A hipoglicemia (baixa do nível de açúcar no sangue) constitui uma complicação frequente da terapêutica da diabetes mellitus, não só na diabetes tipo 1 como, também, na diabetes tipo 2. A maioria dos episódios são ligeiros e sem custos financeiros acrescidos, embora os custos emocionais/psicológicos de alguns desses episódios possam ter influência sobre o grau de controlo metabólico posterior.
Contudo, as hipoglicemias severas têm custos económicos associados que não são de menosprezar. A maioria das hipoglicemias ligeiras a moderadas podem não ser reportadas à equipa de saúde. Mesmo as hipoglicemias graves e noturnas são, frequentemente, subvalorizadas em termos de registos clínicos.
Por outro lado, o medo de hipoglicemia pode levar ao excesso de consumo de alimentos hipercalóricos e a evitar a atividade física. Em relação às hipoglicemias noturnas, o receio de episódios de hipoglicemia durante o sono conduz a deterioração da qualidade do mesmo. A perda da capacidade de deteção das hipoglicemias, que pode ocorrer em alguns doentes, aumenta o receio de entrada em hipoglicemia.
Na atualidade nacional, mais de um milhão de portugueses entre os 20 e os 79 anos têm diabetes mellitus e os custos com esta patologia representam cerca de 10% das despesas totais em saúde. A maior fatia desse valor advém de custos indiretos com as complicações associadas ao deficiente controlo da doença. As complicações podem ser imediatas (as complicações agudas) ou desenvolvidas a longo prazo (as complicações crónicas).
Na hipoglicemia, a mais frequente das complicações agudas, está associada a compromisso na qualidade de vida mas, também, a um risco acrescido de morte (pelo risco de indução de arritmias e, potencialmente, enfarte agudo do miocárdio).
Episódios de hipoglicemia não detetados pelos doentes
Novos dados têm vindo a ser apresentados em reuniões científicas e publicados na literatura médica sobre a real expressão destes acontecimentos. Existem evidências de uma maior taxa de eventos de hipoglicemia na vida real do que em ensaios clínicos. Adicionalmente, muitos dos episódios de hipoglicemia não são detetados pelos doentes, sobretudo durante o período noturno, como evidenciado através da análise de monitorização contínua de glicose.
Estudos na população com diabetes tipo 2 têm demonstrado que as hipoglicemias ocorreriam em cerca de metade dos doentes sob insulinoterapia na forma de hipoglicemia ligeira a moderada e em quase um quarto daqueles na forma severa. Outros estudos, com seguimento de populações durante um mês, apontam para taxas mais elevadas de episódios de hipoglicemia na população com diabetes tipo 1 e tipo 2 sob insulinoterapia. Segundo estes estudos, os episódios de hipoglicemia ocorrem em mais de 80% das pessoas com diabetes tipo 1 e em cerca de metade das pessoas com tipo 2.
Torna-se assim imperativo encontrar soluções que permitam uma melhor gestão da pessoa com diabetes, que passa pela melhoria do controlo glicémico (assegurar que o açúcar no sangue se mantém em valores aceitáveis) conseguindo, assim, uma redução das complicações agudas e crónicas. Para tal, todas as pessoas com diabetes tipo 1 e uma parte significativa das pessoas com diabetes tipo 2 vêm a necessitar de terapêutica com insulina.
Contudo, a hipoglicemia pode ser um risco considerável e está dependente da dose administrada, do esquema escolhido e do tipo de insulina(s). Existem diferenças no risco de indução de hipoglicemia entre os vários tipos de insulina (inclusivé entre os vários análogos de insulina que, por si só, estão associados a menor risco de hipoglicemia quando comparados com doentes sob esquemas de insulinoterapia com recurso a insulina humana).
Tal diferença foi evidenciada com uma nova insulina - a insulina degludec - quando comparada com a insulina glargina, quer em doentes com diabetes tipo 1 quer com tipo 2. Foi demonstrada uma redução de significativa no total de episódios de hipoglicemia, nos episódios de hipoglicemia noturna (durante o sono) e no número de hipoglicemias severas.
Além das implicações económicas e na qualidade de vida das pessoas com diabetes, as hipoglicemias graves e as hipoglicemias durante o período noturno constituem acontecimentos profundamente traumáticos que podem (e muitas vezes o fazem) comprometer, de forma definitiva, a futura adesão ao tratamento e impedir a otimização no controlo metabólico. Todas as terapêuticas eficazes que minimizem o risco de ocorrer hipoglicemia constituem mais-valias para um adequado tratamento da pessoa com diabetes.
Um artigo do médico José Silva Nunes, endocrinologista do Centro Hospitalar de Lisboa Central.
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