Benedita Stüve Figueiredo, portuense, nascida em 1990, cresceu no seio de uma família onde a expressão “alimentação equilibrada” era uma prática diária. Não obstante, Benedita estabeleceu, desde cedo na sua vida, uma relação complicada com a comida. Para a autora do livro Obesidade Nunca Mais (edição Contraponto), publicado já este 2022, não se tratava, apenas, de gostar muito de comer. Benedita juntava à equação vários episódios de compulsão alimentar, doença que acabou por dominar os dias da jovem que se formaria em Administração e Gestão Hoteleira.
A partir da adolescência, Benedita começou a ganhar mais peso, alavanca para iniciar um ciclo de dietas “loucas”. Nada resultou. A cada perda de peso, sucedia-se novo ganho dos quilos perdidos, ou até mais. Aos 23 anos, Benedita estava clinicamente obesa. A comida dominava o bem-estar e a vida social da autora. “Tinha medo de comer”, afirma Benedita na entrevista que dá ao SAPO Lifestyle.
Em 2020, aquando do primeiro confinamento devido à pandemia de COVID-19, Benedita viu a oportunidade de mudar de vida. Desacelerar depois de anos vividos entre o Porto, Andorra, Ibiza e Cascais.
Benedita Figueiredo muniu-se de vontade férrea, alterou hábitos, rodeou-se de pessoas que a ajudaram no caminho que iniciava. Aquando do segundo confinamento, em 2021, Benedita criou uma página no Instagram para ajudar quem atravessa um caminho semelhante ao seu. No presente ano, a autora entregou aos escaparates o livro que nos oferece o seu relato na primeira pessoa. Uma história de transformação do corpo, mas também de mudança para melhor na saúde e na vida.
Benedita deixa-nos o conselho dos conselhos: “aprendam e mudem rotinas. Mudem hábitos, e queiram ser cada dia mais saudáveis. Sem pressas”.
A Benedita abre o seu livro com uma história de amor que nos remete para a sua infância e adolescência. Quer, sucintamente, partilhá-la connosco?
Sim, a história de amor da força da natureza que era a minha querida mãe e a positividade com que vivia a vida. Vivíamos numa zona tranquila no Porto, onde passávamos as tardes a brincar rodeados de cães. A mãe sempre gostou muito de estar rodeada de pessoas e animais, e era sempre a alma mais feliz da ‘festa’.
A mãe sempre nos incentivou a sermos boas pessoas e a fazermos o que pudéssemos pelo bem-estar dos outros, e foi assim, sempre, com muito amor e amizade, que crescemos e aprendemos a viver.
Conta-nos que a partir de determinada idade passou a ter uma má relação com a comida. Quando percebeu esse facto?
Quando ficava o dia todo a pensar em comida. Quando um evento social significava que ia comer X ou Y, e deixou de significar que ia estar com os meus amigos e familiares. Quando a comida dominava o meu bem-estar e tinha medo de comer. Aqui sim, percebi que tinha algum distúrbio alimentar, que se desenvolveu, sem qualquer dúvida, por todas as dietas restritivas que fiz.
Desenvolvi uma péssima relação com a comida e com os outros. Não conseguia estar em paz.
O seu percurso de perda de peso começa com dietas restritivas. Diz-nos que, mais do que a levarem a atingir os seus objetivos, a deixaram triste. Porquê?
Porque, como referi anteriormente, desenvolvi uma péssima relação com a comida e com os outros. Não conseguia estar em paz. Ora faltava aos eventos sociais para não comer, ora ficava em casa a ‘devorar’ a despensa. Não havia equilíbrio, a hora da refeição deixava-me nervosa. Lembro-me de me convidarem para almoçar e eu perguntar sempre o que seria o que me iam servir - convenhamos que até passa por má educação - para perceber se podia ou não incluir na minha alimentação. Hoje em dia, o pai, quando me convida para almoçar, ainda comenta “Vai ser polvo, quer vir almoçar?”, porque durante tantos anos eu só ia se soubesse antes que o que me iam servir estava incluído no plano. Hoje em dia respondo sempre, “pai, agora estou em paz com a comida, como tudo o que me servir e não preciso de saber o que é antes, vou para estar em família e a refeição é apenas uma desculpa para estarmos todos juntos”. Como deveria ter sido sempre, os eventos são para socializar, estar, desfrutar da vida, o que nos é servido é apenas um complemento. Mas quem passa por esta doença sabe bem do que falo. Hoje penso no momento em que vou estar com as pessoas e desfrutar da companhia delas. Antigamente ficava nervosa e ansiosa porque significava que ia fugir da rotina e mesmo que não fugisse, era algo que me deixava com nervosismos.
As dietas restritivas são perigosas ao estabelecerem proibições?
Muito. E pelo facto de não nos ensinarem o porquê dos alimentos. Como me ensinou, e bem, a minha nutricionista Diana Dinis, não há alimentos proibidos nem obrigatórios. Há sim alimentos que devemos comer com mais ou menos regularidade. Uma pessoa não se torna saudável por fazer uma refeição semanal saudável e também não ficará menos saudável se o fizer.
No seu caso, a Benedita ganhou peso sempre que enveredou por uma dieta restritiva. Foi reação à privação alimentar?
Sim, tinha vários episódios de compulsão alimentar. Compulsão alimentar é diferente de fome emocional. Compulsão alimentar é uma doença, onde a pessoa acaba por ter vários episódios em que come até ficar enfartada, e espera para fazer a digestão para voltar a comer mais. Come tudo o que aparece, mesmo se não gostar, porque tem o pensamento que é a última vez que vai comer. E depois destes episódios eu acabava por fazer horas (cheguei mesmo a ficar 40 horas) de jejum para compensar. E, como é de esperar, voltava a ter mais e mais episódios de compulsão. Normalmente comia os alimentos que me eram proibidos até acabar com eles. Se era uma tablete de chocolate só parava quando acabava, ou mesmo sacos de pão, embalagens de queijo, o que fosse.
Fome emocional é diferente e não deve ser considerada doença. São momentos em que a pessoa usa a comida - normalmente coisas que lhe dão prazer - para camuflar algum sentimento menos bom. Estou triste, comi um gelado. Estou ansiosa, comi mais frutos secos do que devia. Isto é ‘supernormal’ acontecer e não se devem considerar doentes e confundir com compulsão alimentar. Tentem descobrir quais os gatilhos que vos levam a esses sentimentos. A psicóloga Joana Meira da equipa do método de nutrição com Diana Dinis é incrível nessa área e ajuda muito.
Há nas suas palavras um alerta especial no que respeita às dietas com comprimidos. Quais são os perigos?
Vamos destruir o corpo internamente. Os nossos antepassados não tinham acesso a comprimidos, tudo o que não é natural, na minha opinião, não faz bem. Conseguimos atingir os nossos objetivos naturalmente, o corpo é algo incrível e a forma como reage às nossas mudanças é soberba. Imaginem, tomamos medicamentos por norma porque estamos doentes e temos de nos cuidar. São substâncias adversas ao que é natural para nos cuidar. Agora para perder peso? Não o façam, não vão querer fazê-lo para toda a vida, e mesmo que o façam, o corpo vai-se habituar e a certa altura já não terá efeito. Afinal, todos sabemos que se tomarmos várias vezes antibióticos, eles deixam de fazer efeito. Porque iria ser diferente com comprimidos para perder peso? Não engordaram de ontem para hoje, também não queiram emagrecer de hoje para amanhã. Aprendam sobre a alimentação, queiram ser mais saudáveis, desfrutem do processo e não intoxiquem o corpo com o que não é necessário.
Compulsão alimentar é uma doença, onde a pessoa acaba por ter vários episódios em que come até ficar enfartada, e espera para fazer a digestão para voltar a comer mais.
Ainda pela mão dos seus pais, foi acompanhada por uma nutricionista. Mas, como nos conta, uma vez mais, o plano traçado não resultou. Era desadequado?
Não era de todo desadequado. Foi simplesmente a forma como o plano me foi passado. A uma adolescente que vai passar a ter uma alimentação diferente dos outros não se pode apenas retirar por completo alimentos. Devemos explicar o porquê de reduzir e não retirar certos alimentos, arranjar estratégias para lhe dar certos alimentos de aspeto parecido. Sim, porque os olhos também comem. Por exemplo, será sempre menos diferente levar para a escola uns muffins de cacau saudáveis, umas panquecas, por exemplo, do que duas bolachas e um iogurte. Os miúdos têm de estar interessados na mudança, têm de continuar a ter prazer na alimentação, por isso não era de todo desadequado, mas a forma como passam o plano, essa sim.
Aconselha a consulta de nutrição. O que devemos ter em conta na escolha do profissional?
Alguém com quem nos vamos identificar. Que se preocupe com as nossas rotinas, com os nossos gostos, que nos queira ensinar o porquê das escolhas do plano alimentar que nos passa, que nos acompanhe semanalmente. A equipa de nutrição da Diana acompanha diariamente. Principalmente, que vá ao encontro das nossas rotinas e gostos para que possamos fazê-lo para o resto da vida.
Como conseguiu inverter o seu ciclo de perda/ganho de peso?
Com a ajuda da Diana Dinis e do Pedro Cardoso, o meu personal trainer. Foi durante a pandemia, quando o Mundo parou, que percebi que não havia pressas. Comecei a querer saber mais sobre o porquê dos alimentos, o porquê de toda gente afirmar que os treinos de força são essenciais para termos um corpo saudável. Comecei a mudar o chip e ensinaram-me que era muito importante querer ser mais saudável, querer ganhar saúde e não só querer perder peso.
Como define dieta equilibrada?
Não faço dieta, é sempre a minha resposta. Aprendi a comer, e isso sim é para sempre. Uma alimentação equilibrada é aquela em que comemos mediante as necessidades do nosso corpo, em que ingerimos todos os nutrientes (proteína, gordura, hidrato), em que nos hidratamos bastante e em que deixamos os alimentos processados e menos saudáveis para as refeições pontuais. Normalmente, as minhas compras de supermercado são à base de frescos [peixe, carne, legumes e fruta], produtos sem açúcar [lácteos, por exemplo], produtos o mais naturais possível e com uma lista de ingredientes o mais curta possível. Consumo muito aveia simples, manteiga de amendoim 100%, não consumo aveias que levem mais ingredientes, não consumo manteigas com óleos, e por aí fora. Tento optar pelos produtos mais naturais possíveis.
Aprendi a comer, e isso sim é para sempre. Uma alimentação equilibrada é aquela em que comemos mediante as necessidades do nosso corpo, em que ingerimos todos os nutrientes
Pode a perda de peso consistente no tempo ser destituída de exercício físico?
Pode sim. Mas lá está, vamos perder peso, mas esse peso perdido não é apenas gordura, mas sim massa magra. Vamos ser os chamados falsos magros. Temos de querer ser saudáveis e não perder peso. Se tivermos mais massa magra [músculo], o nosso metabolismo será mais acelerado, estaremos mais saudáveis, a nossa gordura visceral vai diminuir, além de que o exercício físico diário liberta hormonas de felicidade e torna-nos mais fortes. Melhora a condição física, cardiovascular, psicológica. Eu não vivo sem fazer exercício físico regular, se por alguma razão ficar mais de 36 horas sem treinar começo a ficar mal-humorada.
No livro também faz a sua autocrítica e assume falhas. Conseguiu fazer de todas as suas falhas um caminho de sucessos?
Não. Ainda batalho contra a balança, mas de uma forma muito mais consciente e saudável. Há momentos de ansiedade e de stress em que volto a pesar-me mais regularmente e, às vezes, deixo-me dominar pelos resultados que vão aparecendo, mas paro rapidamente. Como qualquer vício, às vezes temos as nossas recaídas, mas cada ano estou melhor. Em relação às outras falhas, sinto que venci totalmente.
A partir de determinado momento quis ajudar mais pessoas, apoiando-as no caminho de uma vida mais equilibrada. Como o fez?
Criei uma página de Instagram chamada b.healthypt, onde partilho receitas saborosas e fáceis para mostrar que a alimentação saudável nem sempre tem de ser aborrecida e repetitiva. Onde sempre que vou treinar partilho os treinos para motivar os que me seguem a fazer o mesmo. Nem sempre me apetece treinar, a motivação não está presente todos os dias, mas temos de ser disciplinados.
Falo das minhas falhas quando as tenho para mostrar que ninguém está sozinho. Sempre pensei que era a única pessoa a ter determinadas falhas, mas apercebi-me que não, que existe tanta gente que passa pelo mesmo e por essa razão criei a página. Juntos somos e seremos sempre mais fortes.
Se a Benedita pudesse atualmente endereçar uma mensagem rumo ao passado, a si mesma, que palavras enviaria?
Não tenhas pressa. Pensa na tua saúde. Não desanimes se o peso baixar devagar ou até mesmo se nem baixar. Há outros indicadores de estares mais saudáveis que importam mais. Por exemplo, consegues correr mais tempo do que antes? Consegues subir escadas e já não te cansas? Estás a ter uma alimentação pouco a pouco mais saudável? Valoriza cada conquista, valoriza cada melhoria e não queiras mudar as rotinas todas de uma vez. Vais falhar e, ao falhar, vais sentir que não és capaz. Devagar se vai ao longe. Digo sempre que se perdermos 0,5 kg por mês parece pouco, mas são 6 kg num ano, 12 kg em dois anos e 18 kg em três anos. Não vai custar, vai ser de forma saudável, vamos ganhar hábitos e hábitos ficam para sempre.
Se quiserem perder 6/10 kg rapidamente, acreditem, irão voltar a ter esses kg rapidamente, a não ser que sejam exceção à regra como existem algumas.
O conselho dos conselhos: aprendam e mudem rotinas. Mudem hábitos, e queiram ser cada dia mais saudáveis. Sem pressas. Se num mês não perderem peso, pensem: também não ganhei. E se ganharem, tomem consciência do que fizeram e tentem melhorar. Sem dramas, a vida é curta de mais para vivermos em função do peso e da alimentação. Vamos viver em função de sermos mais saudáveis e querer atingir sempre a nossa melhor versão? Saúde também é saúde mental, por isso não deixem de desfrutar dos momentos em família e amigos.
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