Imagine uma fábrica de medicamentos feitos à sua medida, adaptados às suas necessidades e disponíveis sempre que necessário. Talvez não saiba mas essa fábrica existe. «O nosso corpo produz fármacos a toda a hora, enzimas, hormonas, anticorpos para combater infeções e regular toda a sorte de desequilíbrios que possam ocorrer», revela o reumatologista e investigador do Instituto de Medicina Molecular, João Eurico Fonseca. A ciência sempre sonhou imitar esta capacidade, mas só há poucos anos é que chegou lá perto com a criação dos medicamentos biológicos.

Ao contrário do que acontece com os medicamentos vulgares, fabricados a partir de sínteses químicas em laboratório, os medicamentos biológicos são produzidos a partir de células vivas, com recurso a técnicas de biotecnologia. «Colocamos o ADN de uma proteína que nos interessa fabricar dentro da célula e quando esta se replica fá-lo com a alteração que lhe introduzimos», explica o investigador. Introduzidos no mercado em 1999, os fármacos biológicos são um enorme avanço no tratamento de doenças como artrite reumatoide, doença de Crohn e doenças oncológicas.

Uma das suas principais características é serem únicos. É impossível haver um igual a outro. «Isto acontece porque as células não são entidades estáticas mas organismos vivos que se vão adaptando e produzindo alterações. Essas alterações variam de célula para célula, e na mesma célula ao longo do tempo, o que torna o processo de fabrico de medicamentos feitos com células muito complexo, caro e difícil», explica João Eurico Fonseca.

Cada fabricante tem as suas linhas celulares, e desenvolve os seus processos. Para ter uma ideia, a produção destes medicamentos é tão complexa que «há fabricantes que não mexem nas linhas de fabrico há anos para não correr o risco de alterar as condições em que os medicamentos são feitos», explicou o médico à Prevenir.

Cópia impossível

Fazer medicamentos genéricos de medicamentos biológicos é impossível. «Os genéricos são cópias perfeitas dos medicamentos que imitam, e dado que os biológicos são únicos, é impossível garantir a mesma composição qualitativa em substâncias ativas ou a mesma fórmula farmacêutica», diz o especialista. Além disso, os medicamentos biológicos têm assegurado o segredo industrial por tempo indefinido, o que impede outras empresas de ter acesso às instruções de fabrico, mesmo depois da patente cair.

«É como vermos a fotografia de um Boeing e querermos fazer um avião igual sem ter as instruções, ou comermos um prato fantástico e tentarmos fazer igual em casa sem ter a receita», explica. Foi isso mesmo que os cientistas fizeram criando os biossimilares. Não sendo exatamente iguais são suficientemente idênticos para terem efeitos terapêuticos equivalentes.

As muitas vantagens

«Desde 2006 que têm sido utilizados com segurança na União Europeia e nas próximas décadas muitas mais patentes de medicamentos biológicos irão caducar e versões biossimilares poderão ser fabricadas com menos custos», afirma João Eurico Fonseca. Por ser difícil garantir a mesma eficácia, os testes a que têm de ser sujeitos são em muito maior número e mais exigentes do que os dos genéricos e a farmacovigilância é mais apertada.

O processo de aprovação é gerido pela Agência Europeia do Medicamento e pelo Infarmed, tem de passar por ensaios clínicos para verificar a eficácia e a segurança e é obrigatório fazer-se um registo dos doentes que estão em terapia com estes medicamentos. Há quatro biossimilares aprovados na Europa e seis em fase de ensaio.

Veja na página seguinte: Os biossimilares já disponíveis em Portugal

Apenas disponíveis para poucos doentes

Apesar de futuristas, os medicamentos biológicos e biossimilares não vão substituir os medicamentos convencionais no futuro.  Devido à sua composição e elevado tamanho molecular, os medicamentos biológicos e biossimilares têm mais risco de serem reconhecidos pelo organismo como um corpo estranho e, por isso, um potencial maior para causar reações imunológicas indesejáveis. «Só cerca de 10 por cento dos doentes têm indicação para medicação biológica. A ideia não é generalizá-los até porque os efeitos secundários exigem precaução acrescida.

O uso de biológicos tem associado um maior risco de infeção, reativação de tuberculose e infeções das vias respiratórias, urinárias e da pele. Geralmente, são prescritos a doentes que já não respondem a medicação convencional», explica João Eurico Fonseca. Outra característica dos medicamentos biológicos e biossimilares é não serem curativos.  O seu efeito é apenas sintomático. «Melhoram os sintomas e previnem a progressão da doença, mas não curam», realça o especialista.

«Estes atuam inibindo o processo de doença apenas enquanto estão a ser usados», acrescenta ainda. A exceção vai para os medicamentos oncológicos que «são combinados com cirurgia e quimioterapia e, em muitos casos, há uma remissão terapêutica», afirma João Eurico Fonseca.

O que caracteriza os biossimilares:

- São produzidos a partir de células vivas.

- São únicos. Não há um igual a outro.

- Não curam mas inibem os sintomas e progressão da doença.

- São sujeitos a mais testes do que os medicamentos convencionais

Os biossimilares já disponíveis em Portugal

Os medicamentos biossimilares disponíveis em Portugal em meados de 2015 são o Infliximab (para tratar, por exemplo, doenças autoimunes, como a artrite reumatoide, doença de Crohn, psoríase e espondilite aniquilosante), a Eritropoetina (para tratar a anemia associada à doença renal), o fator de crescimento dos granulócitos (usado em oncologia) e a hormona do crescimento, usada no tratamento de problemas de crescimento.

Texto: Bárbara Bettencourt com João Eurico Fonseca (diretor da Unidade de Investigação em Reumatologia do Instituto de Medicina Molecular da Faculdade de Medicina  da Universidade  de Lisboa)