cenário, estamos no topo da tabela em termos de vacinação. Temos uma taxa de cobertura vacinal de perto de 90% - o cancro do colo do útero dentro de poucas décadas será uma raridade entre nós.
Podemos ficar descansados?
Ainda que o futuro seja muito risonho neste aspeto, é preciso ter em conta que a maioria das mulheres acima dos 27 anos não está vacinada. Ou seja, é preciso um rastreio eficaz. Desde setembro de 2017, temos legislação a regular e a impor um rastreio organizado, baseado em testes de HPV. Até aí, existiam diferentes tentativas, com diferentes modelos – e nalgumas zonas não existia nada, apenas rastreio oportunístico. A mudança para o teste de HPV primário é um enorme salto, mas, naturalmente, demora a que o sistema se adapte.
No futuro próximo, teremos que repensar os moldes deste rastreio, nomeadamente para as raparigas mais jovens, maioritariamente vacinadas – passará por iniciar o rastreio mais tarde, realizar testes com intervalos mais alargados, bem como o uso de novos marcadores moleculares. Em relação a este rastreio, vale a pena pensar na semântica: ainda que se fale em rastreio do cancro do colo do útero, o seu objetivo não é detetar estas lesões, mas sim as suas precursoras e tratá-las antes de chegar à fase invasora.
Como se pode prevenir?
A prevenção do cancro do colo do útero começa na educação: em termos de comportamentos sexuais (pense-se, por exemplo, que, com a profilaxia pré-exposição ao VIH, poderá diminuir o uso de preservativo e aumentarem as outras ISTs), tabagismo e na promoção da vacinação e adesão ao rastreio.
A vacinação é, sem sombra de dúvida, a medida que maior impacto terá: para além de diminuir drasticamente o número de cancros do colo do útero, vai diminuir também o de testes de rastreios alterados (e consequente ansiedade), condilomas (verrugas), lesões pré-invasoras do colo, lesões pré-invasoras e invasoras da vagina, vulva, pénis e ânus (e, possivelmente, da cavidade oral).
Seria uma medida interessante em termos de saúde pública o alargar a vacinação às populações de risco, incluindo aquelas mulheres que já tiveram lesões pré-invasoras.
O rastreio é igualmente fundamental para a prevenção do cancro do colo do útero – especialmente nas mulheres não vacinadas. Nas vacinadas não deverá ser iniciado antes dos 25 anos.
A lesão precursora do cancro do colo do útero é a lesão intraepitelial de alto grau (CIN2 e CIN3). Quando identificadas, devem ser tratadas (ou, preferencialmente, se CIN2 em mulheres com menos de 30 anos, vigiadas de forma rigorosa). Até 30% destas lesões têm potencial de progredir – o tratamento (exérese da zona de transformação/”conização”) interrompe este processo com grande eficácia. Contudo, há um preço: aumento do risco de complicações obstétricas, nomeadamente aumento do risco de parto pré-termo e de ruptura prematura de membranas).
Quais são os sintomas?
As lesões precursoras do cancro do colo do útero e as fases iniciais do cancro são, infelizmente, assintomáticas.
Quando há sintomas, habitualmente estamos já perante uma lesão avançada. Estes podem incluir: sangramento (por vezes relacionado com a atividade sexual), corrimento vaginal, dores pélvicas ou lombares. Daqui se vê o interesse do rastreio.
Tome nota
- Estima-se que 75 a 80% das pessoas sexualmente ativas tenham contacto com o Vírus do Papiloma Humano (HPV) em alguma altura das suas vidas;
- Transmite-se muito facilmente durante o contacto sexual, genital ou oral;
- O HPV infeta tanto homens, como mulheres e não distingue idade nem género;
- Na maioria das vezes, a infeção pelo vírus não tem qualquer sintoma e mesmo quando a doença já está instalada, esta pode ser assintomática;
- Na maior parte dos casos, a infeção provocada pelo HPV desaparece espontaneamente ao fim de 1 a 2 anos;
- Não é possível prever quem irá desenvolver doença associada ao vírus;
- A prevenção através do rastreio é essencial – qualquer pessoa sexualmente ativa pode estar infetada e infetar o seu parceiro sem saber.
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