Quais são os erros alimentares mais comuns na população em Portugal?

Em Portugal, a alimentação inadequada é uma das principais causas evitáveis de doenças crónicas, perda de qualidade de vida e mortalidade prematura. Segundo o último Inquérito Nacional de Alimentação e Atividade Física, os principais erros alimentares, com repercussões na saúde relacionam-se com:

- um elevado consumo de sal de (7,3 g/dia comparativamente aos 5 g recomendados pela Organização Mundial de Saúde)

- um elevado consumo de açúcar (24,3% da população portuguesa apresenta um consumo de açúcar ao valor máximo recomendado pela OMS, sendo esta percentagem ainda superior nas crianças (40,7%) e adolescentes (48,7%)

- consumo insuficiente de frutas e hortícolas (cerca de 56% da população não cumpre com as recomendações da OMS, sendo a percentagem de inadequação ainda mais preocupante no grupo das crianças (72%) e dos adolescentes (78%);

O ditado diz que a laranja de manhã é ouro, à tarde é prata e à noite mata. É verdade que a laranja é prejudicial se for ingerida ao final do dia?

É de facto um ditado popular muito antigo para o qual não existe propriamente justificação científica. A laranja é rica em água, fibra, vitaminas, nomeadamente vitamina C e outros antioxidantes. Por ser ácida pode, em pessoas mais sensíveis, exigir um esforço adicional na digestão e por isso não ser aconselhável à noite, quando se pretende criar as melhores condições para uma boa noite de sono e talvez seja isso que justifica o provérbio. No entanto, acredito que a intenção era mais estimular o consumo de laranja logo no início do dia, altura em que todos esses nutrientes são melhor absorvidos e essenciais para um ótimo início de dia.

É melhor fazer 6 refeições mais pequenas ao longo do dia ou optar por três momentos de alimentação equilibrados? Existe um método ideal de distribuição das refeições?

As recomendações das autoridades de saúde apontam para um objetivo ideal de 5 a 6 refeições distribuídas ao longo do dia, de forma a evitar intervalos de jejum superiores a 3h30m. Desta forma é mais fácil controlar o apetite e garantir uma ingestão alimentar mais adequada. Comer de 3h30m em 3h30m faz com que se distribua de forma mais equilibrada os alimentos ao longo das horas em que se está acordado, fazendo com que não se concentre uma grande quantidade de alimentos e calorias em apenas 2 ou 3 refeições (normalmente o almoço e o jantar). Esses intervalos ajudam igualmente a evitar que nos sentemos à mesa com fome o que torna mais difícil fazer boas escolhas.

Qual a refeição mais importante do dia? 

Todas as refeições são importantes na medida em que garantem o fornecimento de nutrientes em cada momento do dia e se complementam para um dia alimentar equilibrado, completo e variado. Classicamente costuma atribuir-se essa designação ao pequeno-almoço por ser aquela refeição que quebra o jejum das várias horas de sono e que reabastece o organismo garantindo que temos a energia e os nutrientes essenciais para começar o dia da melhor forma. Além de tudo, tomar o pequeno almoço contribui para melhorar o humor.

Jejum intermitente funciona na perda de peso ou nem por isso? Se sim em que casos?

O jejum intermitente é um método de controlo de ingestão alimentar que consiste em passar um período alargado (que pode ir das 12 às 36 horas) sem ingerir nenhum tipo de alimento. São apenas permitidas algumas bebidas não calóricas: água, chá ou café sem açúcar. Na prática, é uma forma alternativa de promover a restrição calórica.

Embora haja pessoas que reportam bons resultados na perda de peso através deste método, a evidência científica ainda não é suficiente para se poder tirar conclusões. Por outro lado, passar longos períodos sem comer pode até trazer alguns efeitos negativos ao nível da concentração ou até capacidade de trabalho físico e intelectual pelo que pode representar um risco para a saúde se não for devidamente acompanhado.

Comparando com um padrão alimentar dito “normal” o jejum intermitente mostra benefícios na perda de peso mas já o mesmo não acontece quando comparado com um padrão alimentar de restrição calórica simples.

nutricionista Ana Leonor Perdigão
Ana Leonor Perdigão, nutricionista

E a contagem de calorias é importante na gestão do peso?​ Qual é a sua opinião sobre este tema?​

A perda de peso, e principalmente a perda de massa gorda que é o desejado, é um processo fisiológico complexo. Na sua essência resulta do desequilíbrio entre a ingestão e o gasto energético, ou seja, perde-se peso quando se gasta mais energia do que a se ingere. Em condições normais esta restrição calórica não implica deixar de lado nenhum nutriente em particular (por exemplo os hidratos de carbono como muitas vezes se acredita) mas deve ser feita mantendo proporcionalmente as várias fontes de energia continuando a ser uma alimentação completa e saborosa.

Neste processo é muito importante ter noção dos valores calóricos e nutricionais dos vários alimentos para garantir que se fazem as escolhas corretas evitando o risco de carências nutricionais específicas mas “contar calorias” por si só, não será suficiente.  Além do mais, nem todas as calorias são iguais na forma como impactam o organismo. Dois alimentos com o mesmo valor calórico podem ser muito diferentes na forma como o organismo os utiliza. Por outro aldo, “contar calorias” pode ser até contraproducente uma vez que aumenta os níveis de ansiedade com o processo podendo gerar o efeito oposto. O ideal será procurar aconselhamento especializado junto de um nutricionista.

Toda a gordura alimentar é prejudicial? Porquê?

As gorduras, ou lípidos, é um nutriente e por isso é essencial a uma boa saúde. Existem essencialmente 2 tipos de gordura: a saturada e a insaturada que por sua vez ainda pode ser monoinsaturada ou polinsaturada. A primeira é característica dos produtos de origem animal e o seu consumo excessivo associa-se a algumas doenças como as cardiovasculares. As gorduras insaturadas estão presentes em alimentos de origem vegetal (azeite, óleos, sementes, frutos oleaginosos…) e também no peixe. Há um certo preconceito relativamente a este nutriente porque a tendência da alimentação atual é que o seu consumo seja excessivo e principalmente que se consuma demasiada gordura saturada. Em suma, as gorduras são essenciais ao organismo mas devem ser consumidas em quantidade moderada e dando preferência às de tipo insaturado.

Somos mesmo o que comemos? Ou a genética fala mais alto no que toca à qualidade da nossa saúde?

Esta frase tem mais de 2500 anos e foi proferida por Hipócrates, pai da medicina que já reconhecia a importância que a alimentação tem na nossa saúde e qualidade de vida. E acrescentava ainda “Que o vosso alimento seja o vosso primeiro medicamento". Apesar de todo o tempo que passou e de todos os avanços da ciência esta associação tem sido cada vez mais reforçada.

É verdade que a genética tem alguma influência mas o estilo de vida, considerando em particular os hábitos alimentares e a atividade física, são determinantes para a saúde não só de curto mas também de longo prazo.

Em Portugal, a alimentação inadequada é uma das principais causas evitáveis das doenças crónicas não transmissíveis, como a obesidade, cancro, doenças cérebro-cardiovasculares e diabetes tipo 2, contribuiu para 7,3% dos anos de vida perdidos por incapacidade e para 11,4% da mortalidade em 2019

As projeções das nossas autoridades de saúde para 2030 indicam que, do total de mortes previstas, a percentagem atribuível a erros alimentares será de 13,8% e 12% ao excesso de peso e obesidade.

É verdade que os produtos embalados são sempre piores do ponto de vista nutricional do que os produtos frescos? Dê-nos alguns exemplos.

Não é de todo verdade até porque, como em tudo, não podemos generalizar. O que é importante considerar é o perfil nutricional dos alimentos e de que forma contribui para suprir as necessidades de cada indivíduo.  Um produto fresco, se o for realmente, é sempre muito interessante do ponto de vista nutricional e se for local e da época, além de saudável é também mais sustentável. No entanto, pode não estar nas suas melhores condições de conservação e ter perdido grande parte do seu teor nutricional. Pelo facto de estarem embalados os alimentos estão mais protegidos dos fatores agressores que os alteram e provocam a sua deterioração, também da sua riqueza nutricional.

Por outro lado, um produto embalado é desenvolvido para ter sempre o mesmo valor nutricional e tem a vantagem de apresentar toda a informação no rótulo permitindo escolhas informadas. Hoje em dia, os próprios processos de conservação de alimentos são pensados para terem o menor impacto possível no perfil nutricional dos produtos, conservando a sua riqueza original e garantindo que ela se mantém ao longo de todo o seu tempo de vida.

Em suma, todos os produtos têm o seu lugar numa alimentação variada, completa e equilibrada e ajustada às necessidades de cada pessoa.

A sopa é um hábito altamente enraizado na população portuguesa. Faz parte da nossa cultura. Porquê? Qual o seu papel?

A sopa, principalmente a de hortícolas, é um excelente alimento pela sua riqueza nutricional. A sopa consiste num método de confeção muito simples (cozer em água) e versátil (permite usar quase todos os ingredientes). Tem como vantagens:

– aumentar a digestibilidade dos alimentos, como os hortícolas, o que facilita a digestão e absorção de nutrientes,

– preservar as características nutricionais dos alimentos, uma vez que a cozedura é feita a baixas temperaturas, não havendo degradação dos nutrientes;

– aproveitar os nutrientes que se dissolvem no caldo durante o processo de cozedura;

– ser de fácil confeção, conservação e consumo;

– promover a saciedade e ajudar a diminuir o apetite, principalmente se for consumida no início da refeição, pelo elevado teor em água e fibra e também pela temperatura a que normalmente é consumida (quente);

– permitir o aproveitamento integral dos hortícolas, como cascas e talos, que de outra forma seriam descartados;

– ajudar a controlar os níveis sanguíneos de colesterol e de açúcar;

– melhorar o trânsito intestinal

Além de todas estas vantagens, a sopa é um prato de baixo custo o que o torna acessível a todas as bolsas.

Uma criança necessita de ter um consumo maior de vitaminas do que um adulto?

Todos os nutrientes são importantes em todas as fases da vida embora as quantidades em, que são necessários sejam diferentes em cada momento, pelas funções que desempenham. Durante as fases de crescimento mais intenso ou de maior exigência (gravidez, amamentação, situações de doença, etc.) as necessidades destes nutrientes reguladores (vitaminas e minerais) podem estar aumentadas mas são sempre proporcionais ao peso corporal.  Efetivamente a preocupação de garantir a ingestão adequada de vitaminas e minerais é maior nas crianças uma vez que a sua carência pode implicar problemas de desenvolvimento que podem ser irreversíveis. No entanto, não se trata de existirem maiores necessidades mas sim, serem eventualmente mais graves os impactos da sua inadequação.

10 conselhos para uma alimentação saudável da nutricionista Ana Leonor Perdigão

1. Tomar sempre pequeno-almoço

O corpo necessita de energia após uma noite sem alimentos. Mas é importante escolher bem o que se come e optar por uma refeição saudável logo ao acordar! Um pequeno-almoço rico e equilibrado deve incluir: lacticínios, cereais ou derivados e fruta. Estes são os elementos essenciais para começar o dia cheio/a de energia!

Tomar pequeno-almoço pode contribuir para a regulação do apetite ao longo do dia e para que não nos sentirmos tentados a ingerir alimentos demasiado calóricos e pouco interessantes nutricionalmente. Ao mesmo tempo pode melhorar o humor, diminuindo a ansiedade e a irritabilidade.

2. Beber pelo menos 1,5 l de água ao longo o dia

A água, além de ser uma fonte de hidratação, de contribuir para o normal funcionamento dos órgãos e promover o melhor desempenho cognitivo, ajuda na regulação do apetite e a manter a saciedade. Desta forma, pode ser um grande aliado na manutenção ou perda de peso.

A quantidade de água deve ser acrescida em dias de muito calor, em situações de esforço físico intenso ou de doença e deve ser dada especial atenção aos grupos mais vulneráveis como as crianças e os seniores.

3. Fazer 5 a 6 refeições por dia

Fazer várias refeições ao longo do dia, idealmente a horas regulares, não passando mais do que três horas e meia sem comer, pode ser um hábito saudável e a manter! Seguindo a lógica do pequeno-almoço, é importante não deixar o corpo demasiadas horas sem energia e nutrientes e optar por alimentos saudáveis ao longo do dia.

É também importante ter em atenção as porções! Procura fazer três refeições principais e 2 lanches saudáveis entre estas.

4. Optar por fazer pratos coloridos

A natureza encontrou uma maneira inteligente de destacar os nutrientes nos alimentos: nutrientes diferentes estão em cores diferentes. Assim, optar por fazer pratos coloridos, e dar preferência a vários tipos de hortícolas e frutas ajuda a cumprir as necessidades nutricionais diárias.

5. Dar preferência ao peixe e às carnes brancas

A proteína é essencial para o funcionamento do corpo e é responsável pela construção e saúde dos ossos, músculos, tecidos, pele e até sangue.

Existem vários alimentos fornecedores de proteínas, no entanto alguns são mais interessantes do que outros. Para uma alimentação mais saudável, devemos moderar o consumo de carnes vermelhas, como a de vaca e porco, privilegiando as carnes brancas, como as aves e todo o tipo de peixes. Os ovos são também uma boa opção.

6. Fazer algumas refeições à base de proteína vegetal por semana

Cada vez mais, seja por questões de saúde, éticas ou ambientais é importante reduzir o consumo de proteína animal o que não significa obrigatoriamente que nos tornemos todos vegetarianos. Substituir algumas refeições de proteína animal por semana, recorrendo a produtos vegetais como fontes proteicas é já muito comum na população portuguesa e uma excelente estratégia: boa para a nossa saúde e a do planeta. Combinar cereais e leguminosas é uma excelente forma de garantir o aporte proteico de que necessitamos reduzindo o consumo de carne.

7. Utilizar métodos de confeção simples

Optar por métodos de confeção que tirem partido dos sabores naturais dos alimentos, sem recurso a grande quantidade de gordura nem a temperaturas muito elevadas será o ideal. Assim, cozinhados a vapor, grelhados, assados e estufados, sem demasiados refogados são excelentes opções.

Limite o uso de sal, quer na confeção quer na mesa, recorrendo a especiarias e ervas aromáticas e dando preferência ao azeite como gordura de tempero e de confeção.

8. Evitar alimentos demasiado calóricos e nutricionalmente pobres

As calorias são energia! No entanto, para manter o peso ideal deve gastar-se a mesma quantidade de calorias que é ingerida. Todos os alimentos consumidos em excesso vão ser transformados em massa gorda, sendo prejudicial para a saúde (e para a forma física!).

Alimentos de elevada densidade calórica, ricos em gordura e/ou açúcares, como é o caso dos produtos de pastelaria, fritos, salgados e refrigerantes entre outros devem ser reservados para dias excecionais.

9. Consumir as porções diárias recomendadas de frutas e hortícolas

Segundo a Roda da Alimentação Mediterrânica devemos consumir diariamente 3 a 5 porções de frutas e 3 a 5 porções de hortícolas.

1 porção de hortícolas representa:

- 2 chávenas almoçadeiras de hortícolas crus (180g)
- 1 chávena almoçadeira de hortícolas cozinhados (140g)

1 porção de fruta representa:

- 1 peça de fruta - tamanho médio (160g)

10. Desfrutar calmamente das refeições

A cultura mediterrânica gira à volta da mesa e do convívio que ela proporciona. Comer num ambiente calmo e saboreando devidamente a refeição é um aspeto fundamental para se tirar o máximo partido dos alimentos.

*Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável