Onde podemos encontrar um bom pão atualmente? Como sabemos reconhecê-lo e qual a melhor forma de o comermos? Isto para fazermos do pão aquilo que sempre foi, durante milénios, um amigo da nossa saúde.
“Um alimento muito interessante nutricionalmente. Um bom pão é fonte de fibra, minerais e vitaminas do complexo B”, explica-nos Cláudia Viegas nesta conversa. Saiba o leitor escolher um pão escuro (menos refinado) por oposição a um pão branco (mais refinado). Evite-o com açúcares que só visam preservá-lo mais tempo. Queira-o fruto de fermentações lentas, que permitem um desenvolvimento microbiano amigo da nossa flora intestinal.
E esqueça a ideia de que o pão engorda. Neste caso o pecado mora ao lado, ou melhor, sobre ou dentro de duas fatias de pão, naquilo que lhe juntamos, muita manteiga, muito queijo, enchidos, molhos à base de gordura. Pão à refeição também recebe um “sim” de Cláudia Viegas. Mas, atenção, não superando a dose diária de consumo de cereais por dia.
O pão é um alimento nutricionalmente interessante?
O pão é um alimento muito interessante, feito a partir de cereais, cujo consumo deve ser significativo, uma vez que são fonte de hidratos de carbono, o nosso principal combustível.
Nutricionalmente, o maior ou menor interesse relativamente ao pão que comemos, reside no tipo de cereais que o constitui. Um bom pão, para além de cereais de boa qualidade e com um índice glicêmico moderado a baixo, é ainda fonte de fibra, minerais e vitaminas do complexo B.
Tornando a pergunta mais específica, a generalidade do pão que hoje em dia consumimos é nutricionalmente interessante?
Temos diversos tipos de pão, devendo optar se por pão à base de cereais menos refinados como integral ou centeio, existindo ainda outras variedades, menos comuns ou disponíveis. O ideal é escolher um pão escuro (menos refinado), por oposição a um pão branco (mais refinado).
A maior refinação implica um pão menos rico em fibra e outros nutrientes, assim como um pão cujo índice glicêmico é mais elevado e que se associa a menor saciedade. Tipos de pão menos interessantes são aqueles que conhecemos como “Pão Rico”, pois contém mais açúcar de forma a manterem-se apetecíveis por mais tempo, que possuem um índice glicêmico mais elevado.
O que devemos considerar ao olharmos para a lista de ingredientes no pão embalado?
Quando olhamos para a lista de ingredientes o ideal é escolher um pão que tem como ingredientes farinha, fermento, água e sal e, em relação a este último componente, o mínimo possível. Muitos dos pães do mercado contém ingredientes tecnológicos que procuram acelerar o tempo de fermentação. Um bom pão é aquele que foi feito com uma fermentação mais lenta, permitindo um maior desenvolvimento microbiano que vai, não só permitir digerir alguns dos constituintes do próprio pão, como alimentar a nossa flora intestinal enriquecendo-a, o que é benéfico.
Quando olhamos para a lista de ingredientes o ideal é escolher um pão que tem como ingredientes farinha, fermento, água e sal e, em relação a este último componente, o mínimo possível.
Um dos grandes “pecados” que recaem sobre o pão é o de que engorda. É um facto ou mero mito?
Mito, totalmente mito. Há várias hipóteses que explicam o porquê deste mito. Por um lado, aquilo que já referi, o tipo de pão. Quando mais refinada a farinha de que é feito o pão, menos interessante ele é, maior o índice glícémico apresenta e mais rapidamente as moléculas de amido são desdobradas em açúcar [glicose] o que pode contribuir mais facilmente para que parte do que é absorvido seja armazenado sob a forma de gordura.
Como referi antes, pães com cereais completos, menos refinados, de centeio, por exemplo, mais ricos em fibra, têm uma absorção mais lenta, o que contribui para que as moléculas de glicose absorvidas sejam gastas ao longo do tempo. São também, por este motivo, pães que nos dão mais saciedade.
Isto é válido para o pão como é para todos os outros cereais que ingerirmos.
Ou seja, aqui o "pecado" mora ao lado…
Muitas vezes exageramos naquilo que colocamos no pão, muita manteiga, muito queijo, enchidos, molhos à base de gordura. Não só a quantidade de pão consumida pode ser excessiva, induzida pelos elementos que o acompanham, como estes elementos, muito ricos em gordura, contribuem ativamente para o armazenamento de energia no nosso organismo. E depois culpamos o pão…
Há um limite diário aconselhável para ingerir pão?
Nós devemos consumir quatro a 11 porções de cereais por dia. O número de porções depende da nossa idade e nível de atividade física, mas poderíamos dizer que um adulto poderia ingerir cerca de sete a oito porções de cereais. Uma porção de cereais corresponde, por exemplo, a um pão de 50 gramas, 125 gramas de batata e 110 gramas de arroz ou massa (cozidos).
Numa refeição principal podemos considerar duas a duas porções e meia. O que dá duas a três porções para as restantes refeições [pequeno almoço e lanches e ou ceia]. Isto dá entre dois a três pães por dia ou equivalentes [por exemplo cereais de pequeno almoço]. Naturalmente, isto é apenas um exemplo.
A quantidade de sal atualmente no nosso pão é aceitável?
Atualmente temos legislação que limita o teor do sal no pão a 1,4 g por 100 gramas. Se tivermos em conta dois ou três pães de 50 gramas por dia, estamos a falar de um valor de 1,4 a 2,1 g de sal só em pão, o que, para a recomendação de 5 gramas diárias de sal, é um contributo significativo.
Mas a redução de sal é um caminho que deve ser feito de forma gradual. No entanto, esta lei é de 2009 e a literatura refere que as nossas papilas gustativas se habituam, em termos de sal, ao fim de cerca de seis meses, o que permite que as reduções possam ser feitas com mais regularidade. No entanto, o trabalho na redução de sal tem que ser feito não apenas no pão, mas de forma transversal. Penso que o que deve de existir é um maior esforço no sentido de fazer reduções de forma mais integrada, transversal e com uma periodicidade maior.
Sim ou não em relação ao pão às refeições?
Na lógica da pergunta anterior, no que respeita ao limite diário de pão, o que devemos de ter em conta são as porções totais de cereais, à refeição e no dia. Assim, podemos comer pão à refeição, mas ao fazê-lo devemos reduzir na mesma refeição a porção do outro cereal/tubérculos [arroz, massa, batata].
Não nos podemos esquecer que a nossa tradição portuguesa tem sempre o pão na mesa e à refeição, normalmente a acompanhar refeições como feijoada, caldeirada, entre outras. Estas refeições, confecionadas de forma tradicional, privilegiam os alimentos de origem vegetal, boas gorduras, onde os alimentos de origem animal aparecem como o “condimento” e o pão enquadra-se perfeitamente neste contexto. Tudo tem que ver com o equilíbrio dos vários competentes no prato.
O pão sem glúten é uma moda ou deveria vir para ficar?
O pão, ou qualquer outro alimento sem glúten, destina-se às pessoas que têm intolerância ao glúten (doença celíaca). A moda de consumo de alimento sem glúten por quem não tem esta intolerância não faz qualquer sentido. É importante, para quem tem doença celíaca, que se produza pão sem glúten e que a técnica de produção deste pão evolua, porque efetivamente é normalmente um pão que fica mais denso, já que o glúten é responsável por conferir elasticidade à massa. Por isso, muitas vezes menos apetecível. No entanto, para o público em geral, o pão tradicional é aquele que faz mais sentido consumir.
Cláudia Viegas é Professora Adjunta na Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Lisboa. Os seus principais interesses de investigação estão relacionados com Alimentação em contexto de Hotelaria e Restauração na relação com a Saúde Pública, Promoção e Proteção da Saúde e Estilos de Vida.
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